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Um caso de quase 20 anos atrás voltou ao cenário político porque o menino de 17 anos, vítima da tragédia que o deixou num mesmo dia sem mãe e pai, se tornou o senador mais votado pelo Estado de Alagoas e resolveu destoar do partido, negando apoio a um candidato à presidência da República.

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Rodrigo Cunha, do PSDB, decidiu declarar voto nulo em vez de seguir os colegas e apoiar Jair Bolsonaro. O candidato foi o único ficar contra a cassação do assassino da família dele, ex-deputado Talvane Albuquerque, condenado a 103 anos de prisão pelo crime.

Quando foi cassado, ele ainda não havia sido condenado ainda pelo crime e o assassinato não foi o motivo da cassação. A quebra de decoro foi motivada por vários fatos, como a proximidade com o matador, que incluía ter informação de intenção de assassinato de outros colegas e auxílio à família dele, coisas que o próprio deputado confirmou na Câmara.

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Segundo o relatório apresentado por Aloysio Nunes à época: “À luz do conceito de decorro que expusemos inicialmente, mais não é necessário para se concluir que houve sua quebra no caso que se examina. Não mantém o decorro o parlamentar que presta favores inexplicáveis a notório pistoleiro, auxilia que pessoas  de suas relações se furtem às ações das a das autoridades ou negocia com comerciantes ilícitos”. Ou seja, o que o próprio Talvane Albuquerque confirmou em seu depoimento.

O senador eleito divulgou uma longa “carta aberta aos alagoanos e brasileiros” justificando o posicionamento, que imediatamente foi ligado ao discurso feito em por Jair Bolsonaro contra a cassação do colega – que acabou cassado por 425 votos, como você vê no Diário Oficial da Câmara dos Deputados.

Esta é a carta do senador eleito Rodrigo Cunha na íntegra:

A política tem como função central gerar bem-estar e liberdade para as pessoas e não pode ser instrumento de propagação de guerras ideológicas desarrazoadas. 
Devemos buscar incessantemente a convivência harmônica entre o respeito à diversidade e a preservação da individualidade; entre a busca da liberdade e a construção da igualdade e entre o desenvolvimento econômico e a assistência social.
Infelizmente, a polarização política no Brasil ganhou contornos insustentáveis e aponta para a necessidade urgente de um agir comunicativo inovador e que promova pontes entre os cidadãos brasileiros.
Do lado do espectro ideológico à direita, vemos uma candidatura apoiada em discursos que se aproveitam da insatisfação da população para propor medidas extremistas que fragilizam a democracia.
Como todos sabem, fui vítima da violência, mas nem por isso me associei a uma linha de pensamento propagadora do extremismo como instrumento de pacificação e como meio ameaçador da convivência plural entre os mais diversos segmentos da sociedade.
De outro lado do espectro ideológico mais à esquerda, vemos uma candidatura que não conseguiu aglutinar as forças progressistas e democráticas do Brasil a qual insiste em rotas políticas viciadas e em não reconhecer erros partidários históricos.
Quero ser o Senador do diálogo e da mediação política. Quero ser o Senador que colabore decisivamente para o Brasil recuperar um centro político propositivo, construtor de políticas públicas progressistas e geradoras de uma cidadania de resultado para os alagoanos e brasileiros.
Nosso povo pode continuar a esperar de mim a mesma independência, transparência e equilíbrio na minha atuação política. Foram elas os alicerces na minha estrada da vida.
E são estes mesmo atributos que não me fazem sentir representado por nenhuma das candidaturas postas para governar o Brasil, as quais aguçam extremos políticos que não fazem bem ao nosso país. 
Por isso, minha orientação é que os eleitores procurem pesquisar e analisar cuidadosamente, buscando sempre a verdade, direcionando o voto de acordo com seus princípios e consciência.
Sigo firme em nome dos valores democráticos e confiante de que atuarei no Senado em defesa de Alagoas, do Brasil e com muita independência e diálogo com a população.

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Rodrigo Cunha

Em nenhum momento o senador eleito cita o nome de Jair Bolsonaro, mas é nesse trecho específico que justifica por que não apóia a candidatura: Como todos sabem, fui vítima da violência, mas nem por isso me associei a uma linha de pensamento propagadora do extremismo como instrumento de pacificação e como meio ameaçador da convivência plural entre os mais diversos segmentos da sociedade.

A mãe do senador eleito, Ceci Cunha, era uma figura política importantíssima do Estado de Alagoas. Tucana, cotada para vice-governadora, foi eleita deputada federal. Em 16 de novembro de 1998, quando preparava a festa de sua diplomação na casa do cunhado, em Maceió, a família foi vítima de uma chacina, que se tornou um dos crimes mais famosos da história policial brasileira. Morreram a deputada Ceci Cunha, seu marido Juvenal Cunha da Silva, o cunhado Iran Carlos Maranhão pureza e a mãe do cunhado, Ítala Neyde Maranhão.

