Lugar de oposição é no Congresso Nacional. A conclusão número um da reunião entre os oito governadores eleitos do PSDB, realizada há duas semanas, dá sinais de que o partido está distante da "refundação" defendida pelo senador eleito por Minas Gerais Aécio Neves. Na prática, os governadores tucanos devem manter uma conduta parecida à adotada durante o governo Lula, de críticas leves e pontuais ao Executivo federal. Isso deve enfraquecer ainda mais a já tímida oposição que Dilma Rousseff terá, já que, no Congresso, os principais partidos de oposição também perderam força.
Do encontro dos tucanos saiu a Carta de Maceió, documento com seis tópicos de consenso entre os tucanos. Metade trata de questões internas e outros três da relação com a futura presidente. Entre eles, dois anunciam "cobranças" por mudanças no pacto federativo e no financiamento da segurança pública e outro defende uma "relação altiva de respeito mútuo" com o governo federal.
Ao final do evento, todos os governadores foram comedidos ao comentar o grau de atrito que pretendem ter com o Palácio do Planalto. "Não cabe ao Executivo esse papel de oposição. Ao contrário, precisamos buscar uma relação republicana, como fiz à frente da prefeitura com o governo federal", disse o governador eleito do Paraná, Beto Richa. Segundo ele, o PSDB "fará uma oposição afirmativa e construtiva".
Entre as propostas para o futuro, a legenda dará prioridade a novos modelos de programas sociais. Também houve o comprometimento de troca de experiências administrativas entre as oito gestões estaduais.
"Nada disso é muito diferente do que tradicionalmente acontece no Brasil", avalia o cientista político da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo Francisco Fonseca. Nos últimos oito anos, os principais governadores do PSDB, Aécio Neves e José Serra (SP), também mantiveram relações amistosas com Lula. "É só lembrar que o governo federal colocou dinheiro no metrô de São Paulo e o Banco do Brasil comprou a Nossa Caixa [banco do governo paulista]", cita Fonseca. A falta de oposição mais consistente em anos recentes é tida, inclusive, como um dos fatores que levaram o presidente Lula à sua atual popularidade e que facilitaram a vitória de Dilma.
Apesar de considerar correta a postura que será tomada pelos governadores tucanos, o professor de Ciência Política Antônio Octávio Cintra, que lecionou na Universidade Federal de Minas Gerais e na Universidade de Brasília, discorda da maneira como a decisão foi anunciada. "A oposição está em frangalhos, numa situação muito difícil. É claro que os governadores não podem se comportar muito diferente disso. Mas não precisavam dar uma declaração desse tipo na imprensa. Poderiam ter sido mais discretos", critica.
Oposição intransigente
Principal opositor ao governo Lula no Congresso, o senador paranaense Alvaro Dias considerou normal a deliberação dos governadores. "Quando eu governei o Paraná (1987-1991), também me esforcei para manter uma boa relação com o Planalto. É necessário ser civilizado para que o cidadão não pague a conta pelo conflito partidário", defende.
Escolhido para liderar o PSDB no Senado no primeiro ano do governo Dilma, Alvaro acredita que a legenda precisa ter uma atuação mais dura no Congresso. "Defendo uma oposição que não faça concessões", afirma. Ele explica que o partido deve apoiar o governo em temas de interesse óbvio da população, mas que não pode tolerar "desmandos" da base aliada.
Ele cita ainda que é necessário ser "intransigente", por exemplo, no voto contrário às medidas provisórias inconstitucionais. "Às vezes deixamos passar porque há quem defenda o mérito do texto. Não pode ser assim. O que é errado é errado", critica.
As declarações de Alvaro encontram coro no papel atribuído ao PSDB no Congresso pelo cientista político Ricardo Costa de Oliveira, da Universidade Federal do Paraná. "A oposição deve ter um papel de fiscalização, de coibir eventuais excessos do governo, de criticar de maneira detalhada as políticas publicas, de acompanhar de perto o orçamento", afirma. "Uma oposição de qualidade é o que o espera o eleitor que votou no PSDB. Esse papel é fundamental à democracia para corrigir os erros do governo."
Futuro tucano
Tímidos ao falar da oposição que farão, os governadores também amenizaram a proposta de refundação do PSDB, feita por Aécio logo após a derrota de Serra para Dilma na disputa pela Presidência. Para Francisco Fonseca, o termo é "pomposo demais" para o que realmente acontecerá com o partido. "É bem mais factível falar em realinhamento de forças", argumenta.
O cientista político diz que a estratégia de Aécio ao citar "refundação" é tomar as rédeas da legenda. "O que está claro é que há uma luta interna entre os tucanos, que permanece. Aécio pode ter saído fortalecido, mas Serra não está morto", projeta.
Já Cintra usa as palavras "reestudo" e "meditação" ao traçar os rumos futuros do PSDB. Na avaliação do cientista político, os tucanos precisam ser mais firmes e claros em suas posições partidárias. "O PSDB tem de se reestudar, fazer uma meditação séria sobre o seu papel, sobre o que pensa, sobre suas posições. Eles precisam ser sólidos nisso, para formar uma base de militância e entrar no debate nas redes sociais", defende. "O PSDB tem de construir essa hegemonia cultural, coisa que o PT já fez ao longo dos últimos anos."
"Pela terceira vez seguida, o eleitorado rejeitou o projeto do PSDB. Essa nova derrota eleitoral deve ser um momento de mudança, renovação, de novas lideranças. Os tucanos de São Paulo têm de ceder espaço para outros setores do partido, para outros estados", defende Ricardo Oliveira.




