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Entrevista EXCLUSIVA: Manola de Rubeis denunciou Maduro ao Parlamento Europeu e agora tem a cabeça a prêmio
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Manola de Rubeis é uma mulher tradicional, cristã,  conservadora, de direita. Advogada, preparou-se para viver na Europa. Gentil, feminina, vaidosa, divertida, sofisticada, é o retrato perfeito da mãe de família da elite venezuelana pré-Chávez.

O país que fez mais Misses Universo na história tem uma particularidade cultural, comum com a Colômbia, que o diferencia do Brasil: não dissocia feminilidade e beleza de competência. É perfeitamente natural uma miss se dedicar depois ao Direito, à Medicina, à Engenharia, à família ou ao que ela quiser.

Um impulso de mãe tradicional de Manola de Rubeis a alçou a símbolo de liderança da resistência venezuelana no exterior. Denunciou o regime de Maduro ao parlamento Europeu e descobriu, com um cerco policial na casa da mãe, em Caracas, que era persona non grata no país.

Quando eu já estava vivendo em Londres, que eu tinha e mudado, começaram a atirar nos meninos durante o protesto de 2014, nesse fevereiro de 2014. Quando começaram isso, eu fui para a rua como uma mãe, como mulher, como venezuelana.

Ela escreveu no Facebook de uma rádio: “Que saiam os dinossauros!!!”

Dinossauros como eu, dinossauros os homens e as mulheres velhas, os políticos velhos, que façam escudo aos meninos para que não os matem. Essa foi a minha primeira reação. Como mãe, quem sabe? Essa foi a minha primeira reação. Como não? Porque estão matando os meninos que não têm culpa. Vamos sair nós que temos culpa porque não fizemos nada durante 40 anos com esses covardes da oposição que se alternavam no poder, mas mantiveram as pessoas ignorantes. Essa foi minha raiva.

Em seguida, resolveu postar numa página de venezuelanos em Londres que estava indo à Parliament Square protestar. Foi o início de um dos mais importantes trabalhos pela resistência da Venezuela e a favor de uma intervenção internacional humanitária no país.

Me recordo que estavam lá NTN24 (televisão independente da Venezuela), 80 pessoas que tinham respondido e… uau. Esperava que estivessem 2 ou 3 que estávamos aí desesperados e que algo te impulsiona a sair: eu não posso ficar aqui em casa, estão matando os meninos, a quilômetros de distância. E aí começou este movimento.

Advogada, ela decidiu reunir dados dos movimentos que já trabalhavam em separado e formalizar uma denúncia para levar ao Parlamento Europeu. Listou as mais diversas violações de Direitos Humanos: assassinatos, torturas, desaparecimentos. Um ano depois, ao visitar a mãe em Caracas, vê, pela televisão, o braço direito de Maduro, Diosdado Cabello, citar seu nome como persona non grata.

A casa da família foi cercada por tropas do governo que levavam um mandado pedindo que ela se apresentasse para dar explicações de sua conduta no exterior mas, em vez de atender o chamado, ela optou por fugir do país.

Eu sei o que eles fazem com as pessoas, como as torturam. Uma pessoa ingênua teria dito: ah, eles estão me chamando, vou lá ver o que eles querem, né? Uma intimação. Não, não, eu não vou ver o que você quer porque eu sei o que você quer. Eu não cometi nenhum delito. Eu fui denunciar o que tinha de denunciar ou então seria cúmplice, né? Porque eu penso que todas as pessoas que sabemos algo temos de denunciar, este é nosso dever.

 

O RESULTADO DAS DENÚNCIAS INTERNACIONAIS

A primeira denúncia internacional foi apresentada em dezembro de 2014 e as provas foram consideradas sólidas no exterior. O resultado, no entanto, surtiu pouco ou nenhum efeito para o povo da Venezuela. Quando pergunto a Manola o que ela espera, a resposta é a seguinte:

Nós deixamos de esperar. Porque a União Europeia a única coisa que fez desta vez para cá é lançar 5 resoluções, nós não vamos sair da fome com resoluções, não é um papel. As Nações Unidas também não fizeram nada porque recebem dinheiro deles e têm essa gente do narcotráfico (o governo venezuelano) na Comissão de Direitos Humanos. A OEA, esses dias, 19 a favor, 8 contra, quer ingerência humanitária, nada acontece. O Vaticano sabemos que não vai fazer nada. Então estamos sozinhos lutando contra este gigante. Nós, o que estamos no mundo pedindo de joelhos é que, por favor, se unam, que dêem um grito.

