O julgamento de Lula no STF foi muito além da definição do destino do ex-presidente. Nas falas e discussões que pareciam intermináveis, os ministros debateram com uma franqueza pouco comum na Corte a distância entre o tratamento dado ao delinquente comum e ao que pertence à casta privilegiada por dinheiro, prestígio e poder.
Os ministros chegaram ao plenário munidos de votos que continham estudos, números, planilhas, referências internacionais e, mais que isso, a vivência dos casos Mensalão e Lava Jato, que expôs ao cidadão comum um tipo de tratamento do Judiciário – tão minucioso, cuidadoso, garantista – que o cidadão comum conhece pela teoria ou pela TV Justiça, jamais pela vivência.
A decisão ali era de um habeas corpus preventivo. Ou seja, a defesa de Lula pediu que, caso a prisão dele fosse decretada, o ex-presidente não tivesse de ir para a cadeia até que o último recurso possível fosse analisado pelo Supremo Tribunal Federal. E o fez antes mesmo da decretação da prisão. A tese é de que os direitos de Lula seriam violados pela prisão após o julgamento em Órgão Colegiado de 2a Instância.
Experimente perguntar a alguém que faz trabalhos assistenciais em presídios se já ouviu algum detento com drama semelhante ou a alguma família de detento se está vivendo este mesmo problema: o mais provável é que ninguém saiba do que se trata. A maioria já está na cadeia muito antes de o juiz de primeira instância dizer que é culpado, o Tribunal de Justiça confirmar e o colegiado de desembargadores do Tribunal de Justiça reconfirmar culpa e pena.
COMO SURGIU A QUESTÃO DA PRISÃO EM 2a INSTÂNCIA?
Foi só no segundo ano de funcionamento da Lava Jato que o STF se deparou com a decisão sobre as prisões após condenação em Segunda Instância. Na prática, é porque aí se avolumaram os pedidos nos Tribunais Superiores dos advogados dos réus em casos de corrupção, aqueles com fôlego financeiro suficiente para lançar mão de todos os recursos previstos na legislação. A Suprema Corte decidiu então que a pena passa a ser cumprida a partir do momento em que não se muda mais o veredicto, ou seja, em que os recursos não alteram mais a condição de inocente ou culpado, o julgamento pelo Colegiado de Segunda Instância.
Se prender antes do trânsito em julgado realmente fosse uma mudança brusca e uma violação de direitos fundamentais no Brasil, o que aconteceria? Teríamos uma explosão no número de presos no país nos últimos 2 anos, desde que o Supremo tornou possível essas ordens de prisão. A realidade é que não houve nenhuma alteração nos números porque esta questão não faz parte da vida de quem não tem dinheiro para pagar os advogados mais caros do Brasil.
Isso é importantíssimo afirmar: não houve nenhuma alteração significativa no sistema penitenciário brasileiro. (…) 41% dos presos brasileiros, dos quase 710 mil presos, são presos provisórios, ANTES de uma decisão de 2o grau. (…) E não houve perdas em relação ao Sistema Penitenciário, mas houve vantagens, houve uma grande alteração no sistema de combate à corrupção. – ministro Alexandre de Moraes.
Para o ministro Luís Roberto Barroso, a demora na punição dos corruptos, não gera uma sensação de impunidade na população, ela realmente é impunidade. O magistrado defende que há um erro ao enxergar o Direito Penal como um instrumento para que se faça o processo durar “5, 10, 15, 20, 30 anos”. Para ele, o número elevado de presos no Brasil, 750 mil, legitima o clichê de que prendemos muito mas prendemos mal.
30% da população carcerária são presos não violentos por delitos associados a drogas. Outros tantos por furto. Mais de 50% da população carcerária NÃO está presa pelos 2 crimes que afligem a sociedade brasileira, pelas duas mazelas que afligem a sociedade brasileira: violência e corrupção. Por violência tem um tanto, preso por roubo; um número bem menor preso por homicídio e uma quantidade presa por estupro. Por corrupção… Não tem nem estatística, dá menos de um por cento. Dá zero vírgula alguma coisa por cento. Portanto, nós não prendemos os verdadeiros bandidos no Brasil. – ministro Luís Roberto Barroso
Embora haja militantes de Direitos Humanos de última hora defendendo que somente o trânsito em julgado é parâmetro para prisões justas, isso não encontra amparo nem na Declaração Universal dos Direitos Humanos nem na Declaração Interamericana de Direitos Humanos, segundo os ministros do STF. Os parâmetros são outros: que o ônus da prova caiba ao acusador e que exista direito à ampla defesa. Na maioria dos países, a pena começa a ser cumprida após a decisão em 2a instância, em alguns na 1a.
Se os políticos contam com defensores gratuitos além da defesa constituída regiamente paga, cidadãos inocentes ou que já pagaram a pena não desfrutam da mesma benesse. Entre os anos de 2008 e 2o10, quando foi presidente do STF e do CNJ, o ministro Gilmar Mendes promoveu o “Mutirão Carcerário” e libertou 22 mil pessoas que estavam atrás das grades sem dever nada à sociedade.
Eu libertei 22 mil pessoas. E eram de réus pobres, não eram de réus ricos, não eram de bandidos internacionais, não! Eram de réus pobres, aqueles que nós visitávamos. Eram pessoas que ficaram pobres e presos… Não sei se eram pretos, não sei se eram putas – como se consegue dizer – mas ficavam presas há 12 anos, 14 anos, presos provisoriamente. (…) Eu fui a Bangu, eu fui a Pedrinhas, eu perambulei o Brasil todo. Não fiz isso por demagogia, isso teve resultado. E encontrávamos pessoas presas naqueles calabouços, como em Fortaleza (…) provisoriamente… Essa é a realidade do Brasil. – ministro Gilmar Mendes
Eu participei do Mutirão Carcerário. Encontrávamos detentos que sequer tinham processo, alguns que sequer tinham inquérito, outros detidos por anos no lugar de homônimos sem semelhança física com o suspeito, convivendo com ratos, em celas superlotadas, com alimentação precária, em condições nas quais nenhum de nós deixaria nossos animais de estimação. Não tinham advogados, não tinham Defensores Públicos, perdiam o contato com a família, sem dinheiro para a condução até o presídio no dia da visita.
Há servidores públicos e advogados que fazem ações heróicas em casos específicos, mas não é disso que vive um país. O Brasil precisa viver de um sistema que funcione com igualdade para ricos e pobres, para poderosos e cidadãos comuns. O sonho dos inocentes presos que convivem com ratos em celas superlotadas é ter o direito de recorrer como os corruptos condenados que, além do apoio regiamente pago de seus defensores constituídos, recebem a mão amiga dos “defensores dos Direitos Humanos” de última hora.
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