Um orçamento conjunto de R$ 6 bilhões ao ano, 5 mil cargos comissionados, mordomias e um enorme prestígio político estarão em jogo amanhã, na eleição para as mesas diretoras do Congresso Nacional. Os números alimentam uma disputa imprevisível, marcada por conflitos entre a base de apoio do presidente Lula e inusitadas alianças entre governistas e oposicionistas.
No vale-tudo do Poder Legislativo, até os maiores rivais da política nacional nas últimas duas décadas, PT e PSDB, unem forças para eleger os presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados.
Os parlamentares vão decidir em votação secreta a ocupação de sete cargos em cada Casa pelos próximos dois anos. Os mais cobiçados são as presidências e as primeiras-secretarias. Na prática, os presidentes podem quase tudo no jogo regimental (ver infográfico ao lado); nomear e demitir funcionários, escolher diretores, dar prioridade ou engavetar propostas de novas leis. Sobra aos primeiros-secretários tarefas burocráticas e administrativas, similares às de um prefeito.
Com muito menos poder, os principais atrativos dos demais postos são os cargos. Muitos cargos.
Na Câmara, por exemplo, cada um dos seis eleitos abaixo do presidente tem o direito de nomear 33 assessores. Eles não precisam ter passado por concurso público e recebem salários entre R$ 2.517,91 e R$ 8.784,80, vencimentos que costumam aumentar em até 50% com horas extras.
Propostas incluem cargos e aumento salarial
A divisão interna de poder e de cargos é tema central em ambas as campanhas. Entre os deputados, enquanto o candidato favorito à presidência, Michel Temer (PMDB-SP), conseguiu acordos formais com lideranças de 14 partidos e fala em uma gestão global, o principal rival, Ciro Nogueira (PP-PI), foca a disputa nas necessidades pessoais dos colegas. Na reta final da corrida eleitoral, ele espalhou dezenas de espelhos pelo Congresso com a frase "Veja quem vai mandar na Câmara", indicando que cada deputado terá voz caso ele seja eleito.
Apontado como "príncipe" do baixo clero (grupo com cerca de 300 deputados com pouca expressão entre os líderes do Congresso), Nogueira fala em uma administração com melhorias de condições para os parlamentares leia-se aumento de salários e benefícios.
Na mesma esteira, mas com menos apelo, estão os outros dois candidatos, Aldo Rebello (PCdoB-SP) e Osmar Serraglio (PMDB-PR). Entre as propostas do paranaense, está o uso da TV Câmara para mostrar as ações individuais dos parlamentares, o que levaria a uma espécie de propaganda eleitoral constante durante os quatro anos de mandato.
"Essas eleições estão voltadas para o próprio Congresso, não tem nada de propostas voltadas à sociedade. Mas isso é normal, campanhas são feitas de acordo com o público que pretendem atingir. O colégio eleitoral é de deputados e senadores, não de pessoas em geral", diz o cientista político Octaciano Nogueira, da Universidade de Brasília (UnB).
Ao se comprometer com a acomodação dos aliados nos demais cargos em disputa, Temer conseguiu juntar no mesmo bloco partidos como PT e PDT, do lado governista, e DEM e PSDB, pela oposição. "Estamos falando de uma aliança construída institucionalmente, em que todos os partidos entenderam a necessidade de se criar um ambiente estável para enfrentar a crise financeira mundial", afirma o paranaense Rodrigo Rocha Loures (PMDB). Ele é um dos coordenadores da campanha de Temer.
No Senado, o discurso "institucional" ficou em segundo plano. Em troca de dois cargos na Mesa Diretora, a primeira vice-presidência e a quarta-secretaria (além do compromisso de receber apoio na escolha dos presidentes das comissões de Assuntos Econômicos e de Relações Exteriores), o PSDB decidiu apoiar o petista Tião Viana, do Acre. A decisão apimentou uma disputa dada como vencida pelo ex-presidente da República José Sarney (PMDB-AP).
Na avaliação do cientista político Francisco Fonseca, da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, a união entre petistas e tucanos reflete a "geléia partidária brasileira". "De alguma forma, o que fica é a imagem do vale-tudo. Só que a nossa democracia parlamentar é assim mesmo, passa por esse tipo de negociação. Aliás, em vários outros países, como os Estados Unidos, ocorre a mesma coisa."
Tanto para Fonseca quanto para Nogueira, a questão não influenciará em mudanças no cenário para 2010. "Estamos falando de duas coisas diferentes. Não é uma aliança no Congresso que vai fazer os dois partidos estarem juntos para valer", encerra o professor da UnB.
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