Para a ativista de Direitos Humanos, a inteligência venezuelana já chegou a um ponto de controle total da vida dos cidadãos porque o esquema montado remonta aos anos 90, durante a presidência de Carlos Andrés Pérez, político da velha guarda da atual oposição da Venezuela. Segundo Manola, alguns programas públicos permitiram a entrada de 400 cubanos que, pouco a pouco foram se infiltrando em postos estratégicos da estrutura estatal já aliados com a oposição que chegaria ao poder pelas mãos de Hugo Chávez. O resultado hoje é uma rede sofisticada de inteligência.

Eles entraram nos tabelionatos, nos registros, eles sabem tudo da vida da gente, os cubanos. Eles nos perseguem por twitter. A inteligência cubana, os agentes cubanos, estão infiltrados e eles sabem tudo o que fazemos. Veja que há meninas presas por tuitar. Há pessoas presas por falar. Vai chegar o dia… Já chegou o dia, porque na Venezuela ninguém fala de política na rua porque qualquer um pode ser um espião.

 

O CASO ÓSCAR PÉREZ

Com um povo mergulhado na miséria, o controle da inteligência pode ser feito manipulando o medo e o estômago. É relativamente fácil conquistar aliados em troca de pequenas vantagens quando o país passa por uma calamidade total.

Eu estou falando num bar e pode ter qualquer um atrás que vai ser um espião. Eu estou num condomínio, pode ser que o conselheiro do condomínio seja um espião porque lhe dão alguma coisa, porque lhe dão uma vantagem. Porque a fome, né? Mexem com o estômago. Manipulam o medo e o estômago alternadamente. Mas a única coisa que vai nos ajudar é a ingerência humanitária porque você viu, mataram 7 pessoas que iam se entregar. Um crime de guerra.

Este caso é o do grupo de Óscar Pérez, cujas famílias continuam dependendo do apoio de venezuelanos expatriados tanto para garantir a segurança pessoal quanto para obter sustento. Os filhos e a mulher do homem que virou o símbolo da resistência conseguiram sair da Venezuela, mas outros ficaram.

Óscar Pérez e seu grupo de Alejandro Pimentel. Eu estou em contato com a mulher de Alejandro, a estamos ajudando, estamos em contato também com a mãe das crianças de Óscar Pérez, já estão no México, graças a Deus! Ainda que para alguns de nós não porque alguns ficaram na Venezuela. Daiana Pimentel ficou presa 7 meses, isso muita gente não sabe, esposa de Pimentel, o que atira a 3.50 do helicóptero, é um guerreiro também.

A ativista agora luta para que o governo venezuelano não manche a memória dos 7 jovens que se entregaram e, mesmo assim, foram assassinados numa operação que envolveu 500 homens. A maioria dos que estavam na casa jamais havia usado uma arma, como Daniel, jornalista de Maracaibo, que havia apenas comparecido a manifestações antes de ser encurralado na casa onde morreu.

Eles não são terroristas, eles são pessoas de paz, pessoas guiadas por Deus, pessoas que estavam fazendo algo impecável, operações brilhantes e não aceitamos que sejam chamados de terroristas, não aceitamos que manchem suas memórias porque era gente que viu com clareza qual era a situação e, até o último momento antes de morrer – se você conseguiu ver os vídeos que eles fizeram – até o último momento eles pediram que nós saíssemos, que não perdêssemos a fé, que Deus estava com eles e que saíssemos. E falhamos com eles.

Para Manola de Rubeis, há uma questão logística intransponível para defender os jovens que estão lutando dentro da Venezuela: o governo controla todas as comunicações. Quando as pessoas em solo venezuelano ficam sabendo do que ocorre, já é tarde demais para tomar qualquer atitude que mude o curso dos fatos.

