A renúncia de João Doria à prefeitura de São Paulo, necessária para que o tucano fosse o candidato do PSDB ao governo do estado, é um dos temas mais presentes do cenário eleitoral paulista em 2018. Nos debates e nas propagandas partidárias, frases diretas como “o candidato usou a cidade como trampolim” e “ele assinou um compromisso e não cumpriu” somam-se a provocações mais sutis, do tipo “eu sou um candidato que cumpre a palavra” e “eu nunca abandonei um mandato antes do fim”. A situação é um dos fatores determinantes para que Doria seja o mais rejeitado de todos os postulantes ao Palácio dos Bandeirantes – e também para que o índice de pessoas que falaram que não votam nele de jeito nenhum seja maior na capital do que no interior.
O quadro contrasta com o registrado no estado em 2006. Na ocasião, o PSDB lançou José Serra, que se candidatou nas mesmas condições de Doria – havia sido eleito prefeito dois anos antes e também largara o mandato. No entanto, a renúncia passou longe de ser um dos temas mais explorados pelos adversários. Os oponentes questionavam Serra principalmente pela sua atuação como ministro da Saúde de Fernando Henrique Cardoso e por pontos fracos do PSDB no governo de São Paulo, como a elevação da violência e a progressão continuada no ensino público.
Com isso, Serra tampouco liderou os índices de rejeição. Ao contrário: o ex-governador venceu a eleição com 58% dos votos válidos, logo em primeiro turno. Como comparação, Doria, que antes liderava de forma isolada a disputa, agora está empatado com Paulo Skaf (MDB) e teme o crescimento de Márcio França (PSB).
Como explicar a mudança de postura, tanto dos adversários do PSDB quanto da população? Membros do partido de Doria e Serra e um integrante do PT em São Paulo, que conversaram com o blog A Protagonista sobre o tema, resumiram a situação à diferença das personalidades de Serra e Doria, e à reação que ambas despertam.
“O Serra era uma personalidade política histórica, de décadas, com uma história longa dentro do partido e do Brasil. O Doria era um novato, ninguém sabia quem ele era, um aventureiro, um cidadão sem nenhuma história, sem nenhuma vinculação partidária profunda. É a diferença das duas pessoas. Água e vinho”, resumiu o ex-governador Alberto Goldman (PSDB), que em 2006 foi eleito o vice de Serra. A crítica a Doria, embora os dois sejam do mesmo partido, não é novidade: Goldman e o ex-prefeito trocaram farpas publicamente em inúmeras ocasiões. Na vez em que a temperatura foi mais elevada, Doria disse que Goldman era um “fracassado” e que o ex-governador vivia “de pijamas, em casa”.
Adversário do PSDB, o deputado federal Carlos Zarattini (PT) também não poupa críticas a Doria e chega até a elogiar Serra no ato de comparar os dois tucanos. “O Serra teve mais habilidade [como prefeito]. Foi mais maneiro. Conseguiu manter um certo prestígio. Doria não. Doria é um horror”, destacou o parlamentar.
Coqueiro e tombo
Doria foi eleito prefeito de São Paulo em uma votação tida, à época, como histórica. Venceu em primeiro turno, algo então inédito na cidade desde que a possibilidade de segundo turno foi implantada, e impediu que Fernando Haddad (PT), que ocupava a chefia do Executivo municipal, somasse mais de 17% dos votos.
O mote “não sou político, sou gestor” foi um dos principais de sua campanha e também esteve presente no começo de sua atuação como prefeito. Ações intensivas de zeladoria, bate-bocas com adversários e transmissão intensa do trabalho na prefeitura nas redes sociais alavancaram sua popularidade. A ponto de ele chegar a ser especulado para concorrer à Presidência da República pelo PSDB em 2018, o que levaria um confronto entre ele e Alckmin, seu padrinho político.
A vaga na chapa presidencial não veio. E a disputa pelo governo do estado se desenha bem menos confortável do que a vivida em 2016.
Para o ex-senador José Aníbal (PSDB), Doria paga pela expectativa que criou na população. “Ele despertou uma expectativa enorme no eleitorado da capital. E ao sair antes [do fim do mandato], deixou o eleitor um pouco frustrado”, apontou.
A renúncia de Doria abriu caminho para que Bruno Covas (PSDB) assumisse a prefeitura da capital paulista. Em 2006, quando Serra deixou o posto, a vaga de prefeito ficou com Gilberto Kassab, à época no DEM. Ele seria reeleito prefeito da capital em 2008 – derrotando, entre outros adversários, Geraldo Alckmin.