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Não sei exatamente quando a palavra “isento” teve seu significado mudado para “concordar com o que eu penso” e, para aqueles que se desviam do caminho da boçalidade que grita frases feitas, surgiu o termo “isentão”, tido como pejorativo. Ninguém é isento, todos vêem o mundo a partir do próprio ponto de vista, fato que deixou de ser tratado como natural e corriqueiro.

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Existe uma necessidade social de convencer o outro dos próprios pontos de vista, catequizar o tempo todo e, principalmente calar as vozes dissonantes, à força ou pelo método do escárnio. A tecnologia e as medidas de transparência, que deram ao cidadão comum acesso aos fatos sobre governos, são sufocadas pela vontade dos governantes de esconder erros e se manter no poder.

O governo Fernando Henrique reclamava da imprensa em determinados momentos, mas uma postura realmente contrária, que na época nos assustou muito e hoje é normal, começou em 2003: Lula não dava entrevistas, apenas se pronunciava em discursos, impedindo qualquer tipo de confronto ou questionamento.

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Eu me lembro quando fui informada que o presidente Lula não daria entrevistas coletivas informais, até na calçada, como fazia sempre FHC. Na redação, os chefes custavam a acreditar. Hoje, após 4 governos petistas, é normal.

Os jovens cresceram com a imagem de mandatários que se pronunciam sempre no total controle do discurso e sem permitir contraponto, viram o surgimento do jornalismo partidário por meio dos “blogueiros sujos”, assistiram ao teatro de entrevistas feitas somente por quem é favorável e acabaram desaprendendo que político deve satisfação – não gracejos ou ironia – a quem o elegeu e também a quem não votou nele.

O sonho de qualquer mandatário é manter trancados a 7 chaves os esqueletos no armário, retratar apenas aquilo que faz de bom e jamais ter de ouvir questionamentos sobre promessas quebradas. Inventou-se recentemente que a “comunicação direta” entre político e povo é uma novidade e é democrática. A prática existe desde sempre e nossos exemplos mais próximos e profícuos são os falecidos Fidel Castro e Hugo Chávez.

A desculpa era sempre a mesma: a imprensa faz parte de uma elite que joga contra o governo e deturpa as informações. No caso de Cuba, houve uma ruptura no regime que possibilitou uma substituição rápida de informações livres por discurso único. No caso da Venezuela, foi pouco a pouco, a partir de um governante eleito legitimamente para fazer tudo diferente, como nunca antes na história daquele país.

Realmente cumpriu a promessa. Primeiro, a imprensa era elitista de direita e jogava contra, depois elegeu alguns inimigos específicos, então resolveu fechar os que considerava mais perigosos, daí partiu para cima de todos os que ousavam questionar e, enfim, veio Maduro e a coisa degringolou de vez. Ele tem o próprio programa, em que discursa por horas, garantindo que busca a conciliação nacional e a paz sem que ninguém tenha o direito de questioná-lo sem sofrer represália.

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Há dois movimentos paralelos na tentativa de eliminar questionamentos e esconder erros: atacar quem critica e pintar como isento e correto quem só elogia. Foi assim com Fidel e Chávez, começou assim com Lula até que chegássemos à cena ridícula dos blogueiros favoráveis ao governo perguntando só as coisas que ele queria dizer, como se fosse uma peça de propaganda oficial. Eles eram os “isentos” da vez, a imprensa livre.

Também há um movimento interessante de desprezo por fatos. Pouco importa o fato e o que ele significa perante seus valores pessoais, o correto é escolher um lado e estar sempre com ele, como se um país fosse um jogo de futebol.

Estar com um lado significa, necessariamente, violar as crenças pessoais e fechar os olhos para escorregões éticos e morais. Mais que isso, implica defender abertamente comportamentos que se condena. Quem não se lembra do ator dizendo que “para se fazer política é necessário colocar a mão na merda” como forma de justificar as primeiras notícias criminais do governo Lula?

E ai de quem criticasse. Eram ingênuos, não entendiam os esforços necessários para realizar aquele projeto maravilhoso que salvaria o Brasil como nunca antes na história desse país. O PT que havia se manifestado pela ética na política tinha uma bala de prata. “O PT não vai poder errar”, disse Lula em seu último discurso da campanha de 2002.

Depois, quando errava, contava-se que não tinha errado. O erro passava a ser acerto: tinha feito apenas em nome de objetivos maiores e os que implicavam era porque não torciam pelo governo e não davam tempo para que ele mostrasse a que veio antes de torpedear. Pouco importava se pareciam estranhas as alianças com Sarney e Antonio Carlos Magalhães – depois despencou até para Paulo Maluf – porque elas trariam muitos benefícios ao Brasil possibilitando a aprovação de medidas imprescindíveis para o nosso desenvolvimento.

