Mal Sergio Moro botou na praça seu pacote de leis anti-crime a gritaria começou. Já era esperada. Os anos de Lava Jato fizeram uma revolução no Direito Penal e, não há como negar, ele era a figura mais estelar da operação, a ponto de ter virado uma espécie de símbolo nacional. Não é necessário ler para imaginar o teor do que poderia vir do Ministro da Justiça: menos possibilidades de recursos, cadeia mais cedo, penas mais rigorosas para alguns crimes e investimento em mecanismos de delação e confissão. É por isso que muita gente reclamou sem ler – porque, na verdade, nem precisava.
Há alguns tipos de críticas sobre o projeto, eu divido em 3 grupos:
– Os que esperavam a solução de todos os problemas da humanidade porque Moro é Moro, não é bagunça.
– Os que já tinham um punhado de chavões para rebater o projeto sem precisar ler.
– Os que analisaram o projeto e acabaram concordando com alguns pontos e discordando de outros.
Entendo a gritaria das grandes bancas de criminalistas, que já precisaram passar por profundas mudanças na organização interna e na forma de praticar direito nos últimos anos, quando pessoas ricas e influentes também começaram a ser presas no Brasil. Antes as grandes bancas já tinham seus rituais, recursos e estratégias para fazer com que seus clientes, se fossem para a cadeia, saíssem rapidinho. Agora mudou, o que altera o valor do serviço, as rotinas de sempre e a interface com os clientes. Ainda assim, fico no terceiro grupo.
Na minha opinião, o maior mérito do projeto de Moro é vencer a prática nefasta de utilizar projetos de legislação penal para marketing, que continua sendo moda nessa legislatura.
O ministro da Justiça não vai naquele óbvio aumento de penas ou eliminação de direitos cuja importância é decidida de acordo com a manchete ou ciclo noticioso que pode gerar. O foco do pacote de leis não é criar novos tipos penais ou aumentar as penas, lugar comum de todos os pacotes inúteis que transformam nossa legislação num emaranhado que alguns poucos entendem e todos sabem que é ineficiente. A intenção é fazer pequenos ajustes no que já existe, principalmente em Processo e Execução. Só por isso, na minha opinião, o ministro já merece louros.
Poucas coisas têm piorado a situação de impunidade e insegurança no Brasil quanto a utilização irresponsável da legislação penal como marketing ou resposta à sociedade dos integrantes do Legislativo e do Executivo. Criar uma nova lei atrai holofotes e gera discursos tão fáceis quanto mentirosos de que uma canetada é suficiente para melhorar o Brasil. Não é. E, no caso das canetadas penais que são dadas para chamar atenção, difícil encontrar uma que, na ponta do lápis, não tenha feito a gente regredir um pouco.
Gostaria muito que o ministro Moro fosse inspiração para novos parlamentares. Ele é um dos cidadãos brasileiros sobre quem mais expectativas estão depositadas atualmente. Espera-se de Moro nada menos que a excelência, o rigor total, a precisão, o acerto e a rapidez nas decisões. Obviamente isso não acontecerá porque, antes de ser herói nacional, o ministro é um ser humano que agora transita em ambiente político tendo construído toda a sua história profissional sob a blindagem que o Poder Judiciário tem no Brasil. É uma tarefa duríssima para o Moro ministro superar o herói juiz Moro.
Confesso que até eu padeci disso. Numa primeira olhada, achei o pacote fraco, sem abordagem suficiente da questão penitenciária, cheio de pontos controversos demais como plea bargain, mudança no excludente de ilicitude e uma solução meio capenga para a história da prisão em 2ª instância. Depois raciocinei que, não fosse Moro o autor, meu julgamento seria diferente. Continuo com discordâncias pontuais, mas creio que é necessário reconhecer o mérito de um projeto que, mesmo atendendo a demandas políticas, consegue escapar da tradicional brincadeira de fazer lei penal em troca de marketing, que tanto dano já causou ao Brasil.
Também fui contra alguns pontos das 10 Medidas Contra a Corrupção, como a possibilidade de utilização de prova obtida ilegalmente e o mandado de prisão coletivo. Não estive sozinha: esses e outros pontos que poderiam retirar direitos do cidadão e dar abertura para a corrupção nas instituições foram suprimidos do texto final de Onyx Lorenzoni. Depois, todo mundo sabe o final da história, fizeram um pastelão com aquilo que jamais foi a votação na espécie de subsede da Papuda em que quase transformaram o Congresso Nacional.
