Descobri que ela me traiu, mas foi uma grande vitória porque apimentou nosso casamento. É por aí a argumentação que circula em grupos de whatsapp tentando chamar de “vitória” o 7 x 1 de gols contra tomado por Jair Bolsonaro ontem na Câmara dos Deputados. Simplificando, se a proposta for aprovada pelo Senado, único lugar onde felizmente o governo tem um líder com experiência prática em trabalhar, estaremos implantando uma espécie de Parlamentarismo por Emenda Constitucional. O presidente da República passa a ser uma Rainha da Inglaterra, como bem analisou a deputada Janaína Paschoal.
Nos grupos de whatsapp, onde os traidores do governo tentam justificar sua postura indecente dizendo que a medida evitará negociatas e toma-lá-dá-cá, não se informa que isso deixará de ser feito apenas porque Jair Bolsonaro não terá mais poder para negociar nem para mandar nas prioridades do país. Interessante que, por razões que a razão desconhece, participaram do movimento de traição o próprio filho do presidente e o líder de seu partido na Câmara.
Essa é a minha avaliação. Você tem direito à sua, sem ter de confiar em mim ou nas mensagens de traidores espalhadas como vírus pelas redes sociais. Por isso, vamos aos fatos, à informação oficial sem lentes de quem analisa ou de quem tenta fingir que é a favor do governo mesmo depois de trair Jair Bolsonaro. A Câmara dos Deputados fez um ótimo resumo da Proposta de Emenda Constitucional, sem nenhum tipo de juízo de valor, apenas resumindo as medidas nela contidas.
Que PEC é essa? É a 2/2015, mudando o artigo 166 da Constituição Federal. É um artigo que trata da aprovação do Orçamento e do Plano Plurianual, a viabilização financeira de todos os planos de um governo. Ali se diz quem tem poder para quê, deixando ao Presidente da República uma margem de manobra orçamentária da ordem de 10% do orçamento total. Hoje, 90% do orçamento do Brasil já é comprometido com despesas obrigatórias, como funcionalismo, previdência, saúde e educação.
A PEC 2/2015 aumenta a parte do orçamento de execução obrigatória, reduzindo a margem de manobra do governo de 10% para pouco mais de 3%. De quebra, o gasto anual com emendas parlamentares quase dobra: salta de 0,6% do orçamento para 1%. Quem paga manda, dizia meu falecido pai. E é exatamente disso que se trata, o presidente da República perdendo poder e o Congresso Nacional quase dobrando o seu. Por isso minha análise de que estamos implementando um Parlamentarismo por PEC, já que sem ter como destinar orçamento o governo não tem como planejar suas ações.
O comportamento de quem deveria apoiar o governo foi vergonhoso: farinha pouca, meu pirão primeiro.
Nunca antes na história desse país um governo sofreu uma derrota tão acachapante no plenário da Câmara dos Deputados. Quer dizer, até sofreu quem tomou um impeachment na cabeça, mas estou analisando votações normais em tempos normais. Aliás, essa proposta foi feita em 2015 justamente quando Dilma Rousseff estava perdendo completamente o controle das contas públicas e o Brasil começava a falar em impeachment.
O Congresso Nacional decidiu amarrar as mãos da presidente Dilma e transformá-la numa espécie de Rainha da Inglaterra enquanto se tentava resolver o impasse político. Na época, o presidente Jair Bolsonaro e seu filho Eduardo Bolsonaro votaram a favor. Estavam certos: eram de oposição e Dilma não tinha mais condições se ser a responsável pela economia do Brasil. Estranho é que agora o filho trate o pai da mesma forma que ambos trataram Dilma.
Foi feito algo bem raro: se votou em dois turnos no mesmo dia. Geralmente não se faz isso com PECs porque elas não são aprovadas por maioria simples, é necessário ter os votos de 2/3 da Câmara, 308 deputados, o mesmo número necessário para fazer a Reforma da Previdência. A partida foi um chocolate do Congresso sobre Jair Bolsonaro: 448 x 3 e 453 x 6.
