Foi uma noite pornográfica no Congresso Nacional. No mesmo momento em que estamos atrasando e cortando tudo aquilo que importa para nossa vida, nossos filhos e nossos futuros, os políticos estão pensando nas campanhas municipais. Exército meio período por falta de verba, bolsas científicas cortadas, menos verbas para a educação, governo suando para pagar as contas, mas - tudo o que importa vem depois do mas - não dá para deixar de dar um aumento milionário no dinheiro que vai para os partidos fazerem campanha.
Foram 263 votos sim e 144 não. Uma votação pornográfica na calada da noite. Além do aumento milionário do fundo eleitoral, ele ganha outro uso: pagar advogado de político filiado ao partido. Também ficou determinado que o dinheiro devolvido por quem não quer usar o fundão será dividido entre os partidos que querem. Há deputados pedindo para Jair Bolsonaro vetar. Se for honesto, ele veta.
A história do aumento do fundão é uma comédia de erros que começa com as velhas raposas tentando dar um jeito de dinamitar a nova política.
Abrir mão do fundo partidário foi uma bandeira muito relacionada à moralidade nas eleições. Quando a discussão foi capitaneada pela esquerda, chegamos ao formato que proibiu doações de empresas como se fosse moralizador. Eu discordo, considero o oposto. A fase seguinte foi abrir mão do financiamento público e encontrar formas de financiar campanhas sem mexer com o caixa de um país de miseráveis.
O Partido Novo foi o primeiro a tomar a decisão de devolver o dinheiro do fundo partidário, atitude que passou a relacionar com moralidade. Janaína Paschoal foi a mais radical nesse sentido: não aceitou nem doações na própria campanha. Tirou R$ 40 mil do bolso e conseguiu a maior votação histórica de um parlamentar no Brasil, mais de 2 milhões de votos.
Avaliem o quanto as velhas raposas e os novos mamateiros da política amaram essa história de recusar o fundo eleitoral. Óbvio que estavam armando o bote, que foi dado nesta madrugada.
Os novos políticos que realmente são mais cuidadosos no uso do dinheiro público cometeram um erro estratégico capital: toleraram sem dar um pio a convivência com os mais sedentos pelo Fundo Partidário. Quem não se opõe cala e quem cala consente. É essa a leitura das velhas raposas, de que serão cúmplices ou trouxas simplesmente porque não ocupam o espaço que têm nem usam o poder que lhes foi delegado para defender de forma inequívoca seus princípios.
Paulo Guedes é o ministro mais querido pelos liberais, cujo partido de preferência é o Novo, o mesmo que não usa fundo partidário. E foi ele, o ministro da Economia, quem iniciou a bola de neve que terminou na votação de ontem no Congresso Nacional. O líder do Novo, deputado Marcel Van Hattem, explicou detalhadamente no twitter como um "erro de cálculo" da Receita Federal deu um aumento de mais de R$ 650 milhões ao fundão eleitoral.
Jair Bolsonaro havia dito no twitter que apenas seguiu o determinado num ofício do TSE mandado por Rosa Weber. Só não contou que as contas desse ofício foram feitas com base em informações mandadas pela Receita Federal e que essas informações, já reconhecidas como equivocadas pelo Ministério da Economia, levaram o cálculo a ficar mais de R$ 650 milhões acima do correto.
O Novo avisou Paulo Guedes, no que fez muito bem. No entanto, a correção não foi feita e a votação, com um polpudo aumento no fundo partidário, foi uma vitória para os partidos e uma derrota para o povo brasileiro. Não se engane pensando que há diferenças entre direita e esquerda nessa. Em fundo partidário, se o PT está sorrindo, o PSL também está. O partido do presidente da República receberá R$ 250 milhões e o segundo maior beneficiado é o Partido dos Trabalhadores.
Todo cidadão faz declaração anual de Imposto de Renda à Receita Federal. Difícil entender como o mesmo órgão que detecta erros de digitação de R$ 0,10 na documentação de cidadãos comuns pode errar em mais de R$ 650 milhões beneficiando os partidos.
Teria sido um erro mesmo? Teria sido armação? De quem? Pois é, além de informar Paulo Guedes da existência do erro, o Congresso Nacional poderia convocar os responsáveis para que se explicassem, faz parte dos deveres do Legislativo a fiscalização do Executivo. O Ministério Público também poderia agir da mesma forma que na era petista, vocalizando na imprensa de maneira feroz a estranheza com o "erro" da Receita Federal e tirando satisfações com as autoridades para oferecer explicações ao povo e responsabilização dos culpados.
Nada disso ocorreu. A tunga no bolso do povo brasileiro foi seguida por um estranho silêncio e uma enorme falta de vontade de apurar que conta esquisita é essa que beneficia tanto o PT e o PSL ao mesmo tempo.
Aqui você pode ver como cada bancada orientou a votação. O sim inclui, além de aumento no valor do fundo eleitoral em si, a possibilidade de pagar multas e advogados com ele.
Orientação
PpMdbPtb: | Sim |
---|---|
PT: | Sim |
PSL: | Não |
PL: | Sim |
PSD: | Sim |
PSB: | Sim |
PSDB: | Sim |
Republican: | Sim |
DEM: | Sim |
PDT: | Obstrução |
Solidaried: | Sim |
Podemos: | Obstrução |
PSOL: | Não |
PROS: | Sim |
CIDADANIA: | Não |
PCdoB: | Sim |
PSC: | Não |
NOVO: | Não |
PV: | Sim |
Ué, mas o PSL orientou não, assim como o PSOL, o Novo e a Rede. Pois é, Brasil, nesses tempos bicudos estamos aprendendo a reinvenção da negociação política. Uma deputada do PSL tem uma versão diferente dessa orientação. Ela, como diversos colegas, votou sim pelo fundão que transformará seu partido em um gigante e garante: a orientação veio da liderança, a portas fechadas.
Seja como for, fato é que os espertos venceram os bem intencionados. Ratifica-se mais uma vez o ditado infame que minha amiga Paula Rosiska nos lembra sempre: "enquanto houver otário, malandro não morre de fome".
Em política ninguém é apenas o que faz, todos são também aquilo que toleram.
Aqueles que abriram mão do fundo eleitoral sem combater de forma veemente os que aceitam deixaram o sinal de que queriam jogar para a galera mas não mudar as coisas realmente. Não creio que tenha sido a intenção deles, a maioria é de liberais, mas é assim que os oportunistas políticos lêem a palavra apatia: oportunidade. No final das contas, as velhas raposas e os novos mamateiros conseguirão mais dinheiro de fundo eleitoral exatamente da fonte dos honestos que calaram. Pela nova lei, quando o Novo devolver o fundo partidário, será dividido entre os demais.
Para saber como seu deputado votou na pauta do fundão, clique AQUI e verifique direto no site da Câmara.
Esquerda tenta mudar regra eleitoral para impedir maioria conservadora no Senado após 2026
Falas de ministros do STF revelam pouco caso com princípios democráticos
Sob pressão do mercado e enfraquecido no governo, Haddad atravessa seu pior momento
Síria: o que esperar depois da queda da ditadura de Assad
Triângulo Mineiro investe na prospecção de talentos para impulsionar polo de inovação
Investimentos no Vale do Lítio estimulam economia da região mais pobre de Minas Gerais
Conheça o município paranaense que impulsiona a produção de mel no Brasil
Decisões de Toffoli sobre Odebrecht duram meses sem previsão de julgamento no STF