Os de lá não sabiam… Nós no exterior sabíamos o que estava acontecendo, mas na Venezuela não porque não têm como saber. Eles vêem telenovela e vêem programas dos loucos narcotraficantes (do governo), eles vêem só os narcotraficantes falando, entende? O Mazo Dando, todos os programas estúpidos que eles montam, Maduro dançando, eles não vêem o que está acontecendo. Ou, como hoje, acaba de dizer Diosdado (Cabello) que os barcos americanos… que vinham barcos de ajuda e que os americanos os atacaram. Isso nem crianças acreditariam. O que acontece é que manipulam a ignorância e a fome, o estômago do povo. É o populismo que está matando.

 

A NECESSIDADE DE INTERVENÇÃO DO EXTERIOR

Num contexto em que o povo é manipulado pelo medo e pela fome, sem liberdade de comunicação, as reações possíveis da resistência venezuelana estão dando seus últimos suspiros. O que vemos pela internet frequentemente são campanhas da oposição a Maduro, o mesmo grupo que esteve no poder por 40 anos antes do chavismo e que é igualmente rechaçado pela resistência.

As pessoas poderiam ter ido às ruas, mas o chamado já não há quem faça porque te cortam a comunicação. A menos que uma pessoa pegue um microfone, se coloque na televisão, que segue sendo poderosa e faça o chamado. Como a gente vê em filme. Chega, toma o microfone, e diz: “todos às ruas”. Porque não tem outro jeito. Se eu disser no twitter, se outro disser, veja, o Óscar Pérez disse “saiam” e ninguém saiu. Então isso demonstra que não é suficiente, precisamos de vocês, precisamos de todos os países. Que não sejam cúmplices. Porque quem cala consente. Quem segue calando está buscando que aconteça consigo o mesmo.

No dia-a-dia, Manola diz que o venezuelano já vive uma espécie de Síndrome de Estocolmo. Empecilhos à realização de tarefas diárias, como comprar o básico para abastecer a casa, ser obrigado a esperar em longas filas para todo e qualquer assunto simples, ter o nome trocado por um número escrito no braço quando entra numa fila, substituir a escolha de consumo por um “Carnet de la Patria” (lista de compras permitidas, à moda cubana) acaba controlando a mente das pessoas. O sistema toma tanto tempo na rotina que a maioria se adapta à sina de trocar a dignidade pela sobrevivência: o ser humano se adapta.

O fato de que você tem um número, o fato de que você tenha o Carnê da Pátria, como Cuba, né? Para que você compre com isso sua ração. Mas se a gente era um país livre, que você comprava o que queria, tinha 4, 5, 6 tipos de maionese, 40 mil tipos de papel higiênico e agora as pessoas se vêem reduzidas a isso, claro que se acostumaram. Desgraçadamente! A mim me custa admitir, mas claro que se acostumaram. Porque você os vê nas filas. Eu não seria feliz numa fila. Eu não sei, eu não fico na fila nem para entrar no cinema. Se eu vejo que tem fila, eu já vou para casa. Então você não entende como eles podem fazer fila, como tem gente que morreu na fila, de calor, idosos. Para tudo tem que fazer fila na Venezuela. Isso não é normal.

Some-se ao caos que se transformou a realização das tarefas cotidianas mais simples a intimidação por emitir uma opinião ou comparecer a qualquer tipo de reunião ou protesto que desagrade o governo. É na vida diária, naquilo que parece desimportante, que não vira notícia, que as ditaduras conseguem controlar o povo. A combinação do medo com o estômago vazio é uma fórmula clássica na História para quebrar espíritos, fazer com que pessoas abram mão dos sonhos, da alma, do futuro. A vida passa a ser uma fuga e eterna solução de emergências.

