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Durante três anos Rita de Cassia Seixas Sampaio Araújo, especialista em saúde pública e saúde do trabalhador, esmiuçou a atividade dos controladores de tráfego aéreo que trabalham no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, e concluiu que, diante de seus superiores, eles não passam de profissionais invisíveis. Segundo ela, cerca de 90% deles são obrigados a manter um segundo emprego em razão da baixa remuneração. Além disso, o nível de estresse é alto. Se alguém faz alguma manifestação quando está operando, vai preso.

Durante 3 anos a senhora acompanhou o trabalho do controlador de tráfego aéreo no Centro de Controle de Aproximação (APP) de São Paulo, no Aeroporto de Congonhas. Qual sua impressão?

Rita de Cassia Seixas Sampaio Araújo - A escolha do controlador de vôo para a pesquisa foi muito em função da invisibilidade desse trabalhador, tendo em vista a importância da atividade e o fato de ele não ser reconhecido. Uma questão primordial na atividade é que o controlador fale inglês fluentemente, porque se comunica o tempo todo com pilotos de outras nacionalidades. Mas a maioria só conhece a fraseologia básica, absolutamente essencial para comunicação quando tudo está dentro do padrão normal. Se ocorre uma emergência que exija interlocução com o piloto, isso simplesmente gera uma situação de pânico na cabine. Via de regra, tem um controlador que fala inglês um pouco melhor e assume essa posição.

Qual a carga de trabalho?

São oito horas em turnos alternados. É uma forma de escalonamento onde um dia se trabalha das 6h às 14h, no outro dia a mesma pessoa pega das 14h às 22h, no terceiro das 22h às 6h e folga no quarto dia. Então, por si só, essa alternância no ritmo biológico já é geradora de problemas gástricos e emocionais. Mas há também a desvinculação da vida familiar porque, independentemente de ser aniversário do filho, da mãe, Natal, Ano-Novo, Páscoa ou Dia dos Pais, tem a escala de plantão para cumprir. Ele também come mal, tem de tomar café para não dormir, muitas vezes tem de dormir durante o dia em horário que não tem sono. Somando isso, que por si só já é absolutamente difícil de contornar, 90% dos controladores têm outro emprego para ter condição de sobrevivência, tendo em vista que o salário inicial, em torno de R$ 2 mil, é insuficiente para um pai de família arcar com compromissos.

A senhora percebeu alguma alteração de comportamento ou doença devido à atividade?

Há muitos relatos de problemas gastrointestinais, estresse gerando problemas de coluna, alterações de sono, irritabilidade muito grande. Normalmente, quando deixam o plantão eles estão completamente exauridos. O trabalho deles equivale à uma situação de combate, de guerra. Mexe com todo o sistema nervoso, a grande sobrecarga no estômago faz com que muitos desenvolvam úlceras, problemas cardíacos, pressão alta. Além disso há problemas de visão por causa do longo tempo diante do monitor. Nesse momento pode-se dizer que o estresse é maior devido à sobrecarga de trabalho em função da suspensão de oito controladores em Brasília.

Quantas aeronaves eles monitoram em média?A recomendação da Organização Internacional de Aviação Civil é em torno de oito aeronaves, para se trabalhar com segurança. Quando fiz a pesquisa eles trabalhavam, em horários de picos, com 15 e agora chegam a falar até em 22. Uma situação muito crítica também é quando cai o sistema e eles não podem monitorar as imagens que recebem na tela com informações dos radares. O nível de estresse aumenta e o controle da situação fica muito difícil. Normalmente quem segura a situação são os mais antigos, que tiveram formação mais criteriosa e têm outros recursos para resolver imprevistos.

Como é a formação dos controladores hoje?

A exigência para que uma pessoa faça o curso de controle de tráfego aéreo, ministrado em São José dos Campos, é o nível secundário. O curso, em média, é de três anos, sendo que no último ano ele já opera junto com uma pessoa mais experiente na sala de controle. As novas tecnologias, que hoje de certa forma facilitam o processo, também fizeram com que a formação fosse menos criteriosa. Os mais antigos contavam com menos recursos informatizados, porém tinham dimensão do espaço aéreo e de pontos referenciais. Se o sistema saísse do ar sabiam conduzir a situação para o piloto de maneira mais tranqüila. Mas hoje, como o novo controlador não tem esse critério porque se coloca muita expectativa na tecnologia, quando o sistema sai do ar ele entra em situação de colapso biopsíquico, implode.

Os controladores trabalham diretamente com a Aeronáutica. Como é o relacionamento com os militares?

São poucos os civis que ainda estão no controle em São Paulo. Mas para o militar é muito delicada a situação. Ele entra como sargento e muitas vezes não tem evolução na carreira. A carreira dentro da Aeronáutica é para o aviador. O controlador no máximo vai chegar ao posto de tenente. Então é um local de trabalho onde ele é totalmente subordinado. Isso faz com que a todo momento, diante das demandas, do volume de tráfego aéreo, seja levado a descumprir normas. Falo das normas da Organização Internacional da Aviação Civil que preconizam oito aeronaves em tela ou a separação entre uma aeronave e outra de 6 mil milhas, sendo que aqui, rotineiramente, ele trabalha com 3 mil milhas. Tudo isso faz com que coloque em risco a própria pele. Ele não recebe essas ordens por escrito. Recebe verbalmente, mas quando acontece qualquer problema, responde civilmente e vai preso.

Preso?

Sim. Em situações extremas, quando, por exemplo, faz alguma manifestação enquanto opera, ele é repreendido. Tudo o que se fala é gravado e passa até por censura. Muitas vezes até recebe ordem de prisão quando seu comportamento é entendido como desacato.

Nesse período de pesquisa a senhora testemunhou alguma situação nesse sentido?

Sim. Por causa de uma outra questão crítica no trabalho do controlador, muitas vezes há falha na transmissão e nas imagens recebidas pelos radares se forma em tela um ponto falso. Numa dessas situações, em horário de pico, um controlador julgou que uma dessas aparições fosse alvo falso. Mas era um avião saindo de Viracopos (em Campinas) que ia de encontro a outro que saiu de Sorocaba. Quando estavam muito próximos ele viu o engano, entrou em desespero e falou palavrões. Mas conseguiu avisar o piloto. Era véspera de Natal. Quando terminou a operação ele foi avisado que ficaria uma semana preso. Os outros controladores enfrentaram a chefia em defesa do colega, como ocorre agora, e reverteram a situação. A punição é uma atitude típica do militarismo.

Eles têm dificuldade de comunicação com os pilotos?

Muita. Os controladores querem fazer vôos de cabine durante a sua formação para conhecer melhor o trabalho do piloto. Muitas vezes o piloto desconsidera a orientação da torre porque o controlador fala uma palavra meio descabida. Precisa haver sintonia perfeita entre o trabalho deles porque, por melhor que seja o piloto, por mais maravilhosa que seja a aeronave, só o controlador pode visualizar se há risco de aproximação com outro avião.

A tensão também interfere na saúde dos pilotos?

De maneira geral, o piloto e o comissário de vôo têm uma série de questões que também interferem em sua saúde, mas em menor nível. Os pilotos têm estratégias defensivas no sentido de se sentirem super-homens, desenvolvem isso para poderem lidar com uma situação de extrema responsabilidade. A função do piloto é tão importante quanto a do controlador, só que o piloto é reconhecido pela sociedade, pela família, tem salário melhor. Já o controlador ninguém sabe que existe, ganha muito mal e ninguém valoriza o trabalho dele.

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