Jair Bolsonaro reagiu ao comportamento dos demais presidenciáveis, que já não o poupam de críticas duras mesmo sabendo que está se recuperando de um atentado do qual escapou de forma milagrosa. No debate da Record, apanhou tanto quanto Fernando Haddad, que estava ali para se defender.
Em sua conta no twitter, o candidato do PSL reclamou: “Em minha presença, evitaram fazer perguntas a mim e me trataram com cordialidade. Na minha ausência, forçada por orientação médica pois tomei uma facada de um militante de esquerda, não param de falar meu nome e mentiras a meu respeito. Covardia ou cinismo? Bom dia a todos!”
Dizem que homens, quando lembram de relacionamentos passados, romantizam as partes boas e esquecem as ruins. Deve ser verdade. Porque eu, quando lembrava dos debates da Band e da Rede TV, dos quais Jair Bolsonaro participou, não tinha essa memória de cordialidade ou de candidatos evitando fazer perguntas a ele. Talvez fosse maldade da minha parte ou traição da memória. Resolvi pesquisar.
A primeira pergunta dos debates presidenciais em 2018 foi feita por Guilherme Boulos. Ele foi sorteado e poderia escolher quem quisesse, entre todos os candidatos. Escolheu Jair Bolsonaro. Deu uma aula de cordialidade:
“Deputado Bolsonaro, o Brasil todo sabe que você é machista, racista, homofóbico, mas tem coisa que muita gente não sabe: você, em 27 anos como deputado, ficou 10 anos no partido do Paulo Maluf, tem mordomias, recebeu auxílio-moradia tendo casa, comprou 5 imóveis. Fez da política um negócio em família, com um monte de filho também no mesmo esquema que você. Bolsonaro, queria saber uma coisa e acho importante também que o Brasil saiba: quem é a Val, Bolsonaro?”– perguntou Guilherme Boulos.
A réplica e tréplica foram ainda mais cordiais. Bolsonaro nem utilizou o tempo todo porque não queria continuar falando com o adversário. Foi a única vez em que isso ocorreu nos debates presidenciais.
“O Bolsonaro representa a velha política corrupta, as velhas práticas. Recebeu auxílio-moradia tendo casa, aliás, tem a proeza de, em 27 anos, aprovou 2 projetos e conseguiu comprar 5 imóveis, mais imóveis do que projetos. Você não tem vergonha, Bolsonaro? Veja, auxílio-moradia com 6 milhões de famílias sem casa no Brasil. Você não tem vergonha disso?” – disse Boulos na réplica.
“Eu teria vergonha se estivesse invadindo casa dos outros, né? Auxílio-moradia tá previsto em lei, se é imoral, é outra história. Imoral é você fazer o que você faz. Agora, eu não vim aqui, desculpa, para bater boca com um cidadão desqualificado como esse daí. Obrigado, Boechat, pode passar para a outra pergunta aí.” – foi a tréplica de Bolsonaro
No mesmo debate, o da Band, Jair Bolsonaro também tomou uma invertida do Cabo Daciolo quando tentou criar uma identidade com o adversário, que também é militar, levando a conversa para o lado dos valores morais, ao condenar aborto e uso de drogas. Escorregou quando atribuiu a si próprio um pouco mais de valor do que pode admitir um cristão puro fogo, como o cabo do Corpo de Bombeiros.
“O único que pode romper essa barreira, o establishment, a máquina, o sistema, é Jair Bolsonaro” – disse o candidato, falando de si na 3ª pessoa.
“Não é o único não, irmão. Eu tô aqui. Nação brasileira, nós estamos aqui e vamos transformar a nação brasileira para honra e glória do Senhor Jesus. Agora, lembrando: cuidado com esses políticos que já estão há anos na nação. Eu até acredito que, num futuro bem próximo, já tá na hora de encostar. Eles são o espelho do que nós estamos vivendo hoje com a nação brasileira, é o reflexo. É simplesmente os culpados, parte de culpados, que estão conosco aqui. Vamos transformar. Chega! Dar oportunidade para o novo. O momento é o novo. Vamos transformar a nossa nação.” – rebateu Daciolo.
No outro debate do qual Jair Bolsonaro participou, o show de cordialidade prosseguiu. E as pancadas mais fortes vieram justamente de quem não costuma desferi-las: Henrique Meirelles e Marina Silva. O candidato do PMDB escolheu Jair Bolsonaro como debatedor para fazer a seguinte pergunta cordial:
“Candidato, no último debate o senhor mencionou que estaria revendo sua posição de que mulheres deveriam ganhar menos do que homem. Eu fui ler o seu plano de governo e não tem nada disso lá. A minha pergunta é o seguinte: em que candidato nós devemos acreditar, o candidato do debate ou o que está escrito no plano de governo? Ou o senhor não leu seu plano de governo?” – foi o nível de cordialidade de Henrique Meirelles.
E foi também nesse debate, que tinha o palco em formato de ringue, que houve um embate classificado de agressão por eleitores de Jair Bolsonaro: contra a corpulenta Marina Silva que avançou para cima do capitão do Exército e quase ameaçou interrompê-lo. Muitos fãs de Bolsonaro passaram dias dizendo que ela foi agressiva, temendo que o militar ficasse com medo ou algo parecido. Agora o mal entendido está desfeito: era cordialidade.
“Você acha que pode resolver tudo no grito, na violência. Nós somos mães, nós educamos os nossos filhos. A coisa que uma mãe mais quer é ver o filho ser educado para ser um cidadão de bem e você fica ensinando para o nosso jovem que tem que resolver as coisas é na base do grito, Bolsonaro? Você é um deputado, você é pai de família.” – disse Marina Silva.
Para mim, a afirmação feita por Jair Bolsonaro sobre os debates passados “Em minha presença, evitaram fazer perguntas a mim e me trataram com cordialidade” parece um pouco distante da realidade. Quero crer que o candidato não mentiu nem torceu a realidade para fazer o caráter de seus adversários parecer pior do que é e se colocar como vítima de uma situação inexistente. Não, um deputado com tantos mandatos jamais seria capaz disso.
Levantei 3 hipóteses pelas quais Jair Bolsonaro descreveria algo tão distante dos fatos recentes que o país inteiro presenciou:
– Ele perdoa muito rápido e eu tenho o coração de pedra, por isso ele lembra das cordialidades e eu das pedradas.
– Depois dos 60 a memória não ajuda muito – tanto é que o candidato até escrevia lembretes na mão para o debate.
– Quem tem muita ex-mulher não deve ter memória boa demais, convém esquecer os detalhes mais dolorosos.