Meio ambiente
Marina pede adiamento da discussão
Folhapress
A ex-ministra do Meio Ambiente do governo Lula, Marina Silva, que concorreu à Presidência da República na última eleição pelo PV, também defendeu ontem, no Rio de Janeiro, o adiamento da votação do novo Código Florestal.
"A presidenta Dilma se comprometeu no segundo turno das eleições que, se não houvesse uma proposta razoável, ela vetaria", afirmou. "O melhor é adiar a votação para que se tenha um tempo e, de forma transparente, discutir com a sociedade."
Também ontem, o líder do governo na Câmara dos Deputados, Cândido Vaccarezza (PT-SP), afirmou que a votação do Código Florestal na Casa deve ser adiada para a próxima quarta-feira em sessão extraordinária. Vaccarezza disse que o relatório, do jeito que está, pode ser votado por meio de acordo.
"O relatório de Aldo Rebelo [PC do B-SP] é muito equilibrado e o discurso está completamente afinado no governo", afirmou. Apesar do discurso, o Palácio do Planalto ainda pretende fazer mudanças na proposta antes da votação. O governo vem, nos últimos dias, tentando resolver divergências entre a proposta que defende a o relatório de Aldo Rebelo. A nova versão apresentado pelo deputado na semana passada, que deveria ser de consenso, ainda traz pontos que o governo considera inaceitáveis.
Antes da votação do código é preciso analisar outras medidas provisórias consideradas prioritárias pelo governo.
Em meio ao antagonismo entre ruralistas e ambientalistas, há um grupo que representa 4,3 milhões de famílias que pouco tem conseguido ser ouvido nas discussões sobre o novo Código Florestal. Os agricultores familiares, responsáveis por cerca de 40% do Produto Interno Bruto (PIB) agropecuário do país, estão descontentes com as negociações e vão lutar para atrasar a votação da proposta no plenário da Câmara dos Deputados, prevista para amanhã.
"Eu tenho dito o seguinte: votar já o código cheira a golpe. Parece que há setores que não querem discutir com a sociedade temas espinhosos", afirma o coordenador da Frente Parlamentar da Agricultura Familiar, Assis do Couto (PT).
O deputado federal paranaense fez várias críticas ao relatório do colega Aldo Rebelo (PCdoB-SP) e ao comportamento de ruralistas e ambientalistas. "O agricultor familiar é um guardião da natureza por necessidade", diz.
Há a impressão de que a agricultura familiar ficou espremida na discussão do Código Florestal, entre ruralistas e ambientalistas. É isso mesmo?
É um erro que acontece desde outros debates. Sempre se colocou uma radicalização entre ambientalistas e ruralistas. Só que muita gente esquece que no meio dessa discussão há 4,3 milhões de famílias, que são os agricultores familiares. Não são nem ruralistas, nem ambientalistas "clássicos". São pessoas que vivem da natureza, vivem com a natureza. Precisam da terra fértil e da água pura para produzir alimentos. Só que essas famílias nunca foram valorizadas nessa discussão.
É um problema de falta de representação?
Nós procuramos mudar isso, com a pressão de movimentos sociais como a Contag [Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura] e a criação da Frente Parlamentar da Agricultura Familiar. Até recuperamos um pouco o prejuízo, mas ainda não o suficiente para que a sociedade perceba esse erro no debate do código. Acho que ainda não houve a devida percepção de que há um enorme setor que não está sendo valorizado. Eu chamaria de um setor realmente produtivo, porque produz em torno de 40% do Produto Interno Bruto (PIB) agropecuário, representa 84% das propriedades e que ocupa apenas 23,4% das terras agricultáveis do Brasil. Além disso, o agricultor familiar é um guardião da natureza por necessidade.
Qual é a principal demanda do setor?
