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No apagar das luzes de 2017, Michel Temer assinou o Decreto 9246/17, que tem esse nome aparentemente inocente, mas permite perdoar as penas não só de praticamente todo mundo condenado pela Lava Jato – inclusive evitar que devolvam o dinheiro conforme determinado judicialmente – mas também que se coloquem nas ruas condenados por atos como tráfico de pessoas ou tráfico de órgãos. Tutti buona gente.

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Pode, Brazyl? Claro que não. Nem no Império Romano, origem do instituto do indulto, onde ele era utilizado para a mesma finalidade do indultão do Apocalipse – política – se levava a cabo esse tipo de irresponsabilidade porque o tiro sai pela culatra. O presidentO é um dos constitucionalistas mais respeitados do país e sabe muito bem o que está fazendo.

A existência do instituto do indulto nas sociedades modernas, em que o sistema jurídico é custoso para as sociedades e é feito para agir dentro dos melhores padrões de garantia de direitos não deixa de ser esquisitíssima, mas ele está lá.  Segundo consta da petição inicial assinada pela Procuradora-Geral da República, as democracias adaptaram o que era exercido pelos imperadores romanos para uma fórmula de equilíbrio entre os Três Poderes:

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“O Presidente da República, Chefe do Poder Executivo, que não tem competência constitucional para legislar sobre matéria penal, e não pode extrapolar os limites da finalidade do instituto e da razoabilidade dos parâmetros a serem considerados no respectivo ato normativo, sob pena de incorrer em vício de inconstitucionalidade, como é o caso do Decreto ora questionado, que extrapolou os limites da política criminal a que se destina para favorecer, claramente, a impunidade, dispensando do cumprimento da sentença judicial justamente os condenados por crimes que apresentam um alto grau de dano social, com consequências morais e sociais inestimáveis, como é o caso dos crimes de corrupção, de lavagem de dinheiro e outros correlatos.”, argumenta Raquel Dodge, ao pedir à presidente do STF que suspenda imediatamente os efeitos do Decreto presidencial.

O BATOM NA CUECA

A Constituição Federal estabelece textualmente um limite para anistia de qualquer tipo, no art 5o:

“XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”.

Este limite é violado pelo indultão do Apocalipse e, conforme listado pela petição inicial de Raquel Dodge, a fronteira jamais foi cruzada anteriormente. O documento da PGR argumentando ao STF que o Decreto precisa ser sustado imediatamente é crivado de frases fortes – o que não é exatamente comum.

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A argumentação técnica neste caso bastaria: a fronteira da constitucionalidade não foi cruzada exatamente de maneira sutil, é como se tivessem entrado com um caminhão em um shopping center. Ainda assim, Raquel Dodge encontrou necessidade de deixar bem clara sua preocupação com os riscos à Lava Jato e com a extrapolação dos limites do pode do presidente da República:

“Não é dado ao Presidente da República extinguir penas indiscriminadamente, como se seu poder não tivesse limites.”

“A Lava Jato está colocada em risco, assim como todo o sistema de responsabilização criminal.”

“Não há dúvida jurídica de que o indulto é ato discricionário e privativo do Presidente da República, disciplinado no artigo 84, inciso XII da Constituição. (…) Todavia, discricionariedade não é arbitrariedade, pois esta não tem amparo constitucional, enquanto aquela deve ser usada nos limites da Constituição.”

“Em um cenário de declarada crise orçamentária e de repulsa à corrupção sistêmica, o Decreto 9246/19 passa uma mensagem inversa e incongruente com a Constituição, que estabelece o dever de zelar pela moralidade administrativa, pelo patrimônio público e pelo interesse da coletividade.””

A íntegra da Ação Direta de Inconstitucionalidade está aqui: ADI_IndultoDecreto9246_DF_peticao_inicial

Raquel Dodge pede especificamente uma decisão monocrática de Cármen Lúcia antes da volta do recesso para que não haja tempo de perdoar a pena de ninguém até que os demais ministros voltem de férias para que o plenário decida.

Não há um prazo específico para a decisão. Oremos.

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