Na música
A frase histórica do ex-presidente Lula inspirou uma música do grupo Paralamas do Sucesso dois anos depois. A canção "Luís Inácio (300 picaretas)" foi composta pelo líder da banda, Herbert Vianna, e também cita o escândalo dos "Anões do Orçamento" e o ex-deputado João Alves. No começo dos anos 1990, Alves era líder de um grupo de parlamentares conhecidos pela baixa estatura, acusado de cobrar propinas de prefeitos e empreiteiras para incluir obras no orçamento por meio de emendas.
Em 1993, o então ex-deputado federal Luiz Inácio Lula da Silva percorria o Norte do país na preparação para sua segunda candidatura presidencial. Perguntado sobre como via o Congresso Nacional, definiu: "há uma minoria que se preocupa e trabalha pelo país, mas há uma maioria de uns 300 picaretas que defendem apenas seus próprios interesses". Ontem, Lula foi recebido com tapete vermelho em cerimônias no Senado e na Câmara e retribuiu com discurso oposto ao de 20 anos atrás, em defesa da atividade legislativa e contrário à negação da política.
"Não tem nada mais nobre do que o exercício de um mandato parlamentar", disse, na solenidade de entrega da medalha "Suprema Distinção" na Câmara. A honraria foi concedida pelo presidente da Casa, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), que por pouco não foi candidato a vice de José Serra (PSDB) na primeira vitória presidencial de Lula, em 2002. E os responsáveis pela indicação foram os deputados Simão Sessim (RJ) e Eduardo da Fonte (PE), do Partido Progressista, descendente direto da Arena, legenda de sustentação do regime militar, que colocou Lula na cadeia em 1979.
Pouco antes, no Senado, em evento alusivo aos 25 anos da Constituição, Lula fez elogios ao senador e também ex-presidente José Sarney (PMDB-AP), de quem foi um dos mais ferrenhos opositores nos anos 1980. "Eu quero dizer claramente que o senhor [Sarney] merece a minha homenagem pelo comportamento digno como presidente da República, de permitir que nós disséssemos aqui dentro todos os desaforos que achávamos que tínhamos direito de falar contra o senhor", disse.
Durante o mandato do peemedebista, outra frase do petista entrou para a história: "Adhemar de Barros e [Paulo] Maluf [ambos ex-prefeitos de São Paulo] poderiam ser ladrões, mas eles são trombadinhas perto do grande ladrão que é o governante da Nova República".
Hoje deputado federal, Maluf foi um dos que lotaram o plenário da Câmara para ver Lula falar. Dentre outras "celebridades", marcou presença o ex-jogador Romário (PSB-RJ), que posou para fotos ao lado do ex-presidente. Cotado para disputar o governo do Rio de Janeiro em 2014, Romário tem se notabilizado pelas críticas à organização da Copa do Mundo de 2014, que será realizada no Brasil graças ao esforço da gestão Lula.
Com a presidente Dilma Rousseff em Curitiba para o anúncio de recursos para o metrô, acompanhar o petista no Congresso foi a principal agenda de ontem em Brasília. Nas cerca de quatro horas que ficou no Legislativo, levou até dez minutos para fazer deslocamentos de menos de 50 metros a pé. A toda hora, era cercado por um imenso cordão de políticos e jornalistas.
Lula também reiterou as críticas à imprensa, dizendo que ela "avacalha" a política. Em tom de pedido, defendeu a realização de uma reforma política baseada em três pontos: requalificação dos partidos, redução da força do poder econômico das eleições (com a adoção do financiamento público de campanhas) e a ampliação das formas de participação da sociedade no processo legislativo. Propostas sobre essas questões estão em tramitação no Congresso desde a década passada, quando Lula era presidente, mas não avançaram nem com os protestos deste ano.
Ao final das palavras, Henrique Eduardo Alves, deputado desde 1971, fez questão de agradecer. "Muito obrigado, presidente, por esta aula de democracia."