Elaboração de leis não é uma ciência exata, mas é uma espécie de ciência. A técnica jurídica é ter no papel um instrumento que dê eficácia à ação que se pretende realizar. Para isso, é necessário antecipar e enfrentar todo tipo de crítica e negociação. Uma das táticas mais utilizadas é ir um tantinho além do que se espera que seja aprovado no final, deixar uma espécie de gordura extra para ser tirada em negociações, algo que não esteja atrelado ao coração do projeto, artigos mais controvertidos que podem ser removidos sem implodir a ideia inicial, mas cuja aprovação é desejável para quem elaborou a peça legislativa.
No caso das 10 Medidas Contra a Corrupção, creio que o Ministério Público não poderia antecipar o picadeiro em que se transformou o desfecho, mas avaliava que dificilmente as medidas mais controvertidas iriam até o final da reta legislativa. Estavam ali porque o MP acredita nelas, mas poderiam ser usadas numa negociação, como foram. Assim, evita-se ter que negociar com a espinha dorsal do projeto. Creio que o pacote de Sergio Moro não foge a essa regra. Há ali detalhes que certamente serão modificados, mas tanto a forma quanto o conteúdo levantam discussões que precisamos ter.
OS PONTOS MAIS POLÊMICOS DO PACOTÃO DE MORO
1. Excludente de Ilicitude
Uma das principais críticas ao projeto é sobre o “excludente de ilicitude”, tratado pelos detratores como uma licença para matar. Na realidade, pouco muda com relação à lei atual.
O excludente de ilicitude já está em vigor desde 1984 numa lei chamada Código Penal. A alteração foi feita em um detalhe que geralmente era julgado favoravelmente aos policiais, mas depende de decisão do juiz porque é subjetivo: a justificativa de excessos. Aqui, obviamente, estamos pensando no caso do policial que dispara mais do que deveria, de acordo com o treinamento que teve, durante uma ação. Claro que hoje, como todos viraram especialistas em Segurança Pública, as opiniões sobre o quanto se deve atirar são disputadíssimas. Ocorre que há parâmetros objetivos para isso, conhecidos de quem lida com Segurança Pública profissionalmente.
A questão é que o Código Penal não fala apenas desse caso específico, mas de excluir o ilícito, deixar de configurar como crime o que poderia ser crime em alguns casos. Está no art 23:
Exclusão de ilicitude (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Art. 23 – Não há crime quando o agente pratica o fato: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
I – em estado de necessidade; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
II – em legítima defesa;(Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
III – em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.(Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Excesso punível (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Parágrafo único – O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.(Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Sobre isso, que já está na lei há 33 anos, nada muda – e vale para todos os brasileiros, da mesma forma que a nova proposta de lei. A questão é que, quando se verifica o uso de violência além da necessária – lembrando que violência não é crime, é utilizada pelo Estado e pelos cidadãos dentro dos limites legais – há um processo penal mesmo havendo o excludente de ilicitude. Daí, a questão é apurar se houve culpa ou dolo, omissão ou ação conscientes para o resultado da reação excessiva.
Observe qual é exatamente a mudança proposta por Moro:
Art.23…………………………………………………………………………………………………………………. ……………………………………………………………………………………………………………………………
§ 1º O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.
§ 2º O juiz poderá reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção.
Medo, surpresa e violenta emoção são característicos da alma humana e já levados em conta nos julgamentos. Já é realidade a atenuação ou mesmo suspensão de penas levando em conta que a culpa no excesso de reação se deve a aspectos absolutamente incontroláveis da nossa natureza. A única mudança aqui é que fica no papel – e não mais na cabeça do juiz – o critério a ser levado em conta. Muda-se a subjetividade para a objetividade. Lembrando que é ilógico tentar argumentar que medo, surpresa ou violenta emoção justificam dolo – esses casos não têm alívio com a mudança.
