Nunca antes na história desse país se foi tão longe na falta de respeito com as Forças Armadas. E, quem diria, com a bênção do presidente da República que mais se fiou no prestígio que a farda confere para garantir boa parte de seus votos. Com uma publicação em português rudimentar nas redes sociais, o presidente Jair Bolsonaro deixou claro que está ao lado dos olavetes e quer que os militares simplesmente engulam a seco a pior campanha já feita contra eles.
Não vou nem entrar no mérito da mentira pura e simples do revisionismo histórico. Em 1991, o guru Olavo de Carvalho ainda era lulista, o próprio Jair Bolsonaro confessava ter votado em Lula e, contrariando todas as expectativas, não cansava de elogiar Hugo Chávez aos quatro cantos, inclusive na imprensa.
O post dizendo que o guru radicado nos Estados Unidos tornou-se “um verdadeiro fã” para muitos é a maior passada de pano já dada por uma autoridade em um ataque contra o próprio governo. Jair Bolsonaro, que já havia condecorado Olavo de Carvalho com a Ordem do Mérito do Rio Branco, uma das maiores honrarias do país, agora o elogia publicamente e minimiza a mais absoluta falta de respeito que o cidadão tem com as nossas Forças Armadas.
O presidente da República, representando todos os brasileiros, espera que a nação simplesmente esqueça a baixeza dos ataques que a “House of Carguinhos” tem sistematicamente feito contra os militares. Pode parecer que se trata apenas de covardia, mas é uma escolha. Minutos após a postagem, o guru voltou a postar nas redes sociais ofensas contra os generais que são a bola da vez em sua seita política.
Após a postagem em que Jair Bolsonaro diz esperar que os ataques aos militares “sejam página virada por ambas as partes”, o guru voltou a postar ofensas contra os militares. Não precisa respeitar nem o presidente da República, está acima dele para a seita política que lidera.
Aqui não estamos falando de divergências, como quis minimizar o presidente da República, mas de xingamentos chulos contra o general Santos Cruz e de um deboche anal sobre a deficiência física do general Villas Boas. Por mais absurda que pareça a movimentação, atirar em quem tem autoridade pela biografia consolida a liderança do guru, que não tem nenhuma experiência prática a favor do Brasil para ostentar.
Negar tudo o que seja constituído por instituições, dizer-se anti “establishment”, é um recurso corriqueiro de todas as seitas religiosas no mundo. Trata-se de uma tática importante para legitimar o guru que não tenha nenhuma trajetória profissional, política ou pessoal que justifique uma posição de liderança. Também dá a sensação de superioridade desejada aos seguidores que partilham da mesma falha, a de não ter construído biografia.
Converter frustação em ódio é uma arma importante para manter ativos e fiéis os seguidores do guru dos Estados Unidos. Mas será que isso ajuda o governo Bolsonaro?
De um lado temos dois generais de biografia e fama irretocáveis. O General Santos Cruz tem a Medalha Militar de ouro com passador de platina, honraria rara, dada a quem completa 40 anos de serviços prestados. Passou à reserva em 2012 e teve de ser colocado de volta à ativa em 2013 porque a ONU pediu que pudesse liderar os 23 mil militares das Forças de Paz no Congo – seu sucesso à frente da Força de Paz no Haiti, tão difícil que levou comandantes ao suicídio, o credenciou para o posto.
Não estranha que o currículo de vendedor de loja e estudante aos 35 anos de idade, apesar de desfrutar de todas as benesses da vida de filho de coronel do Exército, tenha sido considerado insuficiente pelo general Santos Cruz para integrar a Secretaria de Comunicação da Presidência, que conduz atualmente. Mas atirar em Léo Índio, primo, irmão e camarada de Carlos Bolsonaro, o mais problemático dos filhos do presidente, foi fatal para que o guru mobilizasse seus seguidores contra o general e, por consequência, contra o próprio governo. Jair Bolsonaro lavou as mãos.
Se o capitão passou o pano, o general Villas Bôas, assessor do Gabinete de Segurança Institucional da presidência da República, resolveu defender o governo que, queira o presidente ou não, é o “establishment”.
A postagem do general parece um adulto entrando na sala onde as crianças fazem bagunça, é uma tentativa de mostrar que o governo, ao contrário do presidente e dos seguidores do guru radicado nos Estados Unidos, já saiu da 5a série C faz tempo e tem quadros qualificados para resolver os graves problemas de todos os brasileiros. Aqui não falamos só de cargos, falamos de poder. General não se agacha com medo de ataques infantis, capitão talvez.
A movimentação do presidente da República, que optou por defender um guru agressivo a defender o staff de seu próprio governo, dá poder a quem? Sim, ao guru. E é por isso que ele acelerou nas críticas contra os militares, sabe que não precisa mais respeitar Jair Bolsonaro, obteve uma rendição ao seu poder. Com os generais, o papo tem sido outro.
Como os chiliques rancorosos não amedrontaram os generais, o guru radicado nos Estados Unidos iniciou outro movimento: exigir um pedido de desculpas públicas. Quer uma saída honrosa para o imbroglio em que se meteu.
Olavo de Carvalho pode ter tido uma vida conturbada e ter zero trajetória profissional ou acadêmica, mas é um homem muito inteligente e que sabe se proteger. Já percebeu que não pode contra os generais, ainda que tenha dobrado o presidente, controlando os corações e mentes daqueles que lhes são mais caros, os filhos. Por isso lança mão de um mecanismo que fez muita gente se render depois de covardemente atacada: exige desculpas públicas como troca para um cessar-fogo.
No caso, inventa-se uma história qualquer, já que não há razão para pedido de desculpas. O guru se vitimiza: finge que não iniciou ataques porque queria um quinhão a mais de poder, mas estava apenas reagindo a ataques despropositados de seu alvo. Na realidade, os ataques nem precisam existir, serão legitimados como verdade pela massa sedenta de uma válvula de escape para a agressividade estimulada diariamente.
Fossem as pessoas que tiveram suas vidas devassadas pelos seguidores do guru, seria uma loteria saber quem se dobra. Muitos, depois de receber ameaças de morte e ter sua vida profissional revirada do avesso, encontram no pedido de desculpas uma rendição. Em seguida, são alçados do inferno ao céu pelo guru, que reconhece sua grandeza e, por consequência, determina que isso seja feito por seus seguidores, que passam a ajudar quem derrubaram.
A tática do pedido de desculpas não vai funcionar com dois dos generais mais respeitados do Brasil. Quem liderou tropas de milhares de homens não se rende a chilique. O problema é que Jair Bolsonaro se alinhou com o chilique.
Em janeiro, Jair Bolsonaro chegou a dizer que, não fosse o general Villas Bôas, não teria chegado à presidência da República. Os dois têm uma relação pessoal e de respeito muito importante, que pode ter sido jogada ao ralo quando o presidente decidiu elogiar um guru que havia acabado de debochar da doença degenerativa do militar.
Diante da falta de preparo do capitão para o comando e das escolhas sofríveis de gente despreparada para o governo, desprezar os militares, que têm preparo e experiência, não parece ser a melhor política a se fazer. Jair Bolsonaro se colocou em um ponto crucial do próprio governo ao se alinhar aos olavetes contra os militares. A pergunta que não quer calar é: de que lado fica o Brasil?
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