Controle social da mídia vira tema da eleição presidencial
As divergências em torno da possibilidade de se instituir o controle social da mídia no Brasil ganharam força nas últimas semanas com a divulgação do plano de governo da presidenciável Dilma Rousseff (PT). Inicialmente, o documento pregava o "fim da propriedade cruzada [de meios de comunicação] e a exigência de uma porcentagem mínima de produção regional [na programação]". Depois de muita polêmica, o texto foi atenuado, mas manteve a afirmação de que "a maioria da população conta, como único veículo cultural e de informação, com as cadeias de rádio e de televisão, pouco afeitas à qualidade, ao pluralismo, ao debate democrático".
"Nós não concordamos com a posição expressa [pelo PT]", contrapôs o presidenciável do PSDB, José Serra. "A imprensa não deve ser intimidada nem pressionada pelo governo ou patrulhada por partidos", disse Serra.
Na última quarta-feira, Dilma contradisse o próprio partido ao se declarar contra o controle social da mídia. "O único controle que existe é o controle remoto. Sou contrária ao controle do conteúdo. A censura à imprensa é inadmissível", disse a petista, alegando que apenas rubricou seu plano de governo e que não leu o documento.
O presidente emérito do grupo de comunicação RBS, Jayme Sirotsky, diz que o que se costuma chamar de controle social da mídia seria, na verdade, um eufemismo para se referir a um controle do Estado sobre os meios de comunicação. "Hoje, vemos esses controles serem aplicados em várias sociedades latino-americanas de maneira distorcida", diz ele.
A mesma opinião tem o professor de Comunicação Carlos Alberto Di Franco. "O chamado controle social da mídia é uma experiência bem conhecida na Venezuela. Começa com a aparência de democratização dos meios e termina na censura mais radical", avalia. "Os brasileiros podem consumir os veículos que quiserem. Há um cardápio amplo. O que não é bom é transformar o Estado em tutor das liberdades civis."
Por outro lado, Sérgio Murillo de Andrade, presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), rebate os argumentos contrários à instituição do controle social da mídia, afirmando que "não interessa à sociedade um debate ideologizado e partidarizado" sobre o tema. "Trata-se de um assunto importante e complexo. Partidarizar esse debate é um grande desserviço à sociedade", diz ele, defendendo a tese de que a sociedade precisa de uma nova lei de imprensa.
O advogado Rodrigo Xavier Leonardo, professor de Direito Civil da UFPR, concorda que é preciso uma legislação específica para o jornalismo. Mas ele pondera que já existe um controle da atividade. "Não se pode dizer que há um descontrole dos meios de comunicação. Eles são controlados como todos os demais setores pelo Judiciário. Para além disso, qualquer juízo prévio me parece um cerceamento inadequado da liberdade de expressão."
A favor da liberdade de imprensa
Confira o que dizem profissionais de imprensa e especialistas em comunicação sobre o primeiro aniversário da censura ao jornal O Estado de S. Paulo:
"É um episódio lamentável porque mostra uma visão equivocada de alguns setores do Judiciário em relação ao papel da imprensa na democracia."
Ricardo Pedreira, diretor-executivo da Associação Nacional de Jornais (ANJ).
"É um triste aniversário, proveniente de uma decisão judicial que impede a população de ser informada sobre fatos relevantes."
Daniel Slaviero, presidente da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert).
"Isso me preocupa, pois é uma demonstração de que um dos pilares da sociedade democrática a liberdade de imprensa e de expressão pode estar submetido ao arbítrio de interesses políticos."
Carlos Alberto Di Franco, professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, na Espanha.
Prestes a completar um ano na próxima sexta-feira, a censura imposta pela Justiça ao jornal O Estado de S. Paulo continua causando indignação em profissionais e estudiosos da área de comunicação. Para eles, esse é um aniversário "triste e lamentável", que expõe uma decisão arbitrária e antidemocrática não só contra a imprensa, mas contra toda a sociedade brasileira.
O primeiro ano da censura ao Estadão também coincide com a retomada da polêmica discussão política sobre a possibilidade de controle social da mídia, que sempre volta à tona em ano eleitoral (veja reportagem ao lado).
Operação Boi Barrica
Desde 30 de julho do ano passado, o Estadão está proibido de veicular qualquer informação sobre a Operação Boi Barrica, da Polícia Federal, que investiga negócios supostamente irregulares do empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Por decisão do desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, o jornal não pode divulgar o teor de gravações telefônicas que comprovariam a realização de tráfico de influência por parte de Fernando Sarney.
