O resultado de uma licitação realizada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para a contratação de serviços jornalísticos está causando polêmica com entidades ligadas ao setor. No início deste mês, foi publicado o contrato, de R$ 2 milhões por um ano, com a empresa Liderança Limpeza e Conservação, que, como o próprio nome diz, tem a “limpeza em prédios e domicílios” como sua principal atividade econômica. A Associação Brasileira das Agências de Comunicação (Abracom) já adiantou que pretende questionar judicialmente o resultado.
“Há alguns órgãos federais que utilizam o pregão eletrônico para a contratação de serviços de comunicação, tipo de licitação que acaba levando em conta apenas o melhor preço, sem a questão técnica. Isso abre espaço para que empresas de terceirização, sem experiência no setor, ganhem as licitações oferecendo apenas os postos de trabalho. É uma forma disfarçada de contratar sem concurso público”, criticou o presidente-executivo da Abracom, Carlos Henrique Carvalho.
O edital do pregão vencido pela Liderança prevê a contratação de oito jornalistas e dois fotógrafos, com salários que variam entre R$ 6,3 mil e R$ 6,7 mil, fora encargos. Há ainda a previsão de outras quatro vagas temporárias, de 90 dias. Os profissionais farão parte do “núcleo cobertura jornalística das eleições”.
Com sede na cidade de São José (SC), a Liderança é uma verdadeira “faz tudo”, que tem crescido no governo federal. Em 2010, segundo dados do Portal da Transparência, a empresa recebeu R$ 42,6 milhões. Em 2015, foram R$ 69,9 milhões, principalmente em serviços de conservação. No seu registro na Receita Federal, a firma tem nada menos do que 46 atividades, além da principal, de limpeza. Infraestrutura portuária, nutrição, restauração de prédios históricos e serviços de agronomia são alguns exemplos. A “prestação de serviços de informação” também aparece na lista.
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Leia a matéria completaUma curiosidade é que no próprio site da Liderança é difícil encontrar referência aos serviços de jornalismo. O vídeo institucional da empresa fala apenas em “limpeza e conservação; copa e café; portaria; jardinagem; recepção; telefonia; apoio administrativo e segurança patrimonial”. O link “serviços” também não cita os trabalhos na área de comunicação. O jornalismo é citado apenas num texto no link “apresentação”.
Tanto a Liderança quanto o TSE foram procurados ao longo da semana passada, mas não se manifestaram. Quem saiu em defesa da empresa foi o Ministério do Meio Ambiente, que, somente no ano passado, gastou quase R$ 3,7 milhões com a firma para a prestação de serviços de comunicação social. “A referida empresa, quando da participação do certame (pregão), comprovou as capacidades técnica e operacional exigidas, por meio de atestados de capacidade inerentes ao objeto licitado”, disse em nota.
A licitação para a pasta foi realizada no fim de 2014. À época, a Abracom chegou a pedir ao Tribunal de Contas da União (TCU) a suspensão do pregão, sem sucesso. O Ministério do Meio Ambiente reforçou a defesa do pregão para a contratação dos serviços de jornalismo, “segundo critérios estabelecidos no edital, baseados no menor preço”. E disse que o contrato com a Liderança foi renovado até fevereiro de 2017 já que “está sendo executado a contento, pois a contatada vem prestando fielmente os serviços em conformidade com as especificações”.
A contratação de empresas como a Liderança pela União para serviços de comunicação tem preocupado também o Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal. Segundo o coordenador-geral da entidade Jonas Valente, o ideal seria a realização de concurso público:
“Defendemos o concurso em primeiro lugar, mas, quando não é possível, que sejam ao menos contratadas empresas que têm atuação no setor de comunicação. É algo que nos preocupa já faz tempo, temos conseguido interlocução com alguns órgãos, mas infelizmente ainda não existe uma diretriz única no governo.”
O uso de empresas de terceirização para serviços jornalísticos no governo federal já teve outros exemplos no passado. Um dos casos é o da Conservo Brasília, que, entre dezenas de contratos que possuiu até 2008, teve os de produção de matérias jornalísticas para a EBC e para a Radiobras. Em 2008, a firma foi declarada inidônea e foi alvo de uma ação de improbidade administrativa do Ministério Público Federal, decorrente da Operação Mão de Obra, da Polícia Federal, com foco em fraudes em licitações.
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