Num episódio triste para nós, que somos pais, a Atlética de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro admitiu que sua torcida protagonizou episódios como xingar de macaca e jogar cascas de banana em atletas negros de times adversários durante os jogos jurídicos estaduais.
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Estes jovens estão sendo preparados por uma das melhores universidades do país justamente para defender os direitos de seus concidadãos, serão os futuros advogados, defensores públicos, promotores, procuradores, juízes, desembargadores e, sabe Deus, pode haver lá um futuro ministro da Suprema Corte. É intrigante como, justamente neste meio, surge o comportamento mais baixo, repulsivo, quase inexplicável.
Um ex-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB do Rio de Janeiro hoje é integrante da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e, na presente data, disse exatamente NADA sobre o episódio. O deputado Wadih Damous está preocupado com a violação dos direitos de Tacla Durán, ex-empregado do departamento de propinas da Odebrecht, cidadão espanhol condenado pela Lava-Jato. Detentor de dupla cidadania, fugiu para a Espanha, de onde não será deportado e presta depoimento amanhã.
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Talvez o assunto não cause rebuliço no meio político porque o cachimbo já entortou a boca dos integrantes deste círculo há muito tempo: agir de forma completamente oposta ao discurso é praxe, não motivo de escândalo. Vivemos no país que indicou para a presidência da Corte Inter-Americana de Direitos Humanos um advogado respeitadíssimo na área abalado agora por áudios familiares estarrecedores de violência doméstica.
A nota oficial da PUC-RJ sobre as atitudes racistas de seus alunos, assinada pelo Diretor do Departamento de Direito, Francisco de Guimaraens, e pelo Vice-Reitor Comunitário, Augusto Sampaio, é perturbadora porque absolutamente verídica. Aqui não falamos de estudantes universitários inseridos em um contexto de vale-tudo competitivo, mas em uma instituição católica, altamente comprometida com valores cristãos e com a inclusão, pioneira tanto em ações afirmativas práticas quanto teóricas. O que se passa na cabeça e no coração desses alunos?
Após tomar conhecimento, pelas redes sociais, de informações sobre atos de racismo possivelmente ocorridos durante os jogos jurídicos, a Vice-Reitoria para Assuntos Comunitários e o Departamento de Direito da PUC-Rio decidiram constituir Comissão Disciplinar para averiguação das informações e, caso confirmada a veracidade, a apuração e individualização das responsabilidades de membros do corpo discente. A Comissão Disciplinar será composta pelos professores Breno Melaragno, professor de Direito Penal, Job Gomes, professor de Direito do Trabalho e de Direito Desportivo, e Thula Pires, coordenadora do NIREMA (Núcleo Interdisciplinar de Reflexão e Memória Afrodescendente) e professora de Direito Constitucional, e terá prazo de quinze dias para elaboração de relatório.
Permanecemos fieis ao pioneirismo na promoção da diversidade e da igualdade racial, pois foi a PUC-Rio o berço dos pré-vestibulares comunitários para negros e carentes, a primeira instituição particular brasileira a instituir política de acesso e permanência de alunos negros e carentes, mediante concessão de bolsas de estudo, auxílio financeiro para custeio de despesas de alunos bolsistas, por meio do programa FESP (Fundo Emergencial de Solidariedade da PUC-Rio) e a primeira instituição a oferecer disciplina na graduação sobre ações afirmativas.
Aproveitamos a oportunidade para reiterar o compromisso da PUC-Rio com os princípios que constituem nossa missão pedagógica e cidadã. Com base nesses princípios, acreditamos que o racismo, violência que ainda corrói a sociedade brasileira, deve ser enfrentado por medidas repressivas e inclusivas. Não tergiversamos em combater qualquer forma de manifestação de racismo por meio de punições disciplinares e preservaremos o esforço de contínua melhoria das políticas de promoção da diversidade e da igualdade racial em nossa Universidade.
