Empenhado num ajuste fiscal para “salvar” as contas públicas, o governo federal pagou nos últimos quatro anos pensões indevidas a “filhas solteiras” de servidores que eram, na prática, casadas ou até do sexo masculino. Bancou também benefícios para “filhos” de funcionários públicos nascidos mais de um ano após a morte dos pais. E houve quem recebesse auxílio-creche sem ter, nos registros oficiais, nenhuma criança em casa.
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Leia a matéria completaOs exemplos constam de uma extensa lista de irregularidades detectadas pela Controladoria-Geral da União (CGU) na folha de pagamentos da administração direta, de autarquias e fundações. Por ano, ela consome R$ 129 bilhões para remunerar 1,2 milhão de trabalhadores da ativa, aposentados e pensionistas.
Na relação também estão servidores que conseguiram reajustes superiores a 200% num período de três anos; além de outros que extrapolam o teto do funcionalismo público. Há ainda inúmeros outros casos que desafiam o tempo e a lógica. Por exemplo, “filho” ganhando pensão de pai mais jovem.
As conclusões foram obtidas após o cruzamento de informações da folha de pagamentos de 259 órgãos com dados de outros sistemas oficiais. O trabalho foi feito em períodos de 2011, 2012, 2013 e 2014.
Na maioria dos casos, a CGU mandou corrigir o que chama de “inconsistências”, causadoras de prejuízo, logo que descobertas. Com os cortes, houve economia de R$ 1,2 bilhão até dezembro do ano passado, conforme relatório do órgão.
Para o governo, a economia é considerada simbólica diante da necessidade de cortes de gastos. Recentemente, o Ministério do Planejamento anunciou que vai cessar até a impressão de contracheques do funcionalismo. Tudo para não gastar R$ 40 milhões anuais com tinta e papel.
O que foi pago de forma irregular até o pente-fino da CGU não foi calculado, tampouco será recuperado. É que, salvo exceções, parte-se do princípio de que os servidores receberam por erro dos departamentos de recursos humanos, e não de má fé. Segundo a CGU, os tribunais já firmaram jurisprudência a respeito, entendendo que não cabe devolução nesses casos.
“De maneira geral, o relatório não trata de fraudes. O trabalho detectou oportunidades de correção”, afirma o secretário federal de Controle Interno, Francisco Eduardo de Holanda Bessa, explicando que, só em casos de golpe, abre-se um processo administrativo para punir o servidor envolvido e buscar o ressarcimento devido.
Os auditores descobriram, por exemplo, 153 casos em que funcionários mudaram as próprias informações nos sistemas de recursos humanos, dando margem a aumento de salário. Trata-se, no entanto, de uma situação rara entre as 330 mil falhas detectadas.
Algumas são mais frequentes, como quando o empregador faz descontos menores que os devidos no contracheque. Servidores e pensionistas que tiveram parcelas de devolução ao erário interrompidas ou mesmo alteradas representaram, nos períodos investigados, um prejuízo de R$ 253 milhões aos cofres públicos. Eram 12 mil exemplos.
Chama a atenção também o fato de a auditoria citar ao menos 260 casos em que “filhas solteiras” de servidores mortos, maiores de idade, recebiam pensões, mas tinham estado civil distinto. Dessas, 62 eram casadas. Outras 41 pensionistas, com direito ao mesmo benefício, eram homens e seis estavam registradas com “sexo inexistente”.
Os nomes dos envolvidos não são divulgados pelo órgão.
“As informações foram enviadas aos gestores. Contudo, a CGU deve preservá-las, já que indicam problemas que já foram resolvidos e outros que ainda estão sob monitoramento”, informam os responsáveis pela auditoria.
Ao menos 67 “filhos” de servidores recebiam pensão, mas nasceram mais de um ano após a morte do instituidor do benefício (pai ou mãe). Em mais 232 casos, os “filhos” eram mais velhos que o pai ou a mãe.
Um grupo de 19 pessoas ganhava acima do teto do funcionalismo público, hoje em R$ 33,7 mil. E mais 3.390 tiveram reajustes generosos, que alcançaram mais de 200% entre 2008 e 2011. A CGU diz que o trabalho continuará sendo feito de tempos em tempos, para cortar mais gastos.
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