O conceito de legítima defesa não foi nem mudado nem ampliado. Mais uma vez, se coloca no papel uma especificidade que já era o entendimento do judiciário, mas precisava ser feita de forma subjetiva, caso a caso. Pessoalmente, sou favorável a menos leis sempre respeitadas, mas não é nossa tradição jurídica, infelizmente. Então, se algo não está explicadinho nos seus mínimos detalhes, pode ser que um cidadão tenha de percorrer um calvário para garantir seus direitos ou sua liberdade.
Atualmente a lei diz o seguinte:
Art. 25 – Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.
O que foi acrescentado só especifica algumas situações de legítima defesa envolvendo agentes públicos, mais precisamente aqueles que são o braço do Estado com permissão para o uso de violência, se necessária:
Art.25………………………………………………………………………………………………………………….
Parágrafo único. Observados os requisitos do caput, considera-se em legítima defesa:
I – o agente policial ou de segurança pública que, em conflito armado ou em risco iminente de conflito armado, previne injusta e iminente agressão a direito seu ou de outrem; e
II – o agente policial ou de segurança pública que previne agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes.
Bom, mas esses casos já não eram tratados como legítima defesa? Sim. Mas o diabo mora nos detalhes. O mais provável é que o agente de segurança ou cidadão que agiu na legítima defesa própria ou de outros seja tratado como vítima das circunstâncias que precisará passar por um chatíssimo processo penal e psicológico até virar essa página. Mas também pode ser que o policial decida prender a pessoa em flagrante até que esse caso chegue ao Judiciário e ela consiga ser solta justificando a legítima defesa. Agora, fica claro na lei que não precisa prender pessoas nessa situação, algo que nunca foi obrigatório. De qualquer forma, será necessário investigar o caso.
O Código de Processo Penal é assim:
Art. 309. Se o réu se livrar solto, deverá ser posto em liberdade, depois de lavrado o auto de prisão em flagrante.
A mudança proposta pelo ministro da Justiça é esta:
Art. 309-A. Se a autoridade policial verificar, quando da lavratura do auto de prisão em flagrante, que o agente manifestamente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III do caput do art. 23 do Código Penal, poderá, fundamentadamente, deixar de efetuar a prisão, sem prejuízo da investigação cabível, registrando em termo de compromisso a obrigatoriedade de comparecimento a todos os atos processuais, sob pena de revelia e prisão.
É tentar esticar demais a corda dizer que essas mudanças dão “licença para matar”. Não dão. Podem até gerar argumentações bem criativas de advogados, mas não há nenhum alargamento dos conceitos de legítima defesa nem de dever legal.
Claro que aqui também há a parte política. Bolsonaro fez campanha pregando a necessidade de um “excludente de ilicitude” como se ele não existisse e seu ministro precisa fazer parecer a seus apoiadores que realmente fez uma revolução. Estão no corner: se rebatem tecnicamente os críticos têm mais prejuízos políticos do que deixando a reclamação correr solta.
2. Prisões em 2ª Instância
A outra polêmica importante é sobre a questão das prisões em 2ª instância. Eu sou favorável à ideia do ministro Dias Toffoli sobre o tema, que tem como base eliminar o absurdo de ver assassinos condenados pelo Tribunal do Júri saindo livres pela porta da frente. A pessoa vai presa a partir do momento em que não foi mais possível reverter a condenação para inocência. Há recursos sobre a forma de cumprir a pena, prazos, esclarecimento do despacho do Judiciário, enfim, recurso não falta. E esses seriam feitos durante o que se chamaria de “execução provisória da pena”.
O grande problema é que o projeto de Sérgio Moro e os votos favoráveis à prisão em segunda instância no STF são gambiarras do Executivo e do Judiciário para resolver um problema que o Legislativo, uma máquina de produção de réus criminais, insiste em não olhar. O artigo 5º da Constituição Federal, um dos mais importantes na área de garantia de direitos, define de forma cristalina que não pode nem considerar culpado antes do “trânsito em julgado”.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;
No STF, a gambiarra é tentar mudar o significado de trânsito em julgado: em vez de ser o final do processo, seria o final da possibilidade de reverter uma condenação. No projeto de Moro, a gambiarra é tentar fazer com que leis penais contrariem a Constituição. São soluções possíveis, mas são gambiarras. Essa é uma decisão para o Legislativo.