Professor Augusto Sampaio
Vice-Reitor Comunitário da PUC-Rio
Professor Francisco de Guimaraens
Diretor do Departamento de Direito da PUC-Rio
Aguardemos o relatório. É louvável um prazo rápido, de 15 dias, para apuração de responsabilidades e o comprometimento, sem o oferecimento de desculpas. No entanto, é um dever não apenas da universidade, mas da sociedade, das famílias que enviam seus alunos à instituição, repensar o tipo de educação que eles têm recebido e as reais consequências para atos graves. A lei brasileira prevê punições específicas para os cidadãos que julgam ter a liberdade de se expressar xingando de macaca ou jogando cascas de banana em adversários negros, mas imagino que não é exatamente o tipo de guardião das leis que imaginamos para o nosso futuro, ainda mais com a chancela de uma instituição cristã.
Por outro lado, estar no ambiente de uma instituição cristã, que se esforça para oferecer uma disciplina específica de ações afirmativas, dá bolsas de estudo para alunos negros e carentes e, além disso, custeia despesas desses alunos, não foi suficiente para promover nenhum tipo de mudança real no comportamento de quem é capaz de atirar uma casca de banana em um adversário negro. Eu me pergunto: será que essas pessoas se comportam dessa forma dentro da universidade ou sustentam outro tipo de narrativa quando são vigiadas?
A Atlética de Direito da PUC-RJ teve uma atitude digna: não buscou desculpas e reconheceu que não há desculpa suficiente para o ocorrido. Em nota oficial anunciou que não irá participar dos jogos jurídicos do ano que vem. Postou em sua página do Facebook a decisão da Liga Jurídica Estadual do Rio de Janeiro, manifestando acatamento.
A Liga Jurídica Estadual do Rio de Janeiro vem a público manifestar-se sobre os três episódios de injúria racial cometidos durante a edição dos Jogos Jurídicos Estaduais de 2018, em Petrópolis/RJ.
No sábado, depois da partida futebol entre PUC-Rio e UCP, uma integrante da torcida da PUC jogou uma casca de banana na direção de um atleta negro da UCP.
No domingo, após a final do basquete masculino entre PUC-Rio e UERJ, integrantes da torcida da PUC-Rio imitaram macacos diante dos torcedores negros da UERJ e, mais tarde, torcedores da PUC-Rio, novamente, chamaram uma atleta de handebol da UFF de macaca.
A Liga repudia veementemente os atos praticados, porém, diante da gravidade dos fatos relatados, tem consciência de que repudiar não é suficiente.
Portanto, em reunião extraordinária realizada na madrugada de segunda-feira, em conjunto com o movimento Jogos Sem Racismo, a Liga decidiu, por unanimidade, acatar a sugestão de penalidades encaminhadas pelo movimento a serem aplicadas à PUC-Rio, de acordo com os artigos 33 e 34 do Estatuto da Liga.
As punições são as seguintes:
1. A PUC-Rio, que havia terminado a competição com o maior número de pontos da competição pela primeira vez, foi punida com a perda de 12 pontos, sem, contudo, retirar os resultados esportivos das equipes e das modalidades individuais, em respeito aos atletas;
2. Excetuando-se as competições em que os seus atletas já estão inscritos, a PUC-Rio não poderá participar de quaisquer competições ao longo de 2018; e
3. A PUC-Rio não participará dos Jogos Jurídicos Estaduais do Rio de Janeiro em 2019.
Nas redes sociais, teve aluna da própria PUC-RJ, Isabel, indignada com o comportamento dos colegas:
Cara eu sou da PUC eu to enojada com essa história! Serio um absurdo isso acontecer!!
Porém o relato mais esclarecedor veio do estudante Thiago Sussekind:
Diante do racismo, evidentemente os alunos da UERJ ficaram revoltados. Nisso, uma menina da PUC vira para a gente e diz: “Olha o meu rosto, você acha mesmo que eu vou ser presa?”. Muito entristecedor estar tão próximo de um caso explícito de racismo.
