O sonho de Juliane dos Santos Duarte era ser Policial Militar. De família humilde, negra, lésbica, vestia-se com roupas masculinas e, apesar da timidez relatada por alguns praças que serviam com ela, tinha o apelido de “sorriso” em alguns círculos. Estava tão feliz por ter conseguido entrar para a corporação em 2016 que, para ela, não tinha tempo ruim.
Era soldado da 2ª Companhia do 3º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano, onde seu trabalho é digno de elogios até pelas costas, coisa dificílima de se ver. Juliane pagou com a vida por ter levado a sério a vocação de servir o povo no país do banditismo, em que não se pode ter orgulho de ser policial.
A Polícia Militar do Estado de São Paulo pode ter inúmeros problemas, mas tem um juramento simples que, levado a sério, evitaria a maioria deles:
Incorporando-me à Polícia Militar do Estado de São Paulo, prometo cumprir rigorosamente as ordens das autoridades a que estiver subordinado, respeitar os superiores hierárquicos, e tratar com atenção os irmãos de armas, e com bondade os subordinados; dedicar-me integralmente ao serviço da pátria, cuja honra, integridade, e instituições, defenderei, com o sacrifício da própria vida.
Ao presenciar qualquer tipo de injustiça ou quebra da ordem um civil pode agir ou não, tem essa faculdade. Um Policial Militar vocacionado, que leve a sério esse juramento, jamais. Tem o DEVER de agir. Juliane dos Santos Duarte agiu exatamente como deveria quando um celular foi furtado no local onde ela, Policial Militar, braço armado do Estado, estava presente. Foi baleada, sequestrada e apareceu dias depois morta no porta-malas de um carro.
Juliane pagou com a vida a integridade e a honra. É uma tragédia para nós que o Estado seja derrotado nesse tipo de situação porque o Estado somos nós, o povo que o financia. Há comentários, misturando pitadas de maldade e covardia, analisando a conduta da soldado. Será que ela deveria ter se identificado como policial na comunidade de Paraisópolis. É por isso que pedi uma entrevista ao Comandante-Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, Coronel Marcelo Vieira Salles.
A PROTAGONISTA – A gente ouviu dos superiores da soldado Juliane que ela era uma moça que cumpria o dever dela com excelência. E eu ouvi de algumas pessoas que ela era uma pessoa muito ingênua de, ali em Paraisópolis, dizer que era policial. Qual é a sua opinião de Comandante da Polícia Militar do Estado de São Paulo sobre esse tipo de afirmação?
CORONEL SALLES – A soldado Juliane é uma soldado que honrou o seu juramento, uma moça dedicada, de vida modesta, de família simples, que estava de férias, tinha ido fazer uma visita a um casal de amigos que tinha tido um bebê há pouco e ela foi lá cumprimentá-los. Depois, saiu com mais duas amigas em um dos comércios da região ali da comunidade de Paraisópolis e, ali, numa determinada situação, após o furto de um celular, ela se identificou como policial para reverter aquela quebra da ordem, momento em que, alguns minutos depois, foi arrebatada por esses infratores da lei que ceifaram sua vida.
Uma ação covarde, uma ação que vai contra não só o Estado de São Paulo, por ela ser uma policial, uma representação física do Estado, mas uma violência contra uma mulher trabalhadora, que estava ali no seu momento de folga. Ela não foi ingênua, ela honrou o seu juramento de defender a sociedade com o sacrifício da própria vida, ela deixa um legado de dedicação e de respeito às pessoas.
A PROTAGONISTA – Várias entidades de Direitos Humanos disseram que o assassinato de uma policial que se identifica como policial é uma agressão ao princípio mais básico do Estado, é uma agressão ao Estado, é uma agressão a todos nós ainda que este policial esteja de folga. As mais diversas, as internacionais que têm representação no Brasil assim se posicionam. O assassinato de policiais, por outro lado, é visto como uma coisa meio que normal por alguns segmentos da sociedade. Falam: “ah, mas ela não tinha que se identificar como policial ali”. O senhor é de uma família de policiais, o senhor nasceu no hospital da polícia, de que forma o senhor vê essa questão da proibição do orgulho de usar a farda?
CORONEL SALLES – Não há a menor hipótese. A profissão Policial Militar, antes de ser uma profissão, é um sacerdócio, é uma vocação. Poderíamos estar na iniciativa privada, poderíamos estar advogando, poderíamos estar lecionando e escolhemos esta profissão por vocação.
A Juliane, ela era uma policial… O testemunho que tivemos, não só do comandante, não só do sargento, mas daquelas pessoas que serviam ao lado dela debaixo de chuva, no sereno, no sol, de noite, de dia, são as melhores informações. Os apontamentos individuais dela são os melhores. Então, não conseguimos dissociar a nossa figura de cidadão, de pai, da figura do policial. Porque, como eu disse, é um sacerdócio. É uma profissão em que juramos defender com o sacrifício da própria vida. Não existe a hipótese de dissociar.
Eu, de folga, ao ver uma quebra da ordem, ao ver ocorrer um crime, eu tenho que atuar. O que, para o civil, para o cidadão comum, é uma faculdade, para nós é uma obrigação.
A PROTAGONISTA – Eu estou fazendo a análise dos números do Rio de Janeiro que mostram que houve aumento do assassinato de policiais sobretudo em serviço, mas houve uma queda do assassinato de policiais em horário de folga. Não há uma análise dos motivos nesse estudo, é uma análise numérica. Eu queria saber do senhor: aqui no Estado de São Paulo a quantas anda esse fenômeno que preocupa o cidadão? Porque assassinar um policial é ter uma arma voltada para a cabeça da gente, né?
CORONEL SALLES – Bom, a realidade do Rio de Janeiro eu desconheço. Seria uma leviandade eu fazer qualquer tipo de análise sobre o Estado do Rio ou sobre aquela Polícia Militar, uma instituição de muito valor, de homens e mulheres dedicados e que sofrem com a ousadia dos infratores da lei.
Aqui em São Paulo, a vitimologia policial militar caiu bastante, de maneira sensível, com instrução, com orientação, com prevenção primária, com algumas medidas e, principalmente, com treinamento. A atenção fundamental no deslocamento à paisana, nos ambientes que frequenta e de serviço. De serviço, nós tivemos há 12 dias atrás o falecimento de um policial militar, o Daniel, que faleceu no cumprimento de um dever, num grave acidente de motocicleta, é o segundo policial militar que morre de serviço este ano de janeiro até julho de serviço no Estado de São Paulo. Porém, temos ocorrência de outros 24 policiais militares, onde incluímos os inativos – porque o inativo também ele está na reserva, ele está aposentado, mas ele não perdeu esse elã e, por vezes, quando se depara com o crime, ele atua em razão da função – então é um número a se lamentar, é um número que buscamos diminuir a todo custo com treinamento, com orientação, principalmente com muita atenção nos deslocamentos, seja na hora de folga ou no atendimento das ocorrências também.
Dois suspeitos do assassinato da soldado Juliane já foram presos. Em uma cerimônia no 8º Batalhão da Polícia Militar do Estado de São Paulo, o Coronel Salles agradeceu os esforços da Polícia Civil para elucidar o crime.
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