Em janeiro de 2012, Talvane Albuquerque foi condenado a 103 anos e 4 meses de reclusão como autor intelectual do crime. Segundo a investigação, ele não se conformava em ter ficado como primeiro suplente e decidiu matar um deputado para assumir a vaga – o que efetivamente ocorreu até a cassação. Outras pessoas que participaram do crime, entre eles assessores do deputado, também foram condenados a penas altíssimas: Jadielson Barbosa da Silva e José Alexandre dos Santos foram condenados a 105 anos; Alécio César Alves Vasco, a 86 anos e cinco meses; e Mendonça da Silva a 75 anos e sete meses.

A Polícia Federal dizia na época que o primeiro alvo do assassinato era o deputado Augusto Farias, irmão de PC Farias, mas ele teria descoberto as intenções de Talvane Albuquerque. Este teria partido então para uma outra solução, matar outra deputada e mais 3 pessoas da família.

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Em 20 de março de 1999 o deputado prestou depoimento à comissão que foi formada para avaliar se ele havia ou não cometido quebra de decoro. Ele não admitiu ser responsável pelo assassinato de Ceci Cunha e seus familiares, mas admitiu muitas coisas, como mostram os arquivos da Câmara dos Deputados.

O DEPUTADO TALVANE ALBUQUERQUE ADMITIU QUE MANDAVA DINHEIRO PARA A FAMÍLIA DO MATADOR DA DEPUTADA CECI CUNHA, CHAPÉU DE COURO

O SR. RELATOR (Deputado Aloysio Nunes Ferreira) – Apenas uma outra pergunta voltando ao personagem Chapéu de Couro. O Senhor chegou amandar algum dinheiro para ele na casa da irmã dele em Arapiraca?

O SR. DEPUTADO TALVANE ALBUQUERQUE NETO – Na casa da irmã dele não. Na realidade, a mãe dele precisou de algum dinheiro que foi passado por alguém para ela. A mãe dele me pedia sempre dinheiro, mas uma quantia pequena, de 300 a 400 reais.”

Confira o vídeo em que o deputado Talvane Albuquerque confirma que sabia da intenção do pistoleiro Chapéu de Couro de assassinar o deputado Augusto Farias, mas deliberadamente optou por não avisar o colega porque ele próprio, Talvane, seria o único que poderia ter interesse no crime:

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TRECHOS DAS RESPOSTAS DO EX-DEPUTADO TALVANE ALBUQUERQUE ÀS PERGUNTAS DO EX-DEPUTADO MORONI TORGAN EM 19 DE MARÇO DE 1999:

“Tem uma parte do telefonema que ele diz assim: como é, vamos matar o careca? E aí eu fico realmente sem saber qual careca ele tá se referindo e se… O assunto me parece também estranho porque esse telefonema foi que, foi mais ou menos novembro, tal. Aí eu digo: que careca? Ele diz: o Augusto. Eu digo: não, que é isso? Isso eu me lembro perfeitamente que ele usa o termo Augusto, que ele usa esse nome. Este é um dos trechos da conversa que foi cortado.” – Talvane Albuquerque, em depoimento, reclamando que as gravações telefônicas que forneceu foram adulteradas

Talvane Albuquerque admite que foi avisado da intenção de assassinato do deputado Augusto Farias, mas não notificou a intenção de cometer o crime às autoridades responsáveis.

Moroni Torgan – Agora, me diga uma coisa, claro que assim que recebeu de Chapéu de Couro a informação de que ele mataria o Augusto Farias, o senhor imediatamente ligou para o Augusto para avisar.

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Talvane Albuquerque – Claro que não fiz isso. Primeiro porque o Chapéu de Couro é uma pessoa de alta periculosidade. E, depois, se o interesse era matar o Augusto para que eu tivesse uma vaga de primeiro suplente, se eu não quisesse matá-lo, ninguém iria matá-lo. Não havia necessidade de me meter numa confusão tão grande como essa. Preferi ficar calado.

Moroni Torgan – Alguém lhe dá o aviso de um crime e o senhor prefere ficar calado?

Talvane Albuquerque – Deputado Moroni Torgan, se alguém vai procurar o senhor e mande me assassinar e só o senhor tem interesse nesse assassinato, se o senhor não o fizer, ninguém o fará, não havia razão para preocupação.

Moroni Torgan – Então o senhor tinha interesse nesse assassinato?

Talvane Albuquerque – De forma nenhuma. 

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Talvane Albuquerque foi quem disse à Câmara dos Deputados ter ciência de que Chapéu de Couro era um criminoso perigoso e confirmou ter relações com a família dele, apenas alegou não saber que ele estava com prisão preventiva decretada quando os dois se encontraram.

Talvane Albuquerque – Não sabia que ele tinha prisão preventiva decretada. Sabia que ele era um bandido. 

Moroni Torgan – O senhor nunca teve curiosidade de perguntar para a família por que é que ele fugia para outro canto? 

Talvane Albuquerque – Eu só tinha visto o Chapéu de Couro uma vez em 90, há 9 anos atrás, e fui vê-lo em 98. Portanto era uma pessoa que nem… Não ocupava nenhum espaço na minha memória. 

