As artimanhas que os seres humanos criam para se dar bem em cima de outros de sua espécie remontam milênios.
Há quem diga que na Bíblia (pasmem!) está descrito o primeiro ‘golpe’ da História. Em Gênesis 30:31-43, o cristão é apresentado ao caso das ovelhas de Labão e Jacó. Com um engodo, este último fez fortuna e multiplicou sua criação.
Mas para não precisarmos ir tão longe, basta lembrarmos do nosso passado e vermos como fomos moldados para tal.
É do século 18 a criação do termo ‘conto do vigário’, que tem várias versões, mas deixa claro que há sempre um espertalhão na história.
Uma das versões mais plausíveis do conto é a que havia certa disputa entre os vigários das paróquias de Pilar e da Conceição, em Ouro Preto, por uma imagem de Nossa Senhora.
Para acabar com o problema, o um dos vigários sugeriu que amarrassem a imagem em um burro que estava na rua e a igreja que ele se encaminhasse ficaria com a posse da santa.
O burro, então, foi solto e seguiu para a paróquia de Pilar, que venceu a disputa. No entanto, logo depois, descobriram que o burro era do vigário da tal igreja e estava ‘levemente condicionado’ a fazer aquele caminho.
Também é atribuído o termo como inédito ao poeta português Fernando Pessoa. Em uma crônica de 1926, relata um caso de um fazendeiro chamado Manuel Peres Vigário, que teria comprado gado com notas falsas de 100 mil réis. Daí, os contos de réis falsos, viraram os contos do Vigário.
O tempo passa e o ser humano, esse incrível, apenas se aprimora. Engodo, estelionato, 171, caô, enganação, extorsão, golpe, conversinha, enfim… são muitos os termos.
Antes da Segunda Guerra, por exemplo, o francês Victor Lustig, se passando por funcionário do governo, conseguiu vender Torre Eiffel, alegando que os custos de manutenção dela eram altos demais.
Em 1940, o americano Joe Weil fez fortuna vendendo um “milagroso elixir” para pessoas que buscavam viver melhor. Anos depois, em uma biografia, revelou sua trapaça.
Aqui no Brasil, depois da ida da Apollo 11 à Lua, o sergipano José Alves dos Santos começou um fabuloso negócio: foi vender terrenos em solo lunar, até mesmo com um mapa do loteamento extraterrestre. Acredite ou não, bastante gente comprou.
Atualmente, no século 21, a tecnologia é dominante em toda a vida global. Inclusive nesse crime.
Com o surgimento da internet, isso apenas se aprofundou. E-mails com links maliciosos, mensagens de bancos e promoções mirabolantes.
Daí, um passo para que criminosos detidos em presídios Brasil afora, com muito tempo livre e descambada liberdade em usar celulares no cárcere, percebessem um grande negócio sem dono.
Famílias passaram a ser aterrorizadas com o golpe do falso sequestro, do acidente de carro, ou ainda do parente distante que precisava de ajuda para resolver um problema premente.
Esta semana, este repórter que escreve essas linhas, experimentou a versão agressiva do golpe que dá prêmios em dinheiro. Se antes o cliente desavisado recebia mensagem passivamente e era incitado a ligar para o golpista, tudo mudou.
Numa manhã de quarta-feira, em meio ao expediente, meu telefone toca com um DDD 85, ou seja, do Estado do Ceará.
Atendi e, do outro lado, um rapaz feliz por me informar que havia sido premiado com R$ 15 mil, em forma de agradecimento por ser cliente há tanto tempo da minha operadora celular.
O áudio que segue é da narrativa do rapaz. Quase dez minutos exaltando como Deus me escolheu para o prêmio, mesmo em tempos que golpistas (!) usam da boa fé alheia.
Prestativo, atencioso e contente por explicar os pormenores da ligação. Só falhou nisso, coitado. O fato que evidenciou o golpe estava aí: nenhum serviço de telemarketing é tão afim, tão eficiente em resolver o problema de quem está do outro lado. Isso é coisa que não estamos acostumados no dia a dia de Brasil. Pobre golpista: foi traído por prestar um bom atendimento.