Ilustres notívagos, agora que a vida vai retornando aos poucos à noite de Curitiba, permitam-me dar a mão à palmatória: de nada adiantaram os mais de 20 anos dedicados ao rock’n’roll. Curitiba não é capital do rock coisa nenhuma. Nem da música eletrônica, apesar da força da cena por aqui. Curitibano – e o paranaense em geral – gosta mesmo é de sertanejo. Aliás, a preferência musical é um dos poucos pontos de afinidade entre os habitantes da capital e do interior do estado, segundo a reportagem de capa da Gazeta do último domingo, assinada por Pollianna Milan e pelo correspondente em Cascavel, Luiz Carlos da Cruz.
Segundo o levantamento, feito pelo instituto Paraná Pesquisas com 1.830 pessoas maiores de 16 anos em 65 municípios paranaenses, a música sertaneja é o estilo preferido para 37% dos curitibanos e 51% de quem vive no interior. O rock aparece em quarto lugar em ambos os casos, com 7% e 4% da preferência, respectivamente – atrás do evangélico/gospel e do samba/pagode.
Os números comprovaram o que todos já sabíamos. As casas dedicadas ao country/sertanejo no estado vão de vento em popa, multiplicam-se e estendem seus tentáculos até o litoral (!?), ambiente que, teoricamente, nada teria a ver com o estilo. Em Curitiba, diversos bares vinculados ao pop-rock ou à eletrônica se renderam à massa chapeluda e reservaram uma ou mais noites da semana ao sertanejo.
Outro sintoma da hegemonia do country/sertanejo por aqui é a programação de verão no litoral: se no passado recente os grandes shows da temporada eram de axé (como Ivete Sangalo, carro-chefe do verão de 2006) ou de pop-rock (O Rappa em 2005 e 2007, Charlie Brown Jr. em 2005), dessa vez praticamente TODOS os grandes shows que estão rolando nas nossas praias são de duplas sertanejas, como Fernando & Sorocaba, que se apresentam na próxima sexta na Prime Arena do Café Curaçao Guaratuba.
Mas por que tanta gente “paga pau” para essas duplas de cantores limpinhos, perfumados e com cara de bom moço? Qual é o segredo do absurdo poder de sedução dos sertanejos? Eu tenho algumas teorias. Primeira: a música sertaneja é cantada em português, com letras simples, refrões pegajosos e é feita para dançar a dois – o que atinge em cheio o coração das mulheres, que normalmente adoram dançar e cantar junto. A temática das letras também costuma hipnotizar as garotas: declarações de amor, desilusões amorosas, o jogo da sedução, enfim, o bom e velho romantismo. Arrebatadas as mulheres, elas se encarregam de fisgar os marmanjos – afinal, para eles, festa boa é festa com muita mulher. E está feito o “estrago”.
Outro detalhe a ser levado em consideração é o grande número de jovens do interior que vêm estudar na capital – talvez mais da metade da população jovem que viva hoje em Curitiba seja de fora da cidade, principalmente do interior do Paraná. Essa fatia da população em tese estaria mais familiarizada com o universo sertanejo, o que explicaria em parte o sucesso dos empreendimentos do gênero.
Um terceiro aspecto é o verniz de sofisticação que o sertanejo adquiriu nos últimos anos. Conheço gente (ex-roqueiros, clubbers e afins) que achava a música “country” o suprassumo do brega, mas que agora não vê problema nenhum em saracotear na Wood’s e acompanhar as duplas a plenos pulmões. O que mudou em relação à onda sertaneja do fim dos anos 90, início dos 2000, quando a cidade era dominada pelos “grupos country” (Os Galo Véio, Os Coyote, Os Bartira, As Countrycinhas, lembram?)?
Acredito que foi a apropriação do gênero pela elite. Ao invés das baladas toscas e dos clubes de cowboys e cowgirls que se vestiam e dançavam igualzinho (ou seja, um gueto), as casas sertanejas de hoje são mais requintadas e praticamente ninguém mais usa bota, espora e chapéu – a não ser que seja uma tendência consagrada nas passarelas internacionais, como as botas cowboy e de montaria que fizeram sucesso no inverno passado.
Com isso, hoje as baladas com a maior concentração de mulheres bonitas – e bem produzidas – por metro quadrado são as sertanejas. E, ao contrário da época do “movimento country” de Curitiba, ninguém mais tem vergonha de ser associado ao estilo. Menos eu, um dinossauro fiel a uma manifestação cultural arcaica chamada rock’n’roll. E vocês, como explicam o sucesso do novo sertanejo? Será que ele veio para ficar, ou será nuvem passageira?
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