Se a comunicação do governo de Jair Bolsonaro bebeu das mesmas fontes da comunicação de Donald Trump, nada mais natural que uma hora chegue aos mesmos dilemas. A questão é: será que as instituições brasileiras resolverão essas questões com a mesma serenidade das norte-americanas?
Há um caso curioso em torno das contas de Twitter, Instagram e Facebook do presidente Jair Bolsonaro, que é o princípio de um enredo já vivido por Trump. Todas as contas foram criadas antes que os dois chegassem à presidência, portanto abertas como pessoais. Quando eles chegam à presidência, elas passam a ser oficiais?
É um questionamento novo na política devido à importância cada vez maior das redes sociais nas disputas. Quem as controla, ou seja, quem domina a técnica de oferecer soluções simplificadas para problemas complexos, de preferência com frases de impacto, ganha o jogo. E isso se repete mundo afora, pelos 5 continentes.
Aqui no Brasil, por uma ação típica de oposição, está posta a questão das regras sobre as redes do presidente da República. Donald Trump tem total legitimidade para dizer que eram contas pessoais, afinal, trabalhava na iniciativa privada quando as criou e nem candidato era. Jair Bolsonaro já era deputado, mas também não era candidato ainda.
Pois bem, depois de todas essas confusões e trapalhadas que presenciamos diariamente na timeline do presidente, que envolvem de golden shower a demissão de ministro, passando por briga com jornalista, a oposição resolveu fazer seu papel.
O deputado Ivan Valente (PSOL) fez um requerimento de informação bastante ponderado ao chefe de gabinete da presidência, Pedro Cesar Nunes Ferreira Marques de Souza, que também respondeu de maneira bastante técnica. E aí chegaremos à mesma briga de Trump: dizer que a conta é pessoal, mas usar para anúncios públicos.
As perguntas foram:
● Quais são os servidores responsáveis por administrar a conta pessoal do Presidente da República nas redes sociais Twitter, Facebook e Instagram desde o início do governo?
● Qual é o documento que orienta a comunicação no Twitter, Facebook e Instagram?
● Quais foram as postagens excluídas das contas pessoais do Presidente da República nas redes sociais desde o início do governo e quais foram os motivos para sua exclusão?
● Quais são os servidores que possuem a senha das contas pessoais do Presidente no Twitter, Facebook e Instagram?
● Em relação aos Senhores FILIPE GARCIA MARTINS PEREIRA, ASSESSOR Chefe-Adjunto, JOSÉ MATHEUS SALES GOMES, Assessor Especial, TÉRCIO ARNAUD TOMAZ, Assessor Especial, todos da Assessoria Especial do Presidente da República:
o Quais são suas atribuições de fato?
o Os servidores administram alguma conta oficial da Presidência da República, pessoal do Presidente ou de algum outro órgão público nas redes sociais? Quais especificamente?
o Os servidores utilizam computador de propriedade da Presidência da República ou de algum outro órgão 2 público? Qual o patrimônio da respectiva máquina? Qual foi a última vez que a respectiva máquina foi formatada? o O servidor utiliza aparelho celular funcional?
A argumentação do deputado faz sentido: " A relevância do cargo de Presidente da República faz com que qualquer comunicação expedida pelo Presidente tenha grande repercussão e impacto na sociedade, daí a necessidade de que se tenha uma clara orientação sobre a linha adotada e sobre os responsáveis pela sua efetivação".
No entanto, não é assim que a presidência da República enxerga a questão. A tese sustentada é que, como tais contas foram criadas antes que o presidente assumisse o mandato, elas são pessoais.
As demais contas (como a do Planalto, por exemplo), são administradas pela Secretaria Especial de Comunicação Social da Secretaria de Governo da Presidência da República e seguem um manual que é público e está postado na página de padrões do governo.
Quanto aos assessores, que ficaram conhecidos especialmente pela dedicação intensa às redes sociais durante a campanha, a informação oficial é de que não trabalham mais com isso. Dos 3, há dois que utilizam celulares funcionais da presidência da República e, assim, devem satisfações sobre o uso - seja em voz ou dados.
A gente sempre ouve dizer que o filho vereador do presidente, Carlos Bolsonaro, é o responsável pelas redes sociais do pai. Prova mesmo, nunca vi. Mas essa questão, conforme afirma o próprio chefe de gabinete da presidência, só Jair Bolsonaro pode responder.
Um desses assessores teve uma agenda curiosa no mês de abril que custo a entender como se encaixa nas atribuições. Numa sexta-feira, dia 5, recebeu oficialmente em seu gabinete o filho vereador do presidente, Carlos Bolsonaro. O assunto não foi explicitado na documentação oficial.
No dia seguinte, teve uma agenda que não se enquadra nas funções descritas pela chefia de gabinete da presidência, mas também não aparece na agenda oficial do assessor. Trata-se de uma reunião com influencers digitais bolsonaristas, que foram descritos como "os principais líderes de movimentos conservadores".
Teria o assessor da presidência participado da reunião representando o cargo que ocupa ou era um convescote com amigos? O evento foi na Assembleia Legislativa de São Paulo, promovido pelo mandato do deputado Douglas Garcia. Vários assessores de deputados da Alesp estão na foto e continuam, ao mesmo tempo em que assessoram parlamentares, sendo influencers digitais.
Embora o próprio Filipe Garcia Martins Pereira não tenha dito que participava do evento em nome do governo, certamente é assim que sua presença foi entendida por uma assessora de um deputado do PSL, também influencer digital. Na foto postada por ela, todos fazem sinal de arminha.
A reunião não tem nada de irregular nem ilegal, mas o comentário de assessores parlamentares mostra como é complicado estabelecer um limite entre público e privado na vida real, em eventos presenciais. Na internet, como fazer? Um presidente da República tem conta aberta e privada ou essa situação é incompatível?
Aqui no Brasil ainda só temos perguntas, as respostas estão por vir e seria muito saudável que todos refletissem. No momento, estamos falando do caso específico de Jair Bolsonaro, mas contas em redes sociais de mandatários são um fenômeno que veio para ficar e não se restringe só a ele.
Nos Estados Unidos, o que começou com um questionamento a Donald Trump por bloquear desafetos na conta que usa para fazer anúncios presidenciais virou regra geral. O caso dele, que é presidente, obviamente é o mais falado, mas há inúmeros casos de prefeitos e governadores sendo analisados.
Nos Estados Unidos, a Justiça fez com que o presidente da República desbloqueasse os cidadãos que queriam ler seus tweets. A Justiça de Nova Iorque considerou que autoridades públicas não podem restringir a liberdade de expressão de seus patrões, o povo.
Dessa forma, se alguém tem um cargo público e usa uma conta de rede social também para falar de questões relacionadas a esse cargo, não pode bloquear os outros. Não é uma conta de domínio público exatamente, mas deve satisfações ao público.
Ainda há outros processos em julgamento lá que podem afetar a primeira decisão sobre Trump e não há um regramento pronto e acabado sobre o que fazer com as contas criadas por detentores de cargos públicos antes que assumissem os postos.
Mas aqui no Brasil, sobretudo, vale uma discussão séria dos limites entre o público e o privado. A falta de clareza sobre isso é um dos fatores que mais gerou crises e escândalos nas últimas décadas. Se as autoridades públicas não conseguem enxergar seus limites, que se posicione a sociedade civil.
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