Hoje se materializou aqui em São Paulo, muito perto demais da gente, o pior terror de uma família.
Se a morte de uma criança é chocante, ser baleada na escola, espaço seguro da rotina diária e do crescimento dos sonhos, é aquele pesadelo sobre o qual a gente não quer nem pensar.
Eram dois adolescentes os que simplesmente entraram atirando em outros meninos e meninas.
5 deles e uma pessoa que trabalhava na escola morreram. Há outros no hospital. Os atiradores se mataram quando a polícia chegou.
Para mim, pelo menos, o mais chocante é o preparo. Eles tinham diversas armas, diversos planos.
Não foi num rompante de raiva, num ato de loucura nem no descontrole que essa matança se organizou.
Esses rapazes se prepararam durante um tempo considerável. Conversaram várias vezes sobre o planejamento. Conseguiram as armas.
É um plano detalhado até chegar a essa barbárie e ninguém percebeu que ele estava sendo tramado nem conseguiu impedir.
Agora, muita gente vai falar daquilo que conhece e prefere, não do horror impossível de entender.
Vão discutir porte de armas, bullying, segurança nas escolas, policiamento, que tipo de limite dar aos filhos.
Tudo isso preenche o tempo e é menos doloroso que a pancada da realidade.
Muita gente enfrenta a dor fingindo que ela não existe e essa é a melhor forma de sofrer de novo.
Essa matança tem uma única raiz: a vida não vale nada.
A falta de valorização da vida é uma tônica no dia-a-dia e nos discursos da nossa sociedade.
Para alguns, há vidas que valem e outras que não valem. Para outros, como esses rapazes que atiraram, nenhuma vida vale, nem a deles próprios.
Quantas coisas são mais importantes que a vida na cabeça de um adolescente que entra atirando numa escola e depois se mata?
E a vida também não vale nada para quem falsifica relatório de risco de barragem, coloca meninos para dormir em contêineres, atenta contra a vida de quem tem ideologia diferente.
Se a ganância, a soberba, a arrogância, a vaidade e a sensação de poder são mais valiosas que a vida, ela está sempre em risco.
Quem tem fé, que ore pelos anjos que se foram e também pelas almas atormentadas que cometeram esse crime horrendo.
Num país onde 60 mil vidas são ceifadas com violência todos os anos, nossa tendência é discutir temas paralelos para evitar o desconforto, o medo, a sensação de impotência.
Pelo menos por hoje, não caia nessa tentação.
Te convido a viver a dor e tentar renascer por ela fazendo o dever de cada um de nós, cidadãos, nesse dia: lembrar que a vida é um dom precioso.
Pelo menos por hoje, tente identificar o que a rotina tem te feito colocar adiante daquilo que é mais importante na vida.
Pelo menos por hoje, tente identificar os gatilhos que te fazem sair do prumo de aproveitar a vida e te jogam numa espiral de tensão, belicosidade, nervosismo.
Pelo menos por hoje, diga para as pessoas que são importantes para você o quanto a vida delas é importante.
Pode parecer uma gota d’água no oceano, mas tudo tem um começo.
Arthur Ashe, um famoso tenista norte americano, primeiro negro a conquistar os maiores prêmios do seu esporte, dizia: “start where you are, use what you have, do what you can” – “comece onde você está, use o que você tem, faça o que você pode”.
Somente juntos nós saímos da escuridão.