Ao ver que, na prática, não exerce o ofício para o qual foi escalado, o líder do partido do presidente da República “liberou a bancada” para votar contra o presidente. Não parou por aí: até ele votou contra Jair Bolsonaro. O filho do presidente, que havia votado para que Dilma deixasse de controlar o orçamento do país, preferiu ficar no discurso pessoal de coerência a defender que o pai tenha condições de governar. Eduardo Bolsonaro também votou contra o presidente da República. Rodrigo Maia, o grande vitorioso da história, abusa do sarcasmo ao dar entrevistas dizendo que foi uma vitória de Bolsonaro. Deve ter passado a noite em claro gargalhando.
Algumas pessoas estão confusas dizendo que “os dois lados” estão comemorando a aprovação da PEC. A questão é que não se trata de governo x oposição, mas de Congresso x Bolsonaro e os parlamentares venceram.
Na primeira votação, quando havia 451 deputados em plenário, Jair Bolsonaro só recebeu apoio de 3 deles: Haroldo Cathedral (PSD-RR), Tiago Mitraud (NOVO-MG), Paulo Ganime (NOVO-RJ). Na segunda votação, com 460 deputados em plenário, o presidente da República recebeu o apoio de 6: Pedro Cunha Lima (PSDB-PB), Tiago Mitraud (NOVO-MG), Paulo Ganime (NOVO-RJ), Joice Hasselmann (PSL-SP), Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP) e Bia Kicis (PSL-DF). A deputada Bruna Furlan (PSDB-SP) se absteve, ou seja, não ajudou Bolsonaro mas também não participou da preparação da guilhotina.
Resumo da ópera: o governo só tem verdadeiramente a seu lado estes deputados. Fora os poucos do PSL que sempre foram aliados do presidente da República ainda que coloquem suas reputações em risco, todos os demais deputados querem tirar poder de Jair Bolsonaro. O presidente, na ponta do lápis, conta mais com os quadros do Novo, fiéis às teses do liberalismo e sempre presentes no plenário do que com seus próprios quadros, que oscilam entre não estar nas votações quando precisam deles e defender a própria reputação às custas do presidente da República. Esqueçam a Reforma da Previdência.
Caso o texto passe no Senado, ficam sepultados os sonhos de Paulo Guedes e de qualquer um que pretenda ter um Poder Executivo com capacidade de inovação. O Ministro da Economia ensaiava uma outra PEC, que desvincularia mais despesas obrigatórias e aumentaria a margem de 10% do orçamento que o Poder Executivo pode manobrar para executar seus projetos.
A solução infantil encontrada pelo líder do governo na hora em que o barco sacolejou foi jogar todo mundo ao mar: disse que a bancada estava liberada para votar e votou contra o presidente da República, na ilusão de que, vendo o placar, as pessoas pensassem que foi uma vitória porque os governistas estavam votando com a maioria. A bancada do twitter e whatsapp entrou em campo corroborando a ideia. São, comprovadamente, bons de falar e incapazes de fazer qualquer coisa. Às vezes desconfio que esse pessoal não sabe lavar nem a própria cueca.
Cabe agora ao presidente da República fazer o que deve ser feito, botar essa tigrada no lugar. A grande maioria se elegeu montada na popularidade de Bolsonaro e em nome de um projeto de governo que está sendo destruído na primeira chance de surrupiar poder do Executivo. Os líderes do governo Bolsonaro estão entregando o que sempre fizeram da vida: discursos inflamados. Infelizmente para o presidente, gente falastrona é boa só em campanha, não em governo.
Governar se faz com trabalho duro e decisões certeiras, muitas vezes impopulares mas necessárias. A preocupação da base do governo, no entanto, é menos com o Brasil e mais com aparecer bem na foto das redes sociais.
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