Com uma crise atrás da outra batendo à porta do Palácio do Planalto, o presidente Michel Temer confidenciou, nos últimos dias, que não esperava enfrentar tantos percalços no caminho. “Estou cansado de apanhar injustamente”, desabafou ele, em recente conversa com um auxiliar. O receio do PMDB, agora, é de que a “tempestade perfeita”, composta por problemas tanto na política como na economia, ponha em risco o mandato de Temer.
A Operação Lava Jato abalou a República, deixou o governo na corda bamba e trouxe uma penca de incertezas para 2017, já que, das 77 delações de executivos e ex-diretores da Odebrecht, apenas quatro tiveram o conteúdo divulgado. Até agora, as investigações arrastaram a cúpula do governo e do PMDB para o centro da conflagração política.
No Congresso, a oposição calcula que, quando o ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki homologar os depoimentos, por volta de março, o governo enfrentará mais sobressaltos.
Em público, Temer tenta contornar as dificuldades com palavras, muitas vezes entremeadas por mesóclises. Dono de um vocabulário rebuscado, ele disse que apreciaria não ser “vergastado” (chicoteado) nas redes sociais, mas até hoje não conseguiu reverter o desgaste e vê sua impopularidade aumentar dia após dia. “Dizem que eu ando abatido, mas isso não é verdade. Os desafios me estimulam. Não sou homem de cair de joelhos”, afirmou o presidente a um amigo.
Temer começou a escrever um livro. Não é, no entanto, o romance inspirado em sua vida, como já anunciou. Desde o impeachment de Dilma Rousseff, ele tem anotado passagens sobre os seus dias no Planalto, tentando desmistificar a tão falada solidão do poder. Escreve tudo a mão. Até quarta-feira, contou 280 audiências. Supersticioso, não ocupa a cadeira em que Dilma costumava despachar, no gabinete do 3.º andar. Senta-se numa poltrona de couro preto.
Antes da enxurrada de denúncias, das ameaças veladas do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e da deterioração do cenário econômico, Temer revisitou as memórias de Getúlio Vargas, que comandou o País em duas ocasiões (de 1930 a 1945 e de 1951 a 1954).
“Na política, o adversário nunca é tão adversário que não possa se tornar aliado depois. E o aliado nunca é tão aliado que não possa vir a ser seu adversário amanhã”, disse ele, na madrugada de 11 de outubro, citando uma frase de Getúlio. Fez o comentário ao assistir pela TV, no Planalto, à primeira votação na Câmara da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita os gastos públicos.
De lá para cá, porém, enfrentou o que define como roteiro “de fel” e a frase sobre a relação entre adversários e aliados ganhou contornos de batalha pela sobrevivência.
Travessia
Sete meses depois de assumir o governo - tratado como “uma pinguela” pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso -, Temer tem incontáveis desafios para completar a travessia até 2018. Um deles está no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que nos próximos meses decidirá se houve abuso do poder político e econômico, em 2014, na campanha da chapa liderada por Dilma, da qual ele era candidato a vice. A ação foi movida pelo PSDB do senador Aécio Neves (MG), antes adversário e hoje aliado.
O sinal passou do amarelo ao vermelho com as delações da Odebrecht e preocupa o impacto que elas possam ter no andamento do processo. Se Temer for afastado, a escolha do sucessor será feita pela Câmara, de forma indireta. Uma nova eleição somente ocorreria se a saída fosse até 31 de dezembro.
Um ministro do TSE disse ao Estado que ninguém no tribunal quer “incendiar o país”, mas ressalvou que, se o governo ficar insustentável, a cassação da chapa pode ser uma saída. Temer repudia as acusações dos delatores. Costuma dizer que elas “não colam” e pede aspas nessa expressão, de tão formal que é. Diz que todas as doações da Odebrecht ao PMDB, partido do qual era presidente, foram declaradas ao TSE.
Corredor da morte
Desde maio, o presidente já perdeu seis ministros, além do amigo José Yunes, que era seu assessor especial. Foram tantas as quedas em tão pouco tempo que já se fala em um “corredor da morte” pós-escândalos no governo.
