Podemos estar diante da primeira peça legislativa que aborda a questão da violência contra a mulher a colocando como protagonista da própria história. Pelo menos é o que eu acredito: a deputada Janaína Paschoal pode ter virado a chave do raciocínio feito em torno das políticas públicas para mulheres, até agora feitas apenas para enxugar o gelo das injustiças que se empilham ao longo dos anos.
Infelizmente, essas medidas continuam necessárias. O presidente Jair Bolsonaro teve a coragem de sancionar esta semana uma das medidas mais importantes na área de violência doméstica: a medida protetiva de emergência dada pela delegacia. Cheguei a militar para que o presidente Temer sancionasse o PL 7, mas ele acabou cedendo às pressões contrárias e deixando as mulheres agredidas na mão.
É uma mudança tênue, que só percebe quem tem vivência na prática. Antes, a mulher pedia uma medida protetiva, na prática executada pela polícia, mas ela só poderia ser efetivada com a aprovação de um juiz. O juiz tinha prazo de 72 horas para deliberar – e alguns levavam meses. Enquanto isso, mesmo nos casos em que a polícia alertava para a urgência de proteger a mulher, nada podia ser feito. Muitas morreram.
Por incrível que pareça, várias instituições que se dizem feministas eram contra a medida. Cheguei a perder a paciência quando uma delas me disse que proteger a mulher emergencialmente, por deliberação da polícia era tirar direitos do agressor. Ora, a medida não é definitiva: o juiz tem um mês para deliberar se ela é mantida ou cai. O erro ao conceder a proteção é infinitamente menos danoso que o erro de demorar para conceder.
Há ainda o lobby das carreiras jurídicas, que reivindicam corretamente sua prerrogativa de decidir sobre medidas protetivas, mas não querem dar plantão e atender a mulher quando ela precisa: acham que a vida dá um pause e agressor só funciona dentro do expediente do Judiciário. Estivessem juízes dispostos a ir até a delegacia imediatamente deliberar sobre a medida quando a polícia julgar necessário, tudo bem, poderiam ter a palavra final. Acontece que não querem fazer isso.
Na prática, Jair Bolsonaro teve a coragem que Michel Temer, criador da primeira delegacia da mulher, não teve: dar instumentos legais para proteção imediata da mulher agredida, sem esperar a lentidão do Judiciário.
Medidas emergenciais como essa são, infelizmente, necessárias na nossa sociedade. No entanto, há que se construir paralelamente um cenário em que as mulheres mudem seu papel na sociedade, possam efetivamente sair da condição de vítimas para protagonistas da própria história. Creio que uma das primeiras e mais importantes medidas nesse sentido é o projeto de lei apresentado esta semana na Assembleia Legislativa de São Paulo prevendo ensino obrigatório de defesa pessoal.
A deputada Janaína Paschoal quer que, durante todo o Ensino Fundamental e Médio, pelo menos uma vez por semana todas as meninas tenham aula de alguma modalidade de luta corporal.
Não sei o que vão pensar as entidades que se dizem feministas. Quando Camille Paglia defendeu que as meninas precisam ser alertadas dos riscos que correm ao expor o corpo ou usar roupas sensuais, foi uma gritaria generalizada. Eu, sinceramente, não entendi. É óbvio que todo mundo tem o direito de se vestir como quiser, mas ignorar a realidade do mundo não vai proteger mulher nenhuma.
Da mesma forma, toda mulher tem o direito de não ser agredida nem ser forçada a se envolver em situações violentas. Só que isso acontece e as que aprendem a reagir minimizam as consequências quando são tragadas para a violência. O exemplo dado pela deputada é o da aluna Rhyllary dos Santos, lutadora de jiu-jitsu, que foi capaz não apenas de se salvar mas de salvar diversos colegas no massacre da escola em Suzano, região metropolitana de São Paulo.
A questão da violência contra a mulher, principalmente no ambiente familiar, começa pelo óbvio: a desvantagem física, que pode ser bastante minimizada com técnicas de defesa pessoal.
A ideia não é transformar o mundo em luta livre, mas em dar instrumentos para reagir a agressões que existem e são muitas. Além disso, eu creio que muitos desses casos poderiam simplesmente ser evitados caso houvesse o receio de uma reação eficaz por parte da mulher. Muitas agressões são fundadas na covardia, na certeza da desvantagem física e de propiciar o controle por meio da humilhação, dor, vergonha e culpa.
Se todas as mulheres forem treinadas para se defender, como matéria obrigatória na escola, o imaginário sobre a “vítima perfeita” muda. Não existe mais ali, disponível para ser o objeto de catarse diante das frustrações diárias e conflitos internos, uma vítima ideal, incapaz de se defender sozinha. A deputada é professora de Direito Penal, entende bastante de vitimologia. Quanto menor a chance de sucesso com aquele perfil de pessoa, menos se tenta a agressão.
Já trabalhei na Assembleia Legislativa de São Paulo e sei que até o prédio transpira machismo em cada tijolo. É praticamente um pecado ser mulher que não obedece. Adoram mulheres, inclusive as que têm poder, desde que abaixem a cabeça para algum cacique obedecido cegamente, desde que sejam as protegidas de alguém. Àqueles deputados caquéticos, com toda certeza o projeto é uma afronta e, aposto, vão tentar ridicularizar.
Espero que o Governo de São Paulo abrace essa ideia, que pode ser um marco no combate à violência contra a mulher. As aulas podem ser dadas até pelos próprios professores de Educação Física e já são uma realidade na maioria dos colégios da rede particular. Enquanto não fizermos esforços para tirar as mulheres da condição de vítima ideal, não vai ter delegacia da mulher que chegue para conter uma sociedade doente.
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