Há duas propostas de Emenda Constitucional sobre o tema, uma do PPS e uma feita pelo ministro Onyx Lorenzoni quando deputado. As duas estipulam exceções à regra, casos em que o julgamento por colegiado em 2ª instância leva à prisão. Óbvio que os criminalistas também chiam com esses projetos. Alegam que, de acordo com o art. 60, inciso IV da Constituição Federal não é possível reformar por emenda artigos contendo direitos e garantias fundamentais. É uma cláusula pétrea: só pode ser mudada se fizermos uma nova Constituição.
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
I – de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;
II – do Presidente da República;
III – de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.
§ 1º A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio.
§ 2º A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.
§ 3º A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem.
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I – a forma federativa de Estado;
II – o voto direto, secreto, universal e periódico;
III – a separação dos Poderes;
IV – os direitos e garantias individuais. (grifos meus)
§ 5º A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa.
Bom, quem define o que são “Direitos e Garantias Individuais”? A própria Constituição Federal: tudo o que está no Título II – Direitos e Garantias Individuais se enquadra. É o caso do art. 5º inteiro e da história do trânsito em julgado. Para quem nunca teve a curiosidade de ler artigo, que tem 78 incisos, alguns com vários parágrafos, ali são misturados direitos efetivos com sonhos de um mundo mais justo. Nada pode ser modificado, mas nem tudo o que está ali é garantido e, mais importante, não há nenhuma previsão da punição por descumprimento. Alguns exemplos:
I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
XXIII – a propriedade atenderá a sua função social;
XXVII – aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar;
XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;
XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;
LXIV – o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial;
LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
Por isso a saída do STF – que já teve uma vitória de 6 x 5 – é dar uma pequena torcida no significado de “trânsito em julgado”. Há duas teses aí:
– A do ministro Dias Toffoli: trânsito em julgado é quando não se pode mais reverter a culpa para inocência. Seria em primeira instância para homicídio, em segunda para a grande maioria dos crimes e para a terceira ficariam casos absolutamente excepcionais, como também prevê o projeto de Moro.
– A do ministro Teori Zavascki: trânsito em julgado é quando os recursos não podem mais ser feitos sobre fatos e provas do processo penal, característica de tudo o que tramita na 3ª instância.
A saída encontrada no pacote de Moro é simples: muda-se o art. 283 do Código de Processo Penal e ele passa a ser contrário ao estabelecido na Constituição, o que não é possível. Pode o Congresso Nacional aprovar o projeto de Moro, com as mudanças que incluem prisão em 2ª instância e a possibilidade de prisão em 1ª instância para homicidas condenados pelo júri? Não deveria, mas pode. Basta conseguir votos favoráveis na Comissão de Constituição e Justiça – a discussão no plenário é meramente política.
A grande questão é o que se passaria a seguir, por esse caminho: o presidente Bolsonaro vetaria a prisão em 2ª instância, obedecendo a Constituição e arcando com o prejuízo político, ou daria seu referendo a algo que é inconstitucional? Não há como saber, a única certeza é que, seja via PEC do Legislativo ou pelo projeto de Moro, a batata quente passa pelo colo dele e pode acabar onde está agora: no STF. Se vira lei, não há dúvida de que haverá Ação Direta de Inconstitucionalidade: hoje tem muito poderoso com pavor dessa história.
A solução mais pura para a questão seria uma nova Constituição, o que seria uma decisão política completamente irresponsável. Dentro do leque de possibilidades, a melhor ainda é o julgamento pelo STF, que traz menos problemas para o governo e provavelmente confirmará a decisão anterior. Mas, politicamente, Moro tinha como soltar esse pacote sem colocar a questão da prisão em 2ª instância? Óbvio que não, seria completamente desmoralizado. É uma dificuldade ser técnico e político ao mesmo tempo.
3. Endurecimento com Organizações Criminosas
É ponto pacífico que Organizações Criminosas são um câncer social, mas tem apenas 5 anos a lei específica sobre elas – 12850/2013 – que Moro conhece muitíssimo bem porque foi a base da existência da Lava Jato. Ali, fora uma regulamentação necessária da delação premiada, que não está no pacote, não há muito o que mexer. Eu sinceramente não entendi a mudança proposta, entendo que é uma movimentação política para mostrar as intenções do governo, já que o texto não tem pé nem cabeça.