Em dezembro, pouco mais de quatro meses depois de ter obtido decisão que impediu o Estadão de divulgar reportagens da operação, Fernando Sarney resolveu desistir da ação que corria no TJ-DF na qual pedia a censura. Nesse meio tempo, o jornal já havia recorrido ao Supremo Tribunal Federal (STF), alegando que foi censurado, o que é proibido pela Constituição.
Mas o STF decidiu arquivar o recurso, por entender que os argumentos jurídicos do Estadão não cabiam naquela situação. Apesar disso, a defesa do jornal não aceitou o arquivamento. O objetivo é de que o mérito fosse julgado para que o STF considere inconstitucional a censura jurídica. O caso, porém, ainda não tem data para ir a julgamento.
"Episódio lamentável"
O diretor-executivo da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Ricardo Pedreira, diz que a censura ao Estadão fere o que determina a Constituição Federal, "que é muito clara no sentido de que não deve haver nenhum tipo de censura prévia no país". "É um episódio lamentável porque mostra uma visão equivocada de alguns setores do Judiciário em relação ao papel da imprensa na democracia", diz Pedreira.
A opinião é compartilhada por Daniel Slaviero, presidente da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), para quem a decisão da Justiça é "inaceitável e incompatível com a democracia". "É um triste aniversário, proveniente de uma decisão judicial que impede a população de ser informada sobre fatos relevantes", afirma.
Carlos Alberto Di Franco, professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, na Espanha, classifica o caso como "algo inacreditável numa democracia plena". "Isso me preocupa, pois é uma demonstração de que um dos pilares da sociedade democrática a liberdade de imprensa e de expressão pode estar submetido ao arbítrio de interesses políticos."
Apesar de ter a mesma posição dos colegas de imprensa em relação ao episódio, o presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Sérgio Murillo de Andrade, atribui "essa situação absurda" aos próprios veículos de comunicação. Segundo ele, a mídia, ao buscar desregulamentar o exercício profissional do jornalismo, tem contribuído para eliminar "o pouco que existe no ordenamento jurídico brasileiro voltado especificamente à imprensa".
O presidente da Fenaj cita, por exemplo, a revogação da Lei de Imprensa pelo STF em maio do ano passado. Para 7 dos 11 ministros, a lei, que foi editada em 1967 durante a ditadura militar , era incompatível com a democracia e com a atual Constituição por prever, entre outras medidas, a apreensão de publicações e a censura prévia.
"A lei era inútil na maior parte das vezes, reacionária e autoritária, mas alguns artigos defendiam a profissão e estabeleciam regras mínimas para o relacionamento entre a sociedade e a mídia", afirma Andrade. "Hoje, vivemos essa situação absurda de não ter lei nenhuma. Precisamos de uma legislação específica que defenda a imprensa, mas que também tenha utilidade para o cidadão brasileiro." Desde a revogação da lei, os jornalistas e os meios de comunicação passarem a ser julgados com base na Constituição Federal e nos Códigos Civil e Penal.
O presidente da Fenaj vai além e ressalta que os empresários de comunicação exercem um enorme grau de manipulação em relação a possíveis mecanismos de controle sobre a mídia. "É preciso parar com esse debate atravessado de que discutir normas democráticas para a atuação da imprensa seja discutir censura e controle do Estado. Não é isso", argumenta. "O jornalismo é um serviço de natureza essencialmente pública, tem de estar regulado por medidas e estatutos públicos. O oposto é que é o problema: não ter lei nenhuma."
Ele defende, por exemplo, a proposta de criação do Conselho Federal de Jornalismo, proposta que foi rejeitada pela Câmara Federal em 2004. "Os deputados rejeitaram o projeto sem promover nenhum debate público. Isso sim é censura", reclama Andrade. Outra ideia seria resgatar a exigência de formação superior em Jornalismo para o exercício da profissão. A obrigatoriedade do diploma foi abolida em outro julgamento no STF, que entendeu que a exigência feria a liberdade de expressão. Mas a Fenaj e sindicatos de jornalistas propuseram ao Congresso duas propostas de emenda à Constituição (PECs), já em tramitação, para tornar constitucional a obrigatoriedade do diploma.