Temer admite ter errado ao permitir que o então chefe da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, permanecesse “sangrando” no Planalto por uma semana. Avalia que a crise provocada após o então titular da Cultura Marcelo Calero dizer que Geddel o pressionou para atender a seus interesses imobiliários só chegou a seu gabinete porque o ministro resistia a sair.
Foi por isso que, quando o ex-diretor de Relações Institucionais da Odebrecht Cláudio Melo Filho citou uma entrega de dinheiro no escritório de Yunes, em 2014, o governo agiu rápido e a carta de demissão não tardou. Agora, não se sabe quem resistirá na reforma ministerial, prevista para fevereiro. A possibilidade de Temer dar ao grupo de Aécio a articulação política causa divergências e tem sido interpretada, nos bastidores, como um gesto que fortalecerá essa ala tucana para a eleição de 2018.
Na tentativa de desviar o foco da agenda negativa, a equipe econômica lançou pacote de medidas para diminuir o desemprego - que atinge 12,1 milhões de pessoas - e melhorar o ambiente de negócios. Sob ameaça de empresários estrangeiros que cogitam desistir de investimentos no Brasil, Temer adotou uma operação de emergência para reduzir os danos da Lava Jato.
“O maior desafio do presidente Temer é a economia. Eu não maximizo tanto as turbulências políticas”, disse ao Estado o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Um dos três pré-candidatos do PSDB à Presidência, Alckmin afirmou que o governo “não deve demorar muito” a promover uma queda consistente dos juros, sob pena de a situação se agravar ainda mais, com o aumento do desemprego.
“É preciso confiança para investir e o governo tem em mãos esse instrumento poderoso, que é a possibilidade de diminuir a taxa de juros. Se fosse eu, centraria muito nisso”, insistiu o governador. Também citado pela Odebrecht como beneficiário de caixa 2, Alckmin declarou que qualquer conclusão com base em depoimentos não homologados é “prematura”.
Impasses
Diante de um cenário nublado por impasses, com delações que podem envolver 200 políticos - entre ministros, governadores, senadores e deputados -, o Planalto já prevê nova leva de crises em 2017. Para evitar que um pedido de impeachment vá adiante contra Temer no Congresso, o Planalto quer a reeleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ) no comando da Câmara, mas não pode escancarar sua estratégia.
Maia é visto como homem de confiança do Planalto.O problema é que, além de pendências jurídicas sobre a candidatura de Maia, o Centrão - grupo que reúne 13 partidos - tem pelo menos outros dois concorrentes. Na prática, Temer depende desse bloco para aprovar projetos importantes, como a reforma da Previdência.
“Nós pedimos a renúncia dele por absoluta falta de condições de administrar o País. Esse governo derreteu, acabou”, provocou o líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE). Os petistas vão insistir na mobilização por novas eleições diretas, embora seja necessário mudar a Constituição para que isso aconteça. “Esta será nossa principal bandeira em 2017. A política se sobrepõe a questões de ordem legal”, emendou Costa.
Para o senador Cristovam Buarque (PPS-DF), Temer atravessará um período de “sangue, suor e lágrimas” e terá de explicar à sociedade, “com mais ênfase”, as consequências de não se fazer as reformas propostas. “Ele precisa ser mais líder e menos pacificador”, resumiu Cristovam. “Tirar Henrique Meirellesdia 15, Temer ouviu do deputado Mauro Pereira (PMDB-RS) que era necessário ele recorrer a “uns cinco anjos da guarda” para enfrentar 2017. “Cinco? Acho que vou precisar de muito mais. Nem sei de quantos”, respondeu o presidente.
O estilo cordial de Temer sempre chamou a atenção. Certa vez, ao visitar o então governador de Pernambuco, Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), ele foi logo cumprimentando os seis “convidados” altos sentados à mesa. “Mas Michel, esses são os bonecos de Olinda”, interrompeu Jarbas. Foi uma gargalhada só.