Quando a gente pensa que o nível do debate político no Brasil chegou ao fundo do poço, invariavelmente descobre que ali há um subsolo. A campanha eleitoral deste ano tem sido marcada pela repetição de um gesto que povoou a infância dos anos 60, 70 e 80, a arminha com as mãos feita pelos que brincavam de índio e cowboy, de polícia e bandido. Não tenho a menor dúvida de que é um gesto repetido com a mesma seriedade e profundidade das crianças de tempos atrás.
É absolutamente deprimente que seja levado a sério por gente crescida, adultos pensantes que deveriam estar preocupados com a infinidade de mudanças necessárias em um país mergulhado numa crise econômica, institucional e moral. Mas, enfim, vamos fazer a arminha com a mão mesmo, que nos remete a um passado seguro em que éramos heróis do quintal, do quarteirão, resolvíamos tudo a golpe de frase feita e depois voltávamos para o aconchego do colinho de mamãe contar as vitórias ou lamber as feridas.
Agora, a infantilização da política está chegando ao nível do abismo, já que líderes reagem de forma cada vez mais constrangedora a tragédias da vida real que exigiriam de qualquer adulto um mínimo de maturidade. Confesso sinceramente: pensei não ser possível algo mais embaraçoso que a foto do candidato Jair Bolsonaro, milagrosamente vivo após um atentado covarde, fazendo o infantil sinal de arminha com as mãos no leito do hospital. Era apenas o começo. Viriam ainda as fotos da cicatriz, da colostomia e do conteúdo da bolsa de colostomia.
Como forças complementares no espectro político, o PT e o grupo de Jair Bolsonaro também são forças complementares na boçalidade da discussão política. Nos últimos anos, ambos os grupos se fortaleceram por meio de trocas de xingamentos, processos judiciais, cuspes, lacradas e agora um código de gestual infantil simulando armas. Já que um grupo tem a arminha de mão, o outro precisa ter coisa pior, não é? Pronto, surgiu o gesto de faca nas eleições.
O vídeo mostra o encontro de uma caravana de petistas com um grupo que promovia a candidatura do convalescente Jair Bolsonaro. Aqueles que estão no caminhão, na maior alegria, fazem gestos simulando um esfaqueamento assim que vêem os adversários. Difícil encontrar adjetivos para classificar o nível da prática política.
O filho de Jair Bolsonaro, Flavio Bolsonaro, resolveu alimentar o debate. Favorável ao sinal de arminha, é contrário ao de faca.
“Acredite se quiser, é isso mesmo que você acabou de assistir nesse vídeo. Petistas fazendo o sinal de faca para uma equipe nossa de voluntários que se encontrava ali na calçada, em Vilar dos Teles, no município de São João de Meriti, aqui no RJ. Qual o limite para a maldade e a insensibilidade dessas pessoas? Tá mais do que claro quem são os intolerantes. Meus amigos, daqui a pouco vocês vão decidir que Brasil vocês querem para o futuro. Está em suas mãos.” – diz o filho de Bolsonaro, candidato ao Senado.
A maior semelhança entre as forças envolvidas no debate do “sinal de arminha” x “sinal de faca” é sempre condenar o do outro e justificar o próprio, utilizando argumentos que exigem dos demais que esqueçam o passado dos líderes políticos que idolatram como deuses. Se Flavio Bolsonaro tem razão em uma coisa, é na última frase de seu vídeo: “Está em suas mãos”.
Um povo que segue como gado líderes políticos endeusados, que reagem de maneira absolutamente infantil e birrenta a toda e qualquer adversidade ou crítica, está ensinando aos políticos como aceita ser tratado. Eles aprendem rapidinho.