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A Protagonista

A Protagonista

Brasil, a República dos bajuladores

O que seria das ideias estapafúrdias, dos ataques aos cofres públicos e dos arroubos autoritários não fossem os bajuladores? O bajulador não é animal endêmico da fauna nacional, mas se perpetua no poder desde quando ele surge no Brasil.

Apesar de toda a coleção de versículos bíblicos alertando para o poder maligno e destrutivo do bajulador, eles estão no coração e no berço da pátria mais cristã do mundo.

Tido como um dos pais do conservadorismo brasileiro e do direito comercial, José da Silva Lisboa, o Visconde de Cairu, tem entre suas qualidades a excelência na bajulação. Escritor prolífico, político influente, não economizava nos elogios a D. João V e D. Pedro I.

A corte portuguesa esperava elogios rasgados daqueles a quem dava cargos públicos. E as coisas eram num nível que envergonharia até os senhores grisalhos que andam por aí defendendo indicação de filho para embaixada.

Até 1808, quando a corte portuguesa se instala no Brasil para fugir de Napoleão, era proibido imprimir livros. Assim que surge a "Impressão Régia" nasce também a bajulação oficial. Fazer uma dedicatória elogiosa a algum poderoso era uma boa maneira de conseguir ser publicado na única tipografia do país, controlada pela Coroa.

Quem inaugura a prática é o Visconde de Cairu, o primeiro a fazer uma dedicatória de obra impressa. Seu livro "Observações sobre o comércio franco no Brasil" inicia-se com a seguinte rasgação de seda para D. João VI:

" Senhor

Devendo ser o voto de quaisquer fieis Vassalos, que o Nome de V.A.R. [Vossa Alteza Real] seja celebrado em todas as Nações; e sendo o meu principal empenho, que a Humanidade Consagre a V.A.R. o Titulo de Libertador do Comércio; Mostrando-se V.A.R. entre as Potências da Terra, como o mais Sábio dos Reis, Salomão, e o mais Opulento, o Monarca de Tiro, (...) consideres que seria de algum Serviço ao Estado o fazer apreciar no Público a incomparável Mercê, que V.A.R. se Dignou Conferir a estes seus Domínios Ultramarinos, Permitindo a Franqueza do Comércio; sendo este imenso Benefício o Precursor de muitos outros, com que Se Liberaliza continuamente para o Bem Geral, e que assemelham a V.A.R. ao Grande Tito, Imperador de Roma, a quem os contemporâneos denominarão as Delicias da Humanidade, transmitindo-nos a História a sua insigne máxima, de que julgava perdido o dia, quando não fazia algum beneficio ao Império."

Importante notar que não é o texto de um qualquer. Trata-se de um dos maiores intelectuais do Brasil Colônia, patrono da Academia Brasileira de Letras, liberal raiz a quem se credita ter trazido ao país as primeiras medidas espelhadas no pensamento de Adam Smith. Ainda assim, topa agachar-se a esse ponto diante de uma autoridade.

Quando aprendemos sobre essas figuras importantes do Brasil, raramente se fala sobre as tais dedicatórias, as exigências de subserviência pública para participar do poder.

Praticamente todas as obras publicadas durante os primeiros anos da tipografia brasileira traziam os tais elogios a algum poderoso ou à "nação portuguesa" na abertura e era moda que o autor se denominasse "o mais fiel e humilde vassalo", ainda que fizesse uma obra inteiramente dedicada a ideais liberais, por exemplo.

O Brasil não discute esse comportamento com a seriedade que deveria. Funcionários públicos bajuladores são maléficos para uma corte despótica e mortais para uma República.

O bajulador não tem amor pela pátria, pelo povo e sequer pelo governante que bajula, tem apenas sede de poder e falta de vergonha na cara.

Seja pela fraqueza de caráter ou pela força da vaidade, nossos poderosos têm gosto por formar em torno de si um cerco de bajuladores. É assim que deixam de ter os pés no chão e, depois de um tempo, sequer percebem os próprios tropeços.

O que teria sido o governo Collor se, em vez de bajuladores, estivesse cercado de gente competente e politicamente hábil? O PSDB teria se tornado esse amontoado insosso que sucumbiu diante do PT não fossem os bajuladores a elogiar cada passo que distanciou o partido do povo?

Imagine se Lula, um operário que pregou ética na política até chegar à presidência, teria submergido o PT - e toda a esquerda a reboque - no lamaçal moral em que está não fossem os bajuladores. Se os outros fizeram, por que ele, esse deus vivo com monopólio da virtude, não podia?

Claro que Jair Bolsonaro tem sua cota dessas ervas daninhas. A ele também não faltam bajuladores que tentam travestir de vitória os tropeços e justificar as declarações mais abjetas. Nas redes sociais, geralmente são chamados de "passadores de pano".

Quanto pior o erro, mais inaceitável a declaração e mais autoritária a atitude, mais alto o valor do bajulador que defende e, provavelmente, pior ainda o tropeço seguinte. O caos é o terreno fértil dos melhores bajuladores.

A aceitação social do bajulador que topa tudo é uma chaga da nossa sociedade. Expõe algo fundamental para a manutenção da esculhambação em que vivemos: ainda temos no espírito um resquício de vassalagem.

É nesse sentimento de que servimos aos governantes - e não eles a nós - que o Brasil desanda.

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