Eleições presidenciais do Chile, 2013. Pela primeira vez desde 1925, os eleitores do país iriam às urnas não por obrigação, mas por vontade própria. O voto compulsório foi abolido no país em 2009, mas só passou a valer naquele ano. O resultado foi preocupante: no segundo turno, apenas 42% dos eleitores compareceram, contra 68% das eleições anteriores. É uma taxa muito inferior à média mundial. Michelle Bachelet, ainda que tenha feito 62% dos votos válidos, foi eleita com o voto de menos de um quinto da população do país.
Sem povo e com pressa, reforma política pode virar um tiro no pé
Leia a matéria completaÉ possível fazer duas leituras exatamente opostas desse fato. A primeira é que o voto facultativo afasta o eleitor da urna. Ao estabelecer o voto como obrigação, uma democracia garante que seus eleitores participem do processo e conferem legitimidade para os governos eleitos. A segunda é que o voto obrigatório despolitizou os chilenos. Até 2009, eles iam às urnas apenas porque era uma obrigação legal. A partir do momento que deixou de ser uma necessidade, preferiram ficar em casa e deixar que seus vizinhos escolhessem por eles.
Índice de participação vem caindo em países com voto facultativo
É verdade que, no mundo, o voto facultativo é predominante. Segundo o Instituto pela Democracia e Assistência Eleitoral (no inglês, IDEA), o voto obrigatório está em vigor em apenas 29 países. Porém, em muitos onde o voto é facultativo, há quem defenda a adoção do voto obrigatório.
Os índices de participação estão caindo em muitas democracias do mundo. O Reino Unido é um exemplo: até os anos 80, a taxa de comparecimento variava de 70% a 80%. Em 2002, atingiu 59% – houve leve recuperação nas últimas eleições. Não é um fenômeno exclusivo dos britânicos: segundo o IDEA, entre 1980 e 2010, a média de comparecimento caiu de cerca de 75% para pouco mais de 65% nos países de voto facultativo. Nos meios acadêmicos desses países, há quem defenda a adoção do voto obrigatório.
Ainda assim, colocar a culpa da queda no voto facultativo pode ser enganoso. É preciso considerar que houve, no mesmo período, um crescimento no descrédito da política formal no mundo desenvolvido. A falta de algo que mobilize os eleitores pode ser o fator preponderante.
Um exemplo vem do próprio Reino Unido. No ano passado, a Escócia fez um referendo para decidir se declararia sua independência. O assunto mobilizou a população do país, e a taxa de comparecimento foi de 85% – maior, inclusive, que a última eleição presidencial do Brasil, de 79% no segundo turno.
Uma solução que poderia agradar gregos e troianos é a extinção das penas para quem descumpre a lei. Parece uma noção absurda, mas, em alguns países, dá resultado. Na Áustria, o voto é obrigatório em apenas duas regiões. Entretanto, não há nenhuma previsão de punição para quem descumprir a lei. Mesmo assim, essas regiões tem uma média de comparecimento mais alta que o resto do país, onde o voto é facultativo.
Há também, entre quem defende o voto facultativo, o argumento de que as nações desenvolvidas não obrigam seus cidadãos a votar. É uma meia-verdade. Na lista de 29 países, há algumas democracias consolidadas, como a Bélgica e a Austrália – e também nações pobres e nada democráticas, como o Congo. O único padrão é que, na América do Sul, o voto obrigatório tende a ser regra – talvez por influência do Brasil. (AG e CM)
Voto: é direito ou é dever?
Pesquisas mostram que o brasileiro quer o voto facultativo. Uma coisa é certa: se isso for aprovado, a taxa de abstenção vai subir. Saiba quais as vantagens e desvantagens disso.
+ VÍDEOSQualquer que seja a leitura, é praticamente certo que o comparecimento dos eleitores no Brasil irá cair com uma eventual adoção do voto facultativo. Hoje, o país, assim como outras nações que adotam o voto obrigatório, costuma ter uma taxa de comparecimento na casa dos 80%. Nas principais democracias que adotam o facultativo, a média é de 65%.
O deputado federal Sandro Alex (PPS-PR), autor da proposta do voto facultativo na última comissão da reforma política, defende que isso não é um fator impeditivo. “O que faz o eleitor votar deve ser uma ideia, uma bandeira, um partido. Não a força da lei”, afirma. No seu entendimento, uma fatia considerável do eleitorado vota por obrigação, e acaba votando em qualquer candidato.
Apesar disso, há também que se considerar que a abstenção não acontece de forma uniforme na sociedade. Uma pesquisa do cientista político Shane Singh, da Universidade da Georgia, nos EUA, mostra que a abstenção de pessoas pobres, jovens e menos educadas tende a ser mais acentuada em países com voto facultativo – o que pode distorcer sua representação. Mesmo assim, Singh pontua que há também o efeito negativo de incluir eleitores que votam de forma aleatória ou em candidatos de protesto, o que também gera distorção.
Câmara dividida
Na última comissão da reforma política, a proposta do voto facultativo foi aprovada por apenas um voto de diferença. Segundo Alex, há entre muitos deputados o temor de que “o Brasil não está preparado” para isso. “É o mesmo argumento que, no passado, usavam contra o voto feminino. Diziam que era legítimo, mas que as mulheres ‘não estavam preparadas’”, afirma.
A decisão na comissão pode ser um indicativo da votação em plenário – e isso não é uma boa notícia para quem defende o fim da obrigatoriedade. Por ser matéria constitucional, é necessário que pelo menos dois terços dos deputados votem a favor da proposta.
faz diferença?
Veja como o voto obrigatório ou
não pode afetar uma sociedade:
CACARECO, TIÃO E TIRIRICA
Antigamente, o voto de protesto em candidatos fictícios era uma tradição nacional. Em 1959, o rinoceronte Cacareco foi o vereador mais votado de São Paulo. Em 1988, o macaco Tião recebeu 400 mil votos para governador do Rio. Com a urna eletrônica, esse tipo de voto se tornou impossível. Mesmo assim, mais de um milhão de eleitores paulistas votaram, como protesto, no humorista Tiririca.
ESQUERDA VOTA DIREITA
Na França, onde o voto é facultativo, ocorreu uma situação curiosa. Em 2002, o candidato socialista Lionel Jospin estava em descrédito com os eleitores do partido, e uma quantidade significativa deles decidiu se abster. Isso acabou beneficiando a ida para o segundo turno de Jean Marie Le Pen, nacionalista radical, conhecido por suas posições xenófobas. Assustada, a esquerda foi para as ruas fazer campanha para o conservador Jacques Chirac – que foi eleito com mais de 80% dos votos.
ELES NÃO LIGAM PRA GENTE
Em 1991, as taxas de abstenção entre jovens dos EUA eram altíssimas. Em muitos estados, registrar-se para votar incluía um processo burocrático complicado. A banda R.E.M. colocou em seu disco Out Of Time uma carta que pedia aos senadores a aprovação de uma lei que facilitava o registro. O disco foi um sucesso, e a campanha também: a proposta foi aprovada dois anos depois, e facilita até hoje a inclusão política de milhares de jovens.
Médicos afirmam que Lula não terá sequelas após mais uma emergência de saúde em seu 3º mandato
Mudanças feitas no Senado elevam “maior imposto do mundo” para 28,1%
Projeto que eleva conta de luz em 7,5% avança no Senado e vai para o plenário
Congresso dobra aposta contra o STF e reserva R$ 60 bi para emendas em 2025
Deixe sua opinião