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A Protagonista

A Protagonista

Por que tantos liberais estão pedindo desculpas a autoritários?

Autoritários não têm ideologia de preferência, bebem da que for mais conveniente para submeter os demais. Estamos vivendo um fenômeno muito parecido com o que imperou em Hollywood e foi registrado pela imprensa norte-americana há alguns anos: o festival das falsas desculpas.

Você deve ter visto sobretudo na última semana um festival de liberais pedindo desculpas absolutamente sem sentido. Geralmente, o teatro é o mesmo. O liberal emite uma opinião, uma horda capitaneada por gente que não mostra a cara tenta destroçar a imagem da pessoa e ela, resignada, pede "desculpas".

Coloquei entre aspas de propósito. Não há desculpas sem arrependimento verdadeiro. Nos casos em questão, de quê exatamente as pessoas estão se arrependendo? De nada. Estão com medo porque perdem seguidores, porque suas famílias são ameaçadas por anônimos, porque suas vidas estão virando uma caixa de eco de xingamentos variados.

Aí se manipula também a culpa. No fenômeno das falsas desculpas, os ataques jamais são contra adversários, precisam ser sempre dentro do próprio ninho. A pessoa que já abrigou aqueles pensamentos ou aquele grupo de alguma forma é constrangida a se ajoelhar para ele. O falso pedido de desculpas é a sinalização de submissão ao grupo ou a um guru.

Um fenômeno parecido com o da submissão ao Aiatolavismo ocorreu há alguns anos nos Estados Unidos e foi bastante registrado pela imprensa no evento específico do suicídio do ator Robin Williams. E é da fonte manipulativa usada também pelo "politicamente correto" que bebem os autoritários, constranger a jamais pensar fora dos limites que definem.

Há poucas questões mais intrigantes e polêmicas do que o suicídio. É absolutamente corriqueiro que, diante do suicídio de uma pessoa famosa, ainda mais se conhecida pelo humor, as demais pessoas passem a questionar diversos valores fundamentais e muitos tendem a refletir de forma que pode "ofender" os demais.

Na época, 4 famosos de Hollywood se sentiram forçados a agachar diante do politicamente correto por meio do teatro das falsas desculpas. Elenco os casos para que fique bem clara a semelhança com o roteiro do que vivemos hoje.

Em todos os 4 casos as pessoas emitiram opiniões às quais têm direito, mas que estão longe do que é politicamente correto ou confortável de ouvir. Logo em seguida, há um clamor pelo linchamento público daquela personalidade, que vai escalando no nível "sede de sangue" de arenas romanas para a necessidade de aniquilar tudo o que seja relativo àquela pessoa. Alguns, para suprir a sede de sangue da massa, entregam a senha da vitória: um pedido de desculpas falso, apenas para sinalizar que vão se submeter ao politicamente correto.

O ator Todd Bridges disse, num rompante, que suicídio é um ato muito egoísta. Eu concordo com a afirmação. Ainda que seja uma vivência extremada da dor e do sofrimento, ela se relaciona apenas com o universo interno do indivíduo, sem pensar nas pessoas que o amam. Ocorre que não é agradável ouvir nem dizer isso, parece que é uma minimização do sofrimento do suicida. Não é, mas não importa, só pararam de malhar o ator quando ele pediu desculpas publicamente.

O caso de Gene Simmons, baixista do Kiss, foi ainda mais bizarro. Ele havia feito uma postagem sobre depressão e suicídio que depois rendeu uma entrevista bem polêmica. Vamos lembrar que o músico não é conhecido por sua vida calma e regrada. Começaram a relacionar a declaração anterior com o suicídio de Robin Williams e então a horda politicamente correta começou a atacar incessantemente. Ele acabou pedindo desculpas e a sede de sangue arrefeceu.

Henry Rollins também não escreveu sobre Robin Williams. Em sua coluna semanal no L.A. Weekly, fez uma reflexão profunda, com insights da vida pessoal, sobre depressão e suicídio. O título era, digamos, provocativo: "Fuck, Suicide". A conclusão era em defesa da vida, de que não anulemos nenhuma existência por mais sofrida que pareça porque o mal já anula vidas aleatoriamente, com a violência e a criminalidade. Todo mundo é livre para discordar da mesma forma que ele deveria ser livre para discutir. Só que não foi.

Iniciada a campanha "Fuck, Henry Rollins", passou a ser consenso na matilha politicamente correta que ele devia desculpas a todo mundo por ter escrito sua coluna. E como conseguiriam isso? Com insultos incessantes, provocações, ameaças, campanhas de desinscrições e pedidos de demissão.

Shepard Smith, jornalista da Fox News, já tinha no currículo uma relação complicada com suicídios. Em 2012, numa tranmissão ao vivo de uma situação policial, acabou transmitindo na TV norte-americana o suicídio de um homem de 33 anos. Na época, causou revolta e muitas críticas, mas curiosamente ainda não era o tempo de botar de joelhos para satisfazer a sede de sangue.

Isso foi acontecer anos depois, já no frisson do politicamente correto. O mesmo âncora, Shepard Smith, fez um questionamento que todos já devem ter ouvido em casos de suicídio: era um covarde? Isso mesmo, ele questionou se o suicídio seria um ato de covardia e passou a ser alvo de uma massa raivosa, que atacou sua reputação e a da Fox News, só parando quando ele fez o gesto público de rendição: as falsas desculpas.

Cada vez que alguém se agacha diante da multidão que exige sangue ou desculpas, a barbárie se alimenta.

O império do politicamente correto se fez pelo medo, pela manipulação das culpas, pelas falsas acusações em massa - machista, racista, elitista - até que a pessoa cansasse de ser alvo e se colocasse ao lado de quem ataca. Estamos vendo o uso da mesma fórmula de interdição do debate por outros grupos. Se deu certo, era natural que acontecesse.

Uma das maiores ilusões no jogo da liderança é alguém se intitular "representante do povo" sem ter sido votado para isso. Por mais esquizofrênico que pareça, é comum. O mal acomete desde ONGs super bem intencionadas até obscuros perfis anônimos em redes sociais que curiosamente atendem incessantemente os desejos de poderosos de plantão. Que "povo" eles representam? O que é "povo" senão indivíduos independentes?

Da mesma forma que o politicamente correto se diz representante do povo ao tentar assassinar reputações para que jamais alguém lhe repense as fronteiras, perfis anônimos manipulam pelo medo, culpa e sensação de pertencer a uma elite, um vasto grupo de pessoas dispostas a tudo para saciar a sede de agressividade.

Pouco importa o tema, pouco importam as consequências. Há um grupo que se pretende autocrático e com capacidade de manipular pessoas. Não há, nas redes sociais, ondas espontâneas de ódio contra um único indivíduo, há a concertação de interesses e provocações, partindo quase sempre de perfis anônimos, para bombardear alguém que causa dissonância no debate.

As falsas desculpas são a bandeira branca da sociedade que se agacha diante da interdição do pensamento, do exercício coletivo de emburrecimento. Quem levanta um tema que desgoste o pequeno grupo que tem alta capacidade de mobilização para assassinato de reputações é imediatamente combatido. O grupo tem sede de sangue, precisa de alvos novos todos os dias.

A reação dos alvos da agressividade é determinante para os próximos passos. Quando se desculpam sem ter do que se desculpar ou se explicam sem ter por quê se explicar, vão além da desonestidade intelectual. Não há vitória dos brutos sem o apoio conveniente dos covardes.

E é assim que cortamos as asas da criatividade, da inovação, da evolução, do debate: agachamento após agachamento diante de uma massa sedenta por sangue. Da mesma forma que o politicamente correto enquadrou os pensadores críticos de Hollywood, o politicamente imbecil tem tentado enquadrar liberais e pensadores livres no Brasil.

Vão conseguir? Depende de cada um de nós. Calar diante de ataques em massa ou se juntar a eles para ter aquele sentimento de pertencer a um grupo é tudo o que os autocratas precisam para prosperar e ocupar espaço. Não há neutralidade nesse tipo de conflito: a omissão significa cumplicidade com o lado que ataca covardemente.

Ninguém fica em dúvida entre fazer o certo e o errado, a dúvida é entre fazer o certo e o cômodo. O certo incomoda no curto prazo, o cômodo pode ser nossa sepultura moral.

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