E efetivamente perceba como se reduziram os protestos exatamente por isso. Porque alguém que tem de se ocupar de crianças, de comprar leite, de trabalhar e não tem trabalho. Outra coisa: eles intimidaram todas as pessoas que foram aos protestos e trabalham em instituições públicas. Não pode ir, te fazem assinar, ou seja, isso tem sido muito intimidatório com as pessoas que trabalham com eles, com o governo.

O ponto da crise humanitária que vive a Venezuela pode ser avaliado por qualquer família: chegou-se a algo que parece tirado da literatura de guerra sem que o país tenha sido atacado por nenhum inimigo externo, apenas por seus próprios governantes.

Estamos agora em um momento de crise humanitária tão grave, que eu não sei se você viu o que aconteceu recentemente, que as crianças são levadas aos orfanatos para que possam comer, entende? Então isso é algo que já estamos… Quando uma mãe entrega um filho porque não pode dar comida a ele, já creio que estamos diante de… algo grave, muito grave. Eu mato por um filho, não?

Existem mães que abandonam filho, são uma exceção tão aberrante que ganham capa de jornal quando o fazem. Se, num país de tradição cristã, as famílias têm optado por orfanatos como solução é pela mais absoluta certeza de que aquelas crianças não sobreviveriam de outra forma. Um povo que não consegue alimentar os próprios filhos conseguirá, sozinho, lutar pela própria liberdade?

 

O PRÓXIMO PASSO

Para Manola de Rubeis não há solução para a Venezuela que não seja acompanhada de intervenção internacional e, mesmo assim, a recuperação do país será demorada. Há toda uma geração debilitada pelo caos gerado pelo chavismo e pela inércia dos governos anteriores, que deram oportunidade para a ascensão do atual regime.

O próximo passo é que finalmente venha a intervenção e nos salve porque isso somente pode piorar. Temos de recuperar todo o dinheiro que foi roubado, temos de levantar a moral, a moral, sabemos que temos um cristianismo em nós que há que tornar a despertar, Deus existe, não perdemos a fé, mas também temos de retirar toda esta maldade que nos inculcaram. Essa distorção moral, pensar que é mais rápido matar você que trabalhar, pensar que é mais rápido uma arma que um livro. Eu não sei quantos anos vai levar isso, isso não vai ser fácil.

A oposição a Maduro que tem ficado famosa em todo o mundo é, em sua maioria, orquestrada pelos políticos da velha guarda, os herdeiros do antigo regime que se alternava no poder e desagradou tanto os pobres quanto a classe média. A volta deles, para a ativista, representaria um reinício do mesmo ciclo que levou a Venezuela ao ponto em que está hoje.

Porque um país, se tivesse tido 40 anos de educação, não se haveria enganado pela ignorância, não haveria chegado nunca a Chávez. Chávez chega por uma “meio” exigência popular e porque as pessoas de classe média queriam meio que se vingar desses políticos que se alternavam mas que não mudavam muito a situação. E veja que o que se passou foi um harakiri. Fizeram um harakiri, vamos fazer porque foi isso, vamos fazer algo drástico, né? Veja no que caímos.

Manola de Rubeis agradece muito toda a ajuda internacional que tem recebido. Muitos países, especialmente o Brasil, têm acolhido refugiados venezuelanos que fogem do regime de Maduro. Mas a ativista considera que o ideal é cada um viver no seu país, não ter de fugir para buscar uma oportunidade de vida.

Por isso é que pedimos aos Estados Unidos, ao Canadá, à Argentina, Chile, Brasil, Colômbia, que esperamos que está também em eleições, estamos em um momento de pedir a todos que se unam porque a união faz a força. Nós, como país, recebemos, agora estamos recebendo, recebemos a ajuda muito agradecidos, principalmente pela ajuda que dão aos que saem mas, mais importante que isso, é ajudar o país porque o ideal é que cada um viva no seu país.

Estados Unidos, Canadá e Chile já se manifestaram oficialmente a favor da resistência venezuelana. Dezenove dos 27 países membros da Organização dos Estados Americanos também entendem que não é possível outro tipo de solução. O governo brasileiro já teve de lidar diplomaticamente com a ameaça de Maduro de invadir países vizinhos. No entanto, até agora, nada de concreto foi feito.

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