Atualmente, Organização Criminosa é o seguinte:
Art. 1o
§ 1o Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.
A mudança proposta por Moro, na prática, além de legitimar a existência de algumas das organizações criminosas mais conhecidas, não muda nada.
Art.1º………………………………………………………………………………………………………………….
§ 1o Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, e que:
I – tenham objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos;
II – sejam de caráter transnacional; ou
III – se valham da violência ou da força de intimidação do vínculo associativo para adquirir, de modo direto ou indireto, o controle sobre a atividade criminal ou sobre a atividade econômica, como o Primeiro Comando da Capital, Comando Vermelho, Família do Norte, Terceiro Comando Puro, Amigo dos Amigos, Milícias, ou outras associações como localmente denominadas.
Repare bem: todas essas citadas no Inciso III já estão cobertas pelo Inciso I e sem a necessidade de dar legitimidade a nenhuma entidade do crime organizado. Fora que, na prática, como se faria essa prova? Vamos dar CNPJ para as organizações citadas e depois checar a carteirinha dos filiados? Não é mais fácil enquadrar de uma vez no artigo 1º? Pode ser algo mal redigido ou uma tentativa de diferenciar quadrilhas que cometem crimes de sangue das quadrilhas de políticos e empresários, mas eu sinceramente não entendi.
RESUMO DA ÓPERA
O projeto de Moro tem 34 páginas e a função de, além de apresentar reformas técnicas para diminuir a impunidade, fazer política. O ministro escolheu a via construtiva para debater as mudanças: apresentou suas ideias para escrutínio público.
O próprio Moro reconheceu já uma mudança necessária: do jeito que saiu o projeto, jornalistas que revelassem gravações de escândalos de corrupção – como as fitas de Lula que ele mesmo liberou para a imprensa ou do escândalo da JBS – seriam colocados na cadeia. Isso favoreceria demais os criminosos.
As diversas inovações serão vistas agora por diferentes ângulos. No caso dos jornalistas, por exemplo, provavelmente isso não passou pela cabeça da equipe porque eles miravam em outra coisa: vazamento ilegal de conteúdo sob segredo de Justiça. Assim será com detalhes em praticamente todas as propostas colocadas. Só é possível verificar falhas ampliando o leque de revisores, melhor que seja toda a sociedade.
Obviamente haverá os que farão o debate político apenas, a militância anti-Moro, a tentativa de colar o pacote no que a família Bolsonaro diz de pior, as reações para conseguir marketing, ainda que nada tenham a ver com o conteúdo do projeto.
Nessa última categoria há, por exemplo, associações que são contrárias ao estabelecimento de um Banco Nacional de DNA. Alegam que seria “produzir prova contra si mesmo”. O preconceito é sorrateiro: defensores dos Direitos Humanos não acreditam na recuperação da pessoa? O DNA seria coletado após a condenação, portanto não serviria de prova no processo, mas num futuro processo de outro crime que a pessoa necessariamente cometerá depois da pena. Fosse assim, não usaríamos os bancos de impressões digitais. Importa é que a prova seja lícita e um banco nacional de DNA poderia mudar o cenário da apuração policial.
Além dessa inovação há diversas outras, algumas importadas do Direito dos Estados Unidos – como whistleblower e plea bargain para crimes que não sejam de sangue – que certamente terão de passar por mais mãos para que sejam totalmente convertidas do princípio da Common Law e da hierarquia judiciária norte-americana para a nossa tradição Romano-Germânica e hierarquização das instâncias. Também precisamos avaliar, como sociedade, se queremos isso, são mudanças importantes.
Que venham os críticos! O pacotão de Moro não é perfeito, necessita ainda de debate da sociedade e de mudanças técnicas pontuais. Mas está de parabéns o ministro por dar a cara a tapa. Político adora reclamar de impunidade, difícil é quem diga, detalhadamente, como acabar com ela.
Triângulo Mineiro investe na prospecção de talentos para impulsionar polo de inovação
Investimentos no Vale do Lítio estimulam economia da região mais pobre de Minas Gerais
Conheça o município paranaense que impulsiona a produção de mel no Brasil
Decisões de Toffoli sobre Odebrecht duram meses sem previsão de julgamento no STF