Faz um tempo que está na moda o revisionismo histórico, apesar de termos sido abençoados com a internet, que nos dá acesso instantâneo aos documentos e falas originais dos fatos mais importantes da última década. Hoje, 13 de dezembro de 2018, o Ato Institucional nº 5, o mais radical dos 17 promulgados durante a Ditadura Militar, completa 50 anos. O tempo foi suficiente para que o pesar dos militares ao aprová-lo fosse substituído por fantasias e mistificações.
Hoje há uma verdadeira batalha semântica sobre chamar os governos militares de Ditadura ou não. Surgiram até os que, a despeito dos fatos, creditam à esquerda (!!!) a denominação. Por isso é tão importante relembrar esse momento histórico: foram os próprios militares, integrantes do governo de Costa e Silva, que vocalizaram a palavra Ditadura. Para boa parte dos ministros, inclusive os que apoiaram a medida, era exatamente isso o que eles estavam instituindo no país.
Em 12 páginas, o documento sepultava a Constituição Federal para dar ao presidente da República, general Costa e Silva, poderes para dissolver todos os parlamentos do país, atuar como legislador no lugar deles, intervir em Estados e Municípios, afastar juízes, cassar mandatos, destituir funcionários públicos, impedir exercício de direitos políticos, impedir manifestações públicas de opinião política, instituir censura prévia em todos os órgãos de comunicação e manifestações artísticas. Entre os deputados cassados não estavam só os esquerdistas ou comunista. A Arena teve 3o parlamentares destituídos.
O Supremo Tribunal Federal teve ministros destituídos. Depois, aumentou-se o tamanho da corte de 11 para 16 componentes, preenchendo as vagas com quem estivesse alinhado com a ideia de submeter o Poder Judiciário ao Executivo. Era, aliás, algo inédito: um tribunal sempre tem número ímpar para não haver o risco de empate nas votações. Um novo Ato Institucional, 11 anos depois, cortaria novamente as vagas para o original de 11.
A primeira destituição de mandato foi, aliás, curiosíssima. Teve origem em um discurso na tribuna meses antes, do deputado Marcio Moreira Alves. Ele defendeu que as moças se revoltassem contra os militares e não dançassem com o cadetes no baile de 7 de setembro. Na época, isso realmente ganhou importância e é emblemático da mentalidade da política brasileira.
Delfim Netto é a única pessoa viva entre os que assinaram o AI-5. Diz até hoje não se arrepender. Era, efetivamente, o único animado na reunião que sacramentou o Ato Institucional. “Eu estou plenamente de acordo com a proposição que está sendo analisada no Conselho. E, se Vossa Excelência me permitisse, direi mesmo que creio que ela não é suficiente” – declarou o então ministro há 50 anos.
A frase que marcou a reunião que aprovou o AI-5 foi de Jarbas Passarinho, ministro do Trabalho, alterada na transcrição mas imortalizada em áudio: “Às favas, senhor Presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência”.
O voto do ministro seguia outros, a maioria aprovando a medida, mas deixando claro que estava se instituindo um regime ditatorial no Brasil. Muitos dos reunidos naquela sala haviam sido contrários à ditadura anterior, de Getúlio Vargas. O próprio presidente da República fez questão de deixar para a História o discurso em que se mostra contrariado.
O único voto contrário foi do vice-presidente Pedro Aleixo, que havia sido líder, em Minas Gerais, do movimento pela derrubada da Ditadura Vargas e também artífice do golpe militar de 1964. “Pelo Ato Institucional, o que me parece, adotado este caminho, o que nós estamos é, com a aparente ressalva da existência dos vestígios dos Poderes Constitucionais existentes em virtude da Constituição de 24 de janeiro de 1967, é instituindo um processo equivalente a uma própria ditadura”.
O chanceler brasileiro, Magalhães Pinto, foi até mais longe na avaliação. “Eu também confesso, como o vice-presidente da República, que realmente, com este ato, nós estamos instituindo uma ditadura. E acho que, se ela é necessária, devemos tomar a responsabilidade de fazê-la”.
E foi então que surgiu o pronunciamento histórico de Jarbas Passarinho: “Sei que a Vossa Excelência repugna, como a mim e a todos os membros deste Conselho enveredar pelo caminho da ditadura pura e simples. A mim parece que é essa que está diante de nós. Eu seria menos cauteloso do que o próprio ministro das Relações Exteriores quando disse que não sabe se o que restou caracterizaria nossa ordem jurídica como não sendo ditatorial: eu admitiria que ela é ditatorial. Mas, às favas, senhor presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência”.
O presidente Costa e Silva, ao final da reunião, fez o seguinte pronunciamento ao declarar a aprovação do AI-5: “Eu confesso que é com verdadeira violência aos meus princípios e ideias que adoto uma medida como essa. Mas adoto porque estou convencido que é do interesse do país, é do interesse nacional que ponhamos um basta à contrarrevolução”.
O objetivo não foi atingido. A primeira ideia dos militares, em 1964 era fazer eleições em 1966 e devolver o país à normalidade. Em 13 de dezembro de 1968 imaginava-se que, frente o descontrole com as manifestações populares, o AI-5 teria o condão de acalmar os ânimos e retomar os planos de volta à democracia. Não deu certo. A medida mergulhou o país num caminho de mais de 20 anos de ditadura militar até que fosse possível realizar a primeira eleição direta para presidente da República.
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