Moroni Torgan – Porque é que o Jadielson estava tão íntimo assim do Chapéu de Couro conforme o telefonema mostra? 

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Talvane Albuquerque – Aí só inquirindo o Jadielson, não sei responder sobre isso.

Moroni Torgan – Mas ele era seu assessor, perto do senhor, não era? 

(…)

Moroni Torgan – Diz assim: Jadielson confessou que comprou dois coletes à prova de balas trazidos do Paraguai de Índio, contrabandista de armas de Arapiraca. Os coletes tinham sido enterrados em um terreno baldio – na página 28 do relatório – por Jadielson depois que o deputado Talvane pediu que fossem jogados fora.

Talvane Albuquerque – Jamais pedi isso a ele e, pelo que eu tenho conhecimento, jamais foram comprados coletes. Inclusive, no depoimento que ele deu à polícia, ele disse que jamais foram comprados coletes. 

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Menos de 20 dias depois, em 7 de abril de 1999, o mandato de Talvane Albuquerque foi a julgamento, em voto secreto, no plenário da Câmara dos Deputados. Ele próprio não apareceu para se defender. Ninguém do nanico PTN se arriscou. Nenhum colega de Alagoas assumiu a defesa do conterrâneo. Apenas o deputado Jair Bolsonaro pediu o microfone para fazer a defesa do mandato de Talvane Albuquerque. Abaixo, o vídeo com a gravação completa da fala e o texto completo transcrito pela Câmara dos Deputados:

Michel Temer – Vai se passar à votação da matéria

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Jair Bolsonaro – Sr. Presidente, se regimentalmente for possível, desejaria falar alguns minutos contra o relatório.

Michel Temer – Vossa Excelência pode ser inscrito para encaminhar a votação contrariamente ao parecer. Portanto, tem Vossa Excelência a palavra, para encaminhar contrariamente.

Jair Bolsonaro – Sr. Presidente, em toda minha vida parlamentar não conversei por mais de dez segundos com o deputado Talvane Albuquerque. Não tenho absolutamente nenhum contato, nenhum grau de amizade com sua Excelência, mas fico com minha consciência pesarosa de votar pela cassação desse parlamentar, porque amanhã qualquer um de nós pode estar no lugar dele. 

Conversei com dezenas de parlamentares que pensam da mesma maneira e nenhum falou com convicção que sua Excelência seria o mandante do crime. Se bem que, segundo o relator, não estamos discutindo o mérito dessa questão, mas sim o contato do deputado Talvane Albuquerque com Chapéu de Couro. Pelo que me consta, a não ser que ele seja maluco, Chapéu de Couro não prestaria depoimento em um processo se tivesse consciência de que havia prisão preventiva decretada contra ele ou se fosse um foragido da Justiça.

Sr. Presidente, é mais do que uma cassação de mantado. Praticamente estamos condenando o deputado Talvane Albuquerque por ser o mentor ou autor do assassinato de uma companheira – e não concordo com o assassinato de ninguém nesta casa; estamos condenando sua Excelência por ter tido contato com um cidadão, um elemento que foi marginal no passado e que, pelo que me consta, tinha livre trânsito pelo Brasil. Mas quem aqui nunca teve contato ou conversou com um marginal? 

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Se falamos em conversa cifrada – fugiu-me agora a palavra -, meus companheiros, temos de nos lembrar que há alguns meses assistimos, no Senado Federal, a um depoimento de autoridades do Executivo, com uma fita gravada, também com palavras cifrada, envolvendo a venda de estatais. Mais grave do que conversar com marginal é conversar com marginal de colarinho branco!

E é para isso que peço a atenção dos meus companheiros. E peço aos meus eleitores, que me ouvem através da TV Câmara, que, por favor, me entendam: não estou defendendo um marginal nem quero acusar um inocente de absolutamente nada; esta é apenas a minha posição. E eu não poderia dormir em paz se não falasse neste momento por alguns minutos.

Era o que eu tinha a dizer.

Pedi um comentário sobre o discurso à equipe de caMmpanha do deputado Jair Bolsonaro já que, embora a posse do filho de Ceci Cunha e sua negativa de apoio sejam recentes, a posição contra a cassação de Talvane Albuquerque tem quase 20 anos, tempo em que as pessoas podem mudar muito. Perguntei especificamente: Jair Bolsonaro se arrepende de ter defendido Talvane Albuquerque? Ainda não obtive resposta. Assim que for respondido, será postado.

Nesse périplo, o presidente do PSL em São Paulo, senador eleito Major Olímpio, fez a gentileza de me enviar seu comentário pessoal sobre o fato, que reproduzo aqui:

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“Não posso emitir juízo de valor pois só tomei conhecimento do caso agora por vcs, mas pelo visto a polícia e a justiça esclareceram e condenaram o tal talvane como mandante dos homicídios. Meu lamento e orações pelas pessoas executadas e minha solidariedade aos familiares das vítimas” – comentou Major Olímpio.