“Não é só pelos 20 centavos”. A frase garantia que a primeira manifestação, em junho de 2013, organizada em São Paulo pelo Movimento Passe Livre, eclodia em função do aumento da tarifa de ônibus na cidade, mas tinha pauta mais ampla. Em dado momento se tornou tão ampla que o governo recuou do reajuste, mas as pessoas continuaram nas ruas.
O desejo de ruptura estava posto. A partir daquele momento houve uma mudança muito importante na forma como o brasileiro lida com o exercício da política e da cidadania: ir às ruas protestar contra alguém ou ações de políticos e instituições deixou de ser monopólio de sindicatos e partidos, passou a ser permitido na realidade do povo criado para acreditar que é pacato.
As passeatas foram arrefecendo à medida em que se tornavam mais violentas e com menos foco. Um fenômeno descrito constantemente como “uma minoria de vândalos” com rostos cobertos que “se infiltrava” nas manifestações e saía depredando tudo que visse pela frente. Eram os black blocs, fenômeno que intrigou policiais, políticos e analistas. Já naquele ano de 2013 o país percebia que havia mudado: era óbvio que algo restaria das Jornadas de Junho.
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Eu conversei com o escritor e analista político Flavio Morgenstern, autor do livro Por Trás da Máscara, que analisou de forma extensa as passeatas de 5 anos atrás. Ele não tem dúvidas de que foram definitivas para o destino do Brasil.
Eu digo que 2013 é o ano que não acabou simplesmente porque ele é definidor daquilo que aconteceria dali para a frente, ou seja, deste presente que nós estamos vivendo agora. Eu acho que 2013 é muito mais importante para ser entendido até mesmo do que 2015, com todas aquelas manifestações pelo impeachment, que definiram a política de hoje.
Flavio Morgenstern explica que é possível sintetizar em uma palavra a busca de todos os movimentos que estavam nas ruas nas Jornadas de Junho: ruptura. Eles não queriam a política como conhecemos, de horário eleitoral, de fazer proposta, discutir no parlamento, ter sistemas de freios e contrapesos, queriam apenas uma política de ruptura.
Você grita por algo, um slogan genérico, por exemplo, ‘queremos saúde’, ‘queremos educação’, ‘queremos segurança’ ou queremos qualquer coisa, mas você não define o que você quer. Com isso, você tem o poder concentrado, você não tem mais uma divisão de poderes. Você está vendo que, desde aquela época a Constituição de 88 não está mais dando conta da realidade brasileira.
Para o escritor, estamos vivendo um período pré-ruptura e ele entende que políticos experientes, como Fernando Henrique e José Sarney, além de jornalistas da grande imprensa já estão lidando com essa ideia, aposta que em breve será um fator comum de análise para toda a população. A ruptura quer dizer que as instituições brasileiras já não estão mais dando conta das necessidades e anseios da população.
Elas(as instituições) não são mais acreditadas. As pessoas estão esperando algo maior, melhor ou diferente, pelo menos e isso significa o nosso grande risco.
Flavio Morgenstern avalia que a Nova República pode estar no final, mas o que virá em seu lugar pode ser algo melhor e também pode ser algo muito pior. Para o escritor, é recomendável rever 2013 este ano.
Para quem o julga pessimista, cito uma passagem curiosa de Ulisses Guimarães. Quando reclamavam a ele da qualidade do Congresso Nacional, nos idos da década de 80, recomendava ao interlocutor que se contivesse porque a próxima composição seria pior. Na época, houve quem duvidasse.