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Conforme os fatos foram transbordando, foi necessário dizer, já no governo Dilma, que a imprensa havia se aliado ao Ministério Público, ao Poder Judiciário e ao Legislativo para dar um grande golpe no povo brasileiro em nome das elites. A verdade estava apenas no discurso dos políticos amigos e no relato dos blogueiros que desde a primeira hora defenderam o projeto do PT: todos eles sacramentando a história do golpe. Surge o PIG, Partido da Imprensa Golpista.

E foi a imprensa aliada às elites brasileiras por razões ideológicas – não o acúmulo de crimes e desmandos – que levou Dilma Rousseff ao impeachment.

Foram criadas algumas narrativas completamente absurdas se escrutinados os fatos, mas repetidas à exaustão por militantes e utilizadas para atacar nas redes sociais quem se indignava com malfeitos dos políticos amigos:

– Não suporta ver pobre andar de avião.

– É tucano.

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– É bolsominion.

– Não suporta ver a filha da empregada na universidade.

– Não quer que os brasileiros comam 3 refeições por dia.

– Quer acabar com o Bolsa-Família.

– Tem preconceito contra o presidente.

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– Sempre teve má-vontade contra o governo.

– Defende as elites que sempre dominaram o Brasil.

– É fascista, nazista, machista, racista e taxidermista.

Criou-se o expediente dos cursos de mobilização online partidários. A partir deles começa a prática de administrar vários perfis – não vou nem entrar na evolução seguinte, dos bots – e atacar qualquer ideia dissonante, tentando manchar a credibilidade de quem a expressa. Se for em bando, melhor ainda. Se mentir não tem problema, o importante é massacrar.

Pode até ter funcionado um bom tempo, como efetivamente funcionou. Aliado a realizações do governo, o método de tentar neutralizar críticas e fatos deve ter servido, na verdade, como anestesia para a consciência dos que apoiavam o PT mesmo sabendo o que estava errado ali.

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Confiável é só quem repete bovinamente tudo o que interessa ao partido, quem desculpa tudo o que vem do partido, quem protege todos os que são do partido, quem tenta criminalizar qualquer ideologia oposta. Ainda que viva como um Rockefeller, que se refestele nas bonanças do capitalismo e que tenha um grau de vaidade incompatível com qualquer discurso popular, é confiável quem faz o discurso simplesmente porque o reverbera.

Perdeu-se a necessidade de biografia. O ser humano passa a ser julgado amigo ou inimigo, bom ou mau, não por aquilo que efetivamente faz nem pela coerência entre o que diz e faz, mas simplesmente pelo que prega. Ampliar os conceitos ideológicos, ainda que distorcidos e repetir ad nauseam os chavões criados para identificar aquela linha de discurso é o que torna uma pessoa correta.

Dividir para governar, tão antigo quanto efetivo, ainda que seja impossível a sustentabilidade por muitos anos. Na era da hipercomunicação dá muito menos trabalho distorcer fatos e enxovalhar a honra de opositores.

Donald Trump, enroscado até o último fio de cabelo na contradição entre os fatos e seus discursos, também inaugurou uma guerra contra a imprensa, seguindo exatamente os mesmos moldes dos amigos latinoamericanos. Não colou. Embora tenha muita repercussão, o povo dos Estados Unidos já tem na cultura a alternância de poder e debate é até matéria de escola. Cada publicação que ele mira ganha mais assinantes. Na verdade, a imprensa deve muito a Trump.

O norte-americano, que coloca a liberdade de expressão na primeira emenda de sua Constituição, sabe que a imprensa obviamente tem seus defeitos e crenças, como toda instituição formada por humanos, mas tem ojeriza aos tipos poderosos que utilizam os erros da imprensa como desculpa para esconder do público informações a que ele tem direito ou simplesmente mentir sem ter de dar satisfações.

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Não estou falando em ocultação de informações pela força, como é o caso neste momento na Venezuela e como foi em diversos países, inclusive o nosso, no passado. Falo da ocultação pela esperteza, do uso do poder para esquivar-se da cobrança cidadã, da índole de priorizar os seus acima dos valores republicanos. Nem é necessário o uso da força quando a sociedade passa a ser permissiva com o ataque à moral e ao caráter dos opositores, ainda que usando mentiras.

O texto fala exclusivamente do comportamento dos governos petistas e de Donald Trump com relação à imprensa. Nos comentários aqui e nas redes sociais você verá reações exaltadas dos que vão encontrar na própria imaginação uma referência ao nosso presidente Jair Bolsonaro, que até agora não tinha sido citado. É muito triste.