(ab. je.to)
a.
1. Que é desprezível, baixo, vil, ou que revela baixeza, torpeza etc. (pessoa abjeta; atitude abjeta).
sm.
2. Indivíduo desprezível, ignóbil, baixo, vil
[F.: Do lat. abjectus, a, um.]
Qual é o problema de dar às coisas o nome que elas têm? Thiago Pavinatto, doutor em direito, fez essa provocação e chocou justamente aqueles que, da boca para fora, se dizem contra o politicamente correto.
Todos nós temos uma porção escura da alma, freada pelos princípios e pela natureza gregária dos seres humanos. Há, no entanto, quem não tenha tanto amor assim por princípios e imagine um mundo ideal em que pode vomitar barbaridades à vontade, mas todos são condescendentes consigo. Como separar os dois tipos de natureza humana?
Aprendi em Angola uma sabedoria das sociedades que já foram ao limite do esgarçamento humano e moral. A guerra dá às pessoas olho clínico para dividir o bem e o mal.
Há apenas dois tipos de pessoas: as que vivem bem no caos e as que vivem bem na paz.
O primeiro tipo trabalhará incessantemente para promover o caos por onde passe, é assim que progride. O segundo tipo trabalhará para a harmonia, é dessa forma que progride.
Nossa convivência com quem impõe a própria agressividade aos demais beira a irresponsabilidade em tempos de redes sociais. A frase "don't feed the trolls" virou um axioma talvez porque acomode a covardia, o medo e a preguiça que temos no espírito. É aquele pensamento mágico de que os problemas se solucionam quando esquecemos que eles existem. Não precisa ser um gênio para saber como esse tipo de história termina.
Não temos duas almas, duas consciências, duas vidas, dois padrões morais, um para as redes sociais e outro para a convivência presencial. Existem almas apodrecidas que chegam a dizer que a internet existe para xingar. A internet existe para conectar e, nesse espaço, cada um dá o que tem.
A forma como lidamos com as nossas frustrações e ressentimentos muda na dinâmica das redes sociais. As plataformas são desenhadas para manter cada usuário o máximo de tempo possível logado e fornecendo dados, que são a base financeira do negócio. As estratégias utilizadas são científicas, vêm da neuropsicologia e são muito semelhantes àquelas aplicadas nos cassinos. Só que, na internet, é possível operar com dois sentimentos que causam muito engajamento: ódio e medo. O modelo de negócio favorece os mercadores do caos.
A grande questão é por que toleramos na internet comportamentos absolutamente abjetos que são rechaçados presencialmente? Por que não admitimos que uma pessoa faça algo presencialmente mas somos condescendentes quando ela faz via internet? É dessa forma que os comportamentos abjetos são normalizados e o limite do que é aceitável vai se expandindo de forma perigosa.
A forma como lidamos com a discordância num mundo civilizado é aprender sobre o ponto de vista diferente do nosso e aceitar que cada ser humano é único. Os seres abjetos, na discordância, ameaçam a família dos outros, assediam a mãe, vão atrás dos filhos, inventam histórias malucas para prejudicar a pessoa, se juntam em bando para promover xingamentos, fazem campanha pedindo demissão de pessoas, comportam-se de maneira absolutamente antissocial e não têm recebido o freio adequado dos demais. Talvez estejamos paralisados por esse fenômeno e precisamos acordar.
Quando chegamos ao ponto em que seres abjetos têm orgulho de manipular redes sociais para promover o caos na vida dos outros, vamos normalizando a barbárie. E essas pessoas terão cada vez mais sede de agressividade. Não irão apenas subir o tom, vão começar a pensar que podem atravessar os limites também presencialmente.
O episódio bizarro de ataque contra Monica Waldvogel é didático sobre a perda de limites. Um frequentador de concertos de música clássica interrompeu uma orquestra durante uma ária de Mahler para dar um chilique, revoltado que estava com a existência da jornalista. A fúria foi suficiente para obrigar os músicos a interromper o espetáculo. Quem será o próximo a se portar em público como se estivesse no twitter e a que ponto chegará? Estamos dispostos a pagar para ver? Eu não estou.
Cada um, no seu círculo de atuação, tem como conter esse fenômeno bizarro de destruição dos limites civilizatórios. Muita gente cai no círculo de ódio e medo criado para manter as pessoas conectadas o tempo todo e passa a acreditar em teorias conspiratórias, passa a viver em um mundo onde é preciso reagir o tempo todo e qualquer diferença é vista como ameaça. Ajude seus amigos e familiares que foram vítimas desse círculo vicioso. O primeiro passo é não calar.
Todo mundo tem um amigo ou alguém na família que passou a se dedicar a passar vergonha em público. A nossa tendência é evitar o tema, mas precisamos estender a mão. Precisamos mostrar às pessoas que viver no caos e provocar a discórdia para se sentir bem não é aceitável. Temos de fazer entender a diferença entre agressividade e poder, boçalidade e sinceridade, rigor e barbárie.
Recorro à minha fé e divido com vocês um ensinamento precioso sobre convivência que Cristo traz em Lucas:
"Nenhuma árvore boa dá fruto ruim, nenhuma árvore ruim dá fruto bom.
Toda árvore é reconhecida por seus frutos. Ninguém colhe figos de espinheiros, nem uvas de ervas daninhas.
O homem bom tira coisas boas do bom tesouro que está em seu coração, e o homem mau tira coisas más do mal que está em seu coração, porque a sua boca fala do que está cheio o coração".
Quais são os frutos das nossas ações? Quais são os frutos das ações das pessoas que nos cercam? Quais são os frutos daqueles cuja voz ajudamos a propagar? Os abjetos têm todo o direito de ser abjetos, a sociedade tem o dever de deixar claros os limites.
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