O atual código, nas questões das áreas de preservação permanente (APPs) e reservas legais, inviabiliza muitas propriedades pequenas. Aquela metragem estática de 30 metros, 50, 100 metros de APPs em beira de rios é muito prejudicial. Somado a isso, há os 20% da propriedade que precisam ser mantidos como reserva legal no Sul, 35% no Cerrado, 50% e 80% em diferentes partes da Amazônia. Isso, do ponto de vista da produção, pode inviabilizar em torno de 1 milhão de pequenas propriedades, que teria sua área de APP e reserva legal beirando entre 50% a 60% de sua metragem total. Portanto, nesse sentido, a gente precisa discutir bem melhor essas medições, a partir de estudos técnicos, de um princípio de interesse social. O ideal mesmo é introduzir o pagamento de serviço ambiental pelo governo para que essas famílias continuem no campo. Lamentavelmente, nem o relatório do Aldo Rebelo nem as propostas do governo contemplam isso.
Como funcionaria o pagamento do serviço ambiental? Quem pagaria a conta?
Muitos agricultores familiares têm dito: se eu tenho de dispensar uma área em que eu planto milho ou uso como pastagem para produzir leite, o melhor é fazer um cálculo de quanto isso me dá de renda por ano. Então eu cerco essa área, deixo como patrimônio da sociedade, mas quero receber algum benefício. É um pagamento pela "perda de produção". Nós temos o pré-sal, que tem o fundo social com recursos para isso. O governo também está fazendo grandes investimentos, como no projeto do trem-bala, que poderiam ser redirecionados em parte. Acredito que a sociedade estaria de acordo porque isso evitaria que essas pessoas saíssem do interior para inchar ainda mais as grandes cidades.
Quanto isso custaria?
Não tenho uma previsão. Isso seria implementado em outra etapa. Mas posso afirmar que não seria nada desastroso. Para melhorar a renda de uma família do campo, o custo é bem menor do que quando ela já está na cidade. É justo pela preservação de um bem que é comum.
O texto do relatório não usa o conceito legal de agricultura familiar, apenas distingue as pequenas propriedades pelo seu tamanho (até quatro módulos rurais, o que equivale, em média, a 72 hectares no Paraná). Há chance de isso ser incorporado pelo relator do projeto?
Não. O relator deu uma definição pelo tamanho da propriedade e não pela maneira como ela é usada. Ou seja, dizer que todas as propriedades que têm menos de quatro módulos são familiares é errado. O que define o agricultor familiar? É o tamanho da propriedade? Sim. Mas são quatro módulos na soma dos seus imóveis. Há também a renda, a gestão, que precisa ser feita pela própria família. Ele também precisa morar no imóvel ou em um lugar próximo. Nós temos de definir um tratamento diferenciado pelo perfil do proprietário, pela forma como ele usa a terra, pela filosofia de trabalho e pelo interesse social que isso tem. Agricultor familiar tira a maior parte da sua renda da propriedade.
Há ambientalistas que dizem que essa questão "métrica" do relatório pode abrir uma brecha para que grandes propriedades sejam desmembradas para se transformar em pequenas. O senhor concorda?
Se o Aldo Rebelo mantiver o texto dele do jeito que está, sim. Já têm casos acontecendo em várias regiões do país em que os cartórios estão cheios de pedidos de desmembramento para que os imóveis sejam divididos. E podem ser vários imóveis de um mesmo proprietário, porque o relatório não impõe limites, só fala na dimensão de quatro módulos. É algo colocado com essa finalidade. A situação é grave. Outro ponto terrível é a possibilidade de compensação da reserva legal dentro de um bioma em qualquer parte do país. O que é um bioma? A Mata Atlântica, que pega o Paraná, vai até o Nordeste. O produtor rural poderá comprar terras baratas no Nordeste para compensar como reserva legal. Mas isso gera distorções.
Há um acordo para votar o código nesta semana? O senhor é a favor ou a discussão está atropelada?
Olha, não é 100% seguro. Eu tenho dito o seguinte: votar já o código cheira a golpe. Parece que há setores que não querem discutir com a sociedade temas espinhosos. Da mesma forma, quem quer jogar o projeto para as calendas, para um futuro distante, também está tentando um golpe. Cada dia que nós ganharmos é uma conquista a mais não só para a agricultura familiar, mas para toda sociedade. Mais umas duas semanas de discussão não fariam mal a ninguém.
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