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Stalker: o criminoso perigoso que não é punido no Brasil

No emaranhado de propostas risíveis apresentadas pelo novo Congresso, consegui pinçar uma que foge à regra. Importantíssima, com base em pedidos feitos por associações de juízes, pretende atualizar a nossa legislação penal em 30 anos. O projeto 1020/2019, de autoria do deputado Fabio Trad – advogado, professor de Direito e ex-presidente da OAB-MS – finalmente torna crime na lei brasileira algo que já é punido nos países desenvolvidos desde 1990, o “stalking” ou, como ficou consignado na peça legislativa, assédio obsessivo ou insidioso.

Ainda pouco conhecido no Brasil e sequer levado a sério pela maioria das pessoas, o stalking tem efeitos perversos sobre as vítimas e os criminosos, ao contrário do que se pensa, têm alto potencial de violência.

Já há estudos antigos, extensos e aceitos em todo o mundo tanto na área das Ciências Jurídicas quanto na área da psicologia sobre o tema. O tema passou a ser mais conhecido do público por meio dos stalkers de artistas, no início tidos como fãs comuns e pessoas normais entre quem convivem com ele, mas que são capazes de atos brutais como o assassinato de John Lennon e da atriz Sharon Tate, grávida de 8 meses. No final da década de 80, o filme Atração Fatal deu o tom do terror que o perseguidor causa até agir.

Na década de 90 foram feitos inúmeros filmes sobre o tema, mostrando os diversos tipos de stalkers, como A Mão que Balança o Berço, Cabo do Medo, Mulher Solteira Procura, Estranha Obsessão, Obsessão Fatal e até o pueril Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado. Alguns dos personagens centrais não admitem o fim de uma relação, outros imaginam ter uma relação com alguém que conhecem e há ainda os que fantasiem ter uma relação com quem sequer conhecem – um caso brasileiro é do stalker que causou uma tragédia na vida da apresentadora Ana Hickmann.

O caso é bem semelhante ao que acabou numa tragédia pior, que ceifou a vida da atriz Rebecca Schaeffer, em 1989. Robert John Bardo inicialmente era um stalker da ativista pela paz Samantha Smith. Quando ela morreu num desastre de avião, em 1985, passou a focar em Rebecca Schaeffer, que stalkeou durante 2 anos até um episódio em que tentou entrar com uma faca no estúdio que ela gravava, mas foi contido pelos seguranças da Warner. Passou então sua atenção para outras atrizes mas, ao vê-la numa cena com um homem na cama num filme lançado em 1989, contratou um detetive para descobrir o endereço de Rebecca, foi até lá com uma arma e a matou assim que ela atendeu a porta.

Exatamente por verificar, com base nos casos policiais e nos estudos psicológicos, que o desfecho da ação do stalker em assassinato ou estupro pode ser evitado se ele for parado enquanto se diverte perseguindo a vítima, a Califórnia tipificou o crime de stalking em seu Código Penal em 1990. Hoje, é crime em todos os 50 Estados americanos e também há legislação federal sobre o tema. Na Inglaterra, o crime foi tipificado em 1997 e em Portugal recentemente. Mas é crime também em países com a cultura completamente diferente da nossa, como Singapura. A perversão é, infelizmente, democrática e não se contém com barreiras culturais.

Aqui no Brasil, praticamente não há punição para os stalkers. Eles são enquadrados na Lei de Contravenções Penais e, na prática, são liberados para continuar a atormentar livremente suas vítimas.

A legislação brasileira é tão antiquada nesse aspecto que a punição aos perseguidores obsessivos ainda tem a seguinte redação na LCP:

Art. 65. Molestar alguém ou perturbar-lhe a tranquilidade, por acinte ou por motivo reprovável:

Pena – prisão simples, de quinze dias a dois meses, ou multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.

O TAMANHO DO PROBLEMA

Não existe uma estimativa de quantos stalkers temos no mundo mas, como em todos os tipos criminosos, eles são minoria na sociedade, mas têm alto potencial ofensivo. De acordo com o Centro Nacional para Vítimas de Crime dos Estados Unidos, uma em cada 6 mulheres e um em cada 19 homens já foi vítima de um stalker. Leia com atenção os exemplos práticos e casos reais. Com toda certeza você conhece alguém que já passou por isso, ainda que não soubesse dar um nome ao crime – foi a experiência que eu tive numa live em que falei do assunto.

No Direito brasileiro, a primeira definição de stalking surge num livro de 2009 do conhecidíssimo professor Damásio de Jesus. Experiente, o jurista coleta os vários tipos de casos práticos para definir um tipo específico: aquele que, por inúmeras razões, se acha no direito de controlar a vida de outra pessoa por meio do medo. Geralmente, na nossa sociedade, as pessoas entendem bem o crime e o risco do criminoso quanto se trata de alguém que não aceita o fim de um relacionamento amoroso. Ocorre que este não é o único tipo: há stalking de amigos, familiares, colegas de trabalho, colegas de escola, colegas de faculdade, conhecidos ou até de pessoas que o criminoso sequer conhece, mas com quem tem um relacionamento imaginário.

A origem da palavra vem de um caso real, da descrição de um criminoso sobre o prazer que sentia ao desumanizar suas vítimas. No livro “Stalking: atos persecutórios, obsessivos ou insidiosos”, a origem do termo para descrever este crime é descrita assim: “Está provavelmente ligada a uma terminologia em tema de caça, que remonta ao renascimento inglês e foi transportada das histórias de caça aos animas à caça, agora, do próprio ser humano (to stalk – perseguir um animal). (…) provavelmente, a primeira referência a um trágico caso de stalking, deve-se a um serial killer norte-americano que, em 1975, referindo-se ao próprio comportamento, declarou como fosse realmente excitante a perseguição, o stalking, da vítima”.

O “Manual de Psicologia para Operadores do Direito” de Jorge Trindade descreve dessa forma o stalking: “trata-se de uma constelação de condutas que podem ser muito diversificadas, mas envolvem sempre uma intrusão persistente e repetida através da qual uma pessoa procura impor à outra, mediante contatos indesejados, às vezes ameaçadores, gerando constrangimento e medo na vítima”. Parece algo bem amplo para a gente dar um exemplo do que seria isso, mas é apenas um resumo. Outras definições são mais práticas.

Volto aqui ao professor Damásio de Jesus. Ele define stalking como uma forma de violência em que o criminoso invade a privacidade da vítima, repetindo incessantemente a mesma ação, por maneiras e atos variados, empregando táticas e meios diversos como: ligações nos telefones celular, residencial ou comercial, mensagens amorosas, telegramas, ramalhetes de flores, presentes não solicitados, assinaturas de revistas indesejáveis, recados em faixas afixadas nas proximidades da residência da vítima, permanência na saída da escola ou trabalho, espera de sua passagem por determinado lugar, contratação de detetives particulares, frequência no mesmo local de lazer, em supermercados, etc.

Há 6 peculiaridades do stalking, segundo o professor Damásio de Jesus: invasão da privacidade da vítima, repetição de atos, dano à integridade psicológica e emocional da vítima, alteração de seu modo de vida, restrição à sua liberdade de locomoção, lesão à sua reputação.

A questão da reputação parece desconectada do crime, mas não é, trata-se de instrumento de uso comum dos stalkers para que minimizem as reclamações de suas vítimas, garantindo que ninguém impeça seus atos por não medir sua periculosidade ou por imaginar que a vítima fez por merecer. Segundo o professor Damásio de Jesus, para conquistar aos poucos o controle sobre a vida da vítima o stalker pode lