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Manifesto do PT: golpismo, entreguismo e lavajatismo
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O Partido dos Trabalhadores lançou um “manifesto” durante a Semana Santa. Mais precisamente no dia do lava-pés, símbolo máximo da humildade, o PT lançou nas redes um texto em que se coloca como única alternativa para um desenvolvimento saudável do Brasil. Fosse possível simplesmente deletar tudo o que ocorreu de ruim nos governos petistas, principalmente a corrupção, diria que o PT de antes está de volta.

O texto é assinado por Lula, presidente de honra do partido, tratado como um coitadinho, um grande herói injustiçado do primeiro ao último parágrafo. Também assinam o texto a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann e os líderes na Câmara e no Senado, Paulo Pimenta e Humberto Costa. Estão de volta vários clichês e conceitos que mobilizavam multidões antes que ficasse provado que não passavam de um amontoado de palavras sem significado ou uso prático.

“Os donos da fortuna, os rentistas, latifundiários, representantes de interesses estrangeiros; os reacionários, preconceituosos e fundamentalistas que disseminam o ódio, a intolerância e o autoritarismo são os responsáveis por mais essa tragédia nacional.

O objetivo deles sempre foi claro: entregar a soberania nacional, nossas riquezas e potencialidades; destruir nossa capacidade de desenvolvimento autônomo; revogar as conquistas do povo, dos trabalhadores e da cidadania; acabar com a aposentadoria e os direitos dos idosos, trabalhadores do campo e das cidades; devolver o controle absoluto do Estado às classes dominantes, formadas em três séculos de escravagismo que fizeram do Brasil uma das sociedades mais injustas e desiguais do mundo” – diz o “manifesto do PT”.

Coloco “manifesto” entre aspas, recurso de linguagem do qual não gosto muito, porque não estou certa de que se trata de um manifesto mesmo. O PT abre a metralhadora giratória contra todos seus adversários, mas não faz uma única proposta.

Aliás, corrigindo, tem um parágrafo, o último, que deveria ser propositivo, mas é tão vago quanto o programa de governo de Jair Bolsonaro: “O PT está pronto para reconstruir, junto com o povo e com todas as forças democráticas, um Brasil melhor e mais justo, como vínhamos fazendo desde a redemocratização e especialmente a partir do governo Lula em 2003. Nossa gente já mostrou que é capaz de superar grandes crises. E a história comprova que isso só é possível quando há liberdade política e democracia plena”, diz o documento.

Depois da Operação Lava Jato, em que as relações mais que promíscuas entre a cúpula petista e diversos donos do capital foram escancaradas para todo o Brasil, não tenho nem adjetivo para essa tentativa de criminalização dos ricos.

Também só faltava o PT, que defendia até outro dia regulamentação governamental da mídia, num projeto à la Maduro, vir agora falar em democratização. É cínico falar em “devolver o controle do Estado às classes dominantes” como intenção dos adversários quando o governo petista chegou ao cúmulo de vender medidas provisórias de interesse justamente das classes dominantes e apenas delas.

A bagunça em que Jair Bolsonaro transformou o governo, seja pela atenção exacerbada que dedica a polêmicas sem nenhum sentido, seja pela total falta de capacidade de trabalho de muitos escolhidos para postos importantes, deu munição ao PT. “A anarquia institucional em que vive o país não é obra exclusiva de Jair Bolsonaro, embora ele tenha muito contribuído para isso por seu desapreço à democracia. A situação que vivemos é a consequência inevitável dos pequenos e grandes atentados à lei e à democracia que foram tolerados ou incentivados em nome de um combate à corrupção que, na verdade, era uma fracassada campanha de extinção do PT”, diz o manifesto petista.

Na narrativa petista, a origem de todos os males se chama Operação Lava Jato. Vários aniversários após sua criação, baleada mais pelo excesso de vaidade de seus integrantes que pelas críticas maledicentes de quem uma hora vai preso, a operação está no momento perfeito para que críticas colem nela. Envolvida com um acordo no Estados Unidos e uma conversa sobre criação de um fundo bilionário que ninguém entende direito, vira alvo.

À mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta, repetem inúmeros políticos diariamente trazendo à tona um dos episódios mais injustos da Antiguidade, o divórcio de Pompeia, que hoje seria prato cheio para um desses programas vespertinos. De qualquer forma, é uma verdade cruel que atravessa o tempo. Quem, como a Lava Jato, pela primeira vez na história desse país botou atrás das grades ricos e poderosos, não pode se dar o luxo de deixar a arrogância subir à cabeça.

