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Foi pegadinha: caixa-preta do BNDES ainda está fechada

Espero que a montanha não tenha parido um rato, que seja apenas uma daquelas pegadinhas do Mallandro para mudar o ciclo de notícias e que a tal “caixa-preta” do BNDES realmente existe e seja revelada. O fato é que não foi. Nenhum dado divulgado agora é novidade, todos já estavam no site do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, muitos já foram fartamente divulgados pela imprensa e, para quem não tem amnésia, boa parte deles foi citada no julgamento do impeachment de Dilma Rousseff.

O que se fez agora é uma nova formatação dos dados, com rankeamento, que os torna mais acessíveis. Ajuda na transparência? Claro que ajuda. Mas quem ajuda é cunhado, gestor público resolve.

Óbvio que, depois da lambança ética e moral que foi o recurso de Flavio Bolsonaro em nome do foro privilegiado ao STF, do recebimento de auxílio-mudança por Bolsonaro pai e filho – que não fizeram mudança nenhuma – e da viagem dos deputados do PSL à China, era necessário virar o ciclo de notícias. O governo poderia estar em plena lua-de-mel não fossem os aliados e familiares das mais altas figuras da República.

Algumas pessoas, jornalistas e cidadãos, que já haviam pesquisado esses dados quando foram divulgados, não em formato de lista, mas com informações mais extensas, começaram a perceber que ali não havia nenhuma novidade. Sejamos justos, o alarde feito pelo alto escalão via redes sociais não foi comprado pelo próprio BNDES, que foi muito sóbrio ao informar com exatidão o que foi feito.

O próprio BNDES informou que nada de novo foi divulgado, ou seja, não tem caixa-preta nenhuma aberta hoje. “É a primeira vez que esses dados são disponibilizados ao público neste formato, sendo encontrados no site: www.bndes.gov.br/maioresclientesA ferramenta permite ao usuário ver cada operação efetuada com os 50 maiores tomadores de recursos dos últimos 15 anos (2004 a 2018), além de disponibilizar recortes trienais.  Anteriormente, para chegar a esse tipo de resultado, era necessário buscar por informações em diferentes páginas e, às vezes por diferentes linhas de financiamento.” 

No final do comunicado, uma esperança de que o BNDES realmente passe a divulgar os dados que não estão no site e são negados à imprensa mesmo quando pedidos pela Lei de Acesso à Informação: “O BNDES continuará promovendo a transparência de suas ações e buscando oportunidades de trazer mais dados de forma acessível ao público, nas diversas dimensões de suas atividades em apoio às empresas e projetos no nosso país”.

Embora a lista dos 50 maiores tomadores de empréstimos do BNDES esteja sendo tratada como escandalosa por quem não a leu, ali não há nada de ilegal nem detalhes que permitam avaliar a qualidade das operações.

As grandes dúvidas ainda permanecem grandes dúvidas, não houve um milímetro de revelação:

– Qual o critério para conceder tais empréstimos?

– Havia outros agentes pleiteando o mesmo recurso?

– Como foi o processo de decisão?

– Qual foi a área que aprovou cada uma das concessões de crédito?

– Os critérios eram estritamente técnicos ou houve influência política?

– Que benefícios cada empréstimo gerou ao Brasil?

– As obras financiadas foram auditadas?

– Quais delas foram concluídas e qual o benefício gerado ao país?

– Se há alguma que não foi concluída, que medidas foram tomadas?

– Quais empréstimos estão sendo pagos pelos tomadores e quais estão dando calote?

– Por que diversos Estados da Federação estão na mesma lista que empresas privadas?

– Qual a divisão dos tomadores por linha de crédito?

Eu poderia passar o dia inteiro enfileirando aqui perguntas que possibilitariam uma análise sobre a qualidade dos empréstimos. Essas questões não foram respondidas agora nem foi dito explicitamente que serão. A única comprovação da lista é de que não existe capitalismo no Brasil: muito peixe grande só consegue atuar com regras muito especiais, fugindo da competitividade do mercado.

Outra questão que merece resposta é como andam os pagamentos do BNDES à União, já que o banco é o maior devedor dos cofres públicos do país, vencendo até Estados e Municípios.

Costumo dizer que duas coisas salvarão o Brasil: o antidoping e a matemática. Inebriada pela paixão política, parte da população não liga lé com cré, sequer percebe que foi noticiada à exaustão a negativa do BNDES de fornecer dados que respondam sequer em parte aos questionamentos ainda pendentes sobre os empréstimos.

O caso mais famoso é o pedido da Folha de São Paulo, com base na Lei de Acesso à informação, pediu as análises técnicas que fundamentaram empréstimos milionários do BNDES entre 2008 e 2011 bem como as auditorias. O Banco não apenas negou as informações como entrou na Justiça para pedir que não seja obrigado a entregar nenhum tipo de documento.