É uma questão a ser colocada. São estudantes de DIREITO, sabem as consequências. São estudantes da PUC-RJ, sofrerão as consequências?
Não é razoável pensar que comportamentos desse tipo surgem do dia para a noite ou passaram completamente despercebidos na comunidade universitária ou na vida dessas famílias durante tanto tempo, eclodindo apenas em um único evento esportivo e, depois de despertar a indignação do público, recebem reprimendas com palavras fortes mas medidas de pai para filho: consequências MUITO MAIS LEVES do que as previstas na legislação.
Será que, se o preconceito realmente não fosse tolerado no ambiente universitário, haveria espaço para a convivência e o comportamento desafiador de quem se crê no direito de se julgar superior aos demais seres humanos devido à cor da pele ou classe social e ainda assim pleitear um diploma de Direito? O que dizem os professores da PUC na nota oficial é muito diferente do comportamento deles neste vídeo curto, de 5 minutos:
Michele Alves, bolsista da PUC-SP, contou em seu discurso de formatura como funcionam na prática as “ações afirmativas” dentro da Universidade:
Nós resistimos às piadas sobre pobres, às críticas sobre as esmolas que o governo nos dava, aos discursos reacionários da elite e à sua falaciosa meritocracia. Resistimos à falta de inglês fluente, de roupa social e de linguajar rebuscado que o ambiente acadêmico nos exigia. Resistimos também à falta de apoio financeiro e educacional da Fundação São Paulo, ao discurso sobre a vitimização das minorias e à suposta autonomia do indivíduo na construção do próprio futuro.
Resistimos também aos insultos feitos à nossa classe, aos desabafos dos colegas sobre suas empregadas domésticas e seus porteiros. Mal sabiam que esses profissionais eram, na verdade, nossos pais.
No mais, resistimos aos professores, que não compreenderam nossa realidade e limitações e faziam comentários do tipo: por favor, não estudem Direito Civil por sinopse porque até a filha da minha empregada que faz direito na UniEsquina estuda Direito por sinopse.
Esta frase foi dita por uma professora de Direito Civil no meu terceiro dia de aula. Após escutá-la, meu coração ficou em pedaços, pois naquele dia soube que a Faculdade de Direito da PUC-SP não era para mim. Liguei para a minha mãe, empregada doméstica, chorando, e disse que iria desistir.
Entretanto, após alguns minutos de choro compartilhado, ela me fez enxergar o quanto eu precisava resistir àquela situação e mostrar à PUC e a mim mesma o quanto eu era capaz de obter esse diploma. Essa história não é só minha, mas de todos os bolsistas formandos da PUC-SP.
Somos os filhos e filhas do gari, da faxineira, do pedreiro, do motorista e da mãe solteira. Por isso a eles, nossos maiores inspiradores, dedicamos nossa história de resistência nessa universidade.
O aplauso efusivo dos colegas ao final do discurso foi seguido por um constrangedor muxoxo do Corpo Docente, captado ao final do vídeo. Foi a única atitude tomada perante a série de fatos relatados, que eles sabem, presenciam, vai ver até aprovam – quem cala consente. Quem já frequentou uma universidade acima dos padrões intelectuais e financeiros da família, como foi minha história na USP, sabe bem de que material são feitos, nas conversas privadas, os progressistas e defensores da diversidade que vemos por aí. Não surpreende que seus descendentes estejam jogando casca de banana em adversários esportivos.
De nada adianta ter aulas de ações afirmativas, políticas de bolsas e auxílios financeiros se é dado sinal verde aos criminosos que tratam como ser humano de segunda categoria quem não é branco ou não nasceu num berço tão dourado quanto aquele que sua família lhe provicenciou. Em 2018, o Brasil chega a um momento em que precisa sair da narrativa para agir no campo da realidade, é bastante difícil. Para uma instituição católica, pode ser mais fácil: está em Mateus, 23.