Envolvidos também em polêmicas completamente inúteis, que não vão ajudar a prender um corruptozinho sequer, os procuradores sobretudo se colocam como alvos. O PT rapidamente saca do bolso a narrativa de que toda a operação foi feita apenas para destruir o partido, sendo que nem é ele quem tem o maior número de políticos presos. Pouco importam os fatos. A Lava Jato teria sido o ovo da serpente para que se produzisse um impeachment, se impedisse luz de ser eleito e se ganhasse uma eleição no tapetão.

“Hoje não restam dúvidas de que na raiz dessa grande crise está o movimento golpista que levou ao impeachmentsem crime de responsabilidade da presidenta Dilma Rousseff, em 2016, e à condenação, igualmente sem crime, do ex-presidente Lula, para impedir que ele fosse eleito mais uma vez pela maioria da população em 2018. Derrotados nas urnas, pela quarta vez consecutiva, golpistas atacaram a democracia, reconstruída em anos de luta, com sacrifício de muitas vidas”, diz o documento sem explicar como figuras do tipo Eduardo Cunha rodaram no mesmo samba.

Claro que tem uma parte especial do “manifesto” dedicada ao juiz Sérgio Moro, que pode ter saído da Lava Jato mas permanece sempre vivo nos corações petistas.

“A parcialidade de Sérgio Moro tornou-se indisfarçável quando o ex-juiz virou ministro do governo que ajudou a eleger por ter condenado Lula sem provas. A promiscuidade da Lava Jato com interesses econômicos e geopolíticos dos Estados Unidos ficou provada no acordo, até outro dia secreto, em que entregaram delações e falsas provas contra nossa estatal à Justiça de lá, em troca de R$ 2,5 bilhões para proveito pessoal e político dos procuradores”, diz o partido, explorando os flancos abertos de seus adversários.

O mais interessante do tal documento é que o PT, apesar de se colocar como partido político, não elege adversários entre os partidos políticos. Tenta, de uma maneira enviesada, a mesma movimentação que coroou de sucesso a candidatura Bolsonaro e tantas outras ao redor do mundo: se descolar e se diferenciar da política em si, colocando-se distante dos políticos e perto do povo.

Isso deu certo para muita gente e daria durante muito tempo se as pessoas fossem todas imbecis. Com o tempo, mesmo quem cai no canto da sereia percebe as reais intenções de quem torpedeia aquilo de que faz parte para parecer estar ao lado do povo, essa entidade tão simbólica quanto inexistente, em nome de quem todos os poderosos querem falar enquanto almejam calar os indivíduos.

É capaz que cole para os lulistas de primeira hora, para os petistas fanáticos, para todos os que são velhos o suficiente para se lembrar de quando o PT pregava a “ética na política” e propunha ser o diferente. Esse mundo já não existe faz tempo. Os jovens de hoje carimbaram o PT com a palavra establishment num grau em que até deputado que renova seus mandatos desde as Capitanias Hereditárias parece alguém que ameaça o sistema.

Fato é que a juventude cresceu tendo só o PT à frente da Presidência da República. Os jovens não viveram a época da hiperinflação, de chamar a Dutra de “rodovia da morte”, de não existir vaga para criança em escola, da era pré-SUS. Quando eles se deram por gente, isso tudo já era parte consolidada da realidade, como se sempre estivesse ali. O PT, o presidente, passou a ser o responsável por benesses que se julga existirem desde sempre e malefícios que ganharam as páginas policiais.

O “manifesto” do PT não reflete apenas a triste distância que o partido passou a ter das ruas e dos movimentos sociais, mas também seu envelhecimento.

É com clichês antigos, conceitos inverossímeis e afirmações descoladas da realidade que o PT quer voltar ao poder. No que depender das ações dele próprio, muito improvável que consiga. Mas não subestimem o faro petista, que já enxergou o nome e sobrenome de sua única chance: Jair Bolsonaro. Como fica claro no documento, com 18 parágrafos reclamando da realidade e 3 falando de propostas ou características do PT, aposta-se num crescimento por comparação.

A continuar a série de crises evitáveis acompanhada da pasmaceira e falta de atitude nos assuntos que exigem trabalhar, seja no Executivo ou em sua base no Congresso, o Partido dos Trabalhadores aparentemente espera se tornar uma alternativa viável para qualquer coisa. Apesar de quase ter quebrado o país e dilapidado sem dó o patrimônio público, pelo menos sabia fazer um processo administrativo e pagar conta de luz sem arrumar encrenca com os próximos aliados. Estamos diante do malufismo do século XXI.

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