Em 2017, o TRF da 2ª Região, no Rio de Janeiro, decidiu que o BNDES deveria enviar as informações COMPLETAS – não esse ranking sem análise – sobre todos os empréstimos entre 2008 e 2011 acima de R$ 100 milhões. Até hoje isso não foi nem entregue nem divulgado publicamente.

Segundo o acórdão do TRF-2, a imprensa não pediu nenhum dado bancário sigiloso que comprometa a segurança da sociedade ou do Estado e, além disso, a regra da administração pública é a publicidade e transparência, razão pela qual os dados utilizados para avaliar concessão de empréstimos de mais de R$ 100 milhões com dinheiro público devem ser divulgados.

“Evita-se que se diga que favores foram concedidos a amigos do rei.” – escreveu no acórdão odesembargador Guilherme Couto de Castro

O BNDES entrou em 2017 com o RE 1.649.849/RJ no STJ, que ficou sob a relatoria do ministro Mauro Campbell Marques e não foi julgado até hoje devido ao pedido de vista pelo ministro Hermann Benjamin na sessão da 2ª turma em 10 de agosto do ano passado, quando o advogado do Banco, Marcelo de Siqueira Freitas, fez sua sustentação oral no Superior Tribunal de Justiça.

A estimativa é que haja mais de 400 – isso mesmo, QUATROCENTOS – clientes na listagem de quem pegou mais de R$ 100 milhões emprestados entre 2008 e 2011 pelo governo do PT. O BNDES quer que sejam protegidos por sigilo dados como o rating de risco de empréstimos e clientes, argumentando que o principal negócio do banco não é avaliação de risco e que a divulgação de tais dados poderia ter impacto tanto para os avaliados quanto na bolsa de valores.

O BNDES diz também que revelar os dados que levaram à concessão de empréstimos para uma empresa pode fazer com que os concorrentes tenham informações capazes de lhes dar vantagem de mercado, aumentando o custo do crédito. Ou seja, o BNDES não quer divulgar a análise técnica que justifica os empréstimos e, até agora, nada mudou, continua uma caixa-preta.

A outra caixa-preta é a de quem paga e quem está devendo. Segundo a sustentação no STJ, o BNDES só quer divulgar os devedores se for necessário fazer a cobrança forçada. Até que se chegue a esse ponto, pede sigilo bancário. Ocorre que a cobrança forçada já é pública porque se faz por via judicial. Na prática, significa que o Banco pede para não ser obrigado a divulgar esses dados.

O relator do caso no STJ, ministro Mauro Campbell Marques, já deu o voto dele: é a favor de retornar o processo ao TRF-2 para que o tribunal aponte se há dados protegidos pelo sigilo bancário, empresarial ou fiscal.

A ideia é que os desembargadores listem quais são as informações pedidas e avaliem quais são protegidas por sigilo e quais não são, justificando caso a caso. Devem deixar explícito quais são os fundamentos legais que os levam a determinar o acesso ou o sigilo a cada uma das informações requeridas ao BNDES.

O ministro Hermann Benjanim, presidente da 2ª turma, pediu vista ressaltando que estava sendo dada pouca importância e faltava análise a uma questão importante demais. Para ele, pode ser “muito além do que a Constituição Federal e a legislação permitem” a divulgação de todas as informações de todas as empresas que obtiveram empréstimos de mais de R$ 100 milhões do BNDES entre 2008 e 2011.

A questão permanece um impasse. O jornal Folha de São Paulo alega que a sociedade tem o direito de saber as regras utilizadas pelo governo para conceder empréstimos milionários com dinheiro público. O BNDES quer manter em segredo:

– Histórico de inadimplência

– Informações com impacto concorrencial

– Avaliação de risco de empresas

– Avaliação de risco de operações

Ou seja, de acordo com o sustentado pelos advogados do BNDES no STJ, a pretensão é manter em sigilo todos os dados que possibilitam avaliar se houve ou não influência política e ilegalidade nos empréstimos de mais de R$ 100 milhões nos governos petistas.

Óbvio que muitos que chegaram até esse ponto do texto já estão xingando a mãe do ministro que pediu vista e praguejando contra todo o STJ: é mania do brasileiro ser este eterno adolescente que, para obedecer as regras mais simples, precisa receber ordem judicial. Neste caso, não faz nenhum sentido, a culpa não é do Poder Judiciário e, na minha opinião, absurdo é que ele tenha sido enfiado no sarapatel.

Para abrir a caixa-preta, o BNDES não precisa nem dar os dados à Folha de São Paulo, é só divulgar no site. Até agora, nem os dados foram divulgados nem o Banco desistiu da ação na Justiça.

O atual presidente do BNDES, Joaquim Levy, trabalhou no governo federal petista, mas não estava no governo durante o período em que foram concedidos os empréstimos milionários sobre as informações cuja divulgação está em disputa judicial. Entre 2008 e 2011 esteve no governo de Sérgio Cabral no Rio de Janeiro e no Banco Bradesco. Não se sabe se há informações deles entre as que o Banco se recusa a divulgar.

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