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Não, não pretendo explorar a dor das centenas de famílias dilaceradas pela tragédia do último sábado em Santa Maria. Nem alimentar a hipocrisia ou aderir à caça às bruxas, acusando os integrantes da banda, os seguranças ou os proprietários da casa – por mais que eles possam ter suas parcelas de responsabilidade.

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Enquanto músico, frequentador de bares e casas noturnas e jornalista da área, considero mais construtivo refletirmos sobre o que podemos aprender com este triste episódio, para minimizar os riscos de que novas tragédias ocorram.

E começo fazendo um mea-culpa: até este fim de semana, eu era um entusiasta dos efeitos pirotécnicos em shows musicais – tanto que eu mesmo já usei este artifício (em 2011, no Yankee, no show de cinco anos da minha banda, a DeLorean). Depois do episódio de Santa Maria, porém, ninguém mais vai achar graça em fogos de artifício no palco – ainda que seja permitido (parece que não é) e se observem as normas de segurança, e a despeito de os dispositivos “indoor” serem comercializados livremente.

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Além disso, tanto o poder público quanto os empresários do setor precisam parar de confundir procedimentos básicos de segurança com burocracia. Ao governo (seja o estado ou a prefeitura), cabe fixar regras claras e fiscalizar sua aplicação com rigor, agilidade, honestidade e inteligência – sem o estardalhaço e a truculência das antigas Ações Integradas de Fiscalização Urbana (Aifus). Estabelecimentos que não se encaixem nas normas de segurança não podem ter licença para funcionar – simples assim.

Os donos de casas noturnas, por sua vez, também devem parar de assumir o risco de manter espaços inadequados. Saídas de emergência amplas, bem sinalizadas e desobstruídas (conforme o fluxo de pessoas), rotas de fuga, utilização de materiais não inflamáveis, extintores em dia, obediência à capacidade máxima do local, brigadas de incêndio, treinamento dos profissionais para situações de risco, tudo isso deveria ser prioridade para os próprios empresários. Demanda tempo, espaço e dinheiro, é verdade, mas arcar com as consequências de um episódio como o de Santa Maria seria bem pior.

Cada um de nós, frequentadores da noite, também pode diminuir os riscos com atitudes simples. Por exemplo: verificando as saídas e possíveis rotas de fuga com a mesma preocupação com que procuramos saber onde fica o bar, os banheiros ou o fumódromo. Numa eventualidade, no mínimo saberíamos que direção tomar. Também nos cabe alertar gerentes ou proprietários sobre saídas obstruídas e/ou trancadas, e, se nenhuma providência for tomada, denunciar ao Corpo de Bombeiros pelo telefone 193.

Outra lição que precisamos aprender após a tragédia na boate Kiss – principalmente os colegas da imprensa e os usuários das redes sociais – é a compaixão e o respeito pela dor alheia. Salvo poucas exceções (incluindo esta Gazeta), a cobertura jornalística do episódio foi vergonhosa. Matérias sensacionalistas, abordagens melodramáticas, gafes, falta de sensibilidade, analogias infelizes e a busca desenfreada por audiência transformaram o esforço legítimo de reportagem num circo.

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Na Record, Gugu Liberato teve a capacidade de insinuar que o lugar deveria ter uma fiscalização mais rigorosa porque era “bem frequentado”. Na Band, José Luiz Datena abusou do sensacionalismo ao comparar o incêndio de Santa Maria com os mortos nas câmaras de gás dos campos de concentração. Mesmo a Rede Globo forçou a barra ao enviar âncoras de todos os telejornais para a cidade gaúcha – atraindo mais atenção para a presença de “celebridades” como William Bonner ou Sandra Annenberg do que para a tragédia em si.

As redes sociais também foram bombardeadas por piadas de mau gosto, declarações preconceituosas e patrulha moral ou ideológica. Não dá para brincar com situações como esta, nem criticar o gosto musical das vítimas ou as lágrimas da presidente, ou insinuar que os jovens estariam salvos “se estivessem na igreja” e não na balada. Como se casas de outros estilos ou templos religiosos estivessem livres de ocorrências trágicas.

Por fim, diante de um desastre dessas proporções, resta a esperança de que aqueles 231 jovens não tenham morrido em vão, e desencadeiem iniciativas sérias e consistentes para que a diversão noturna seja mais segura no país inteiro – o que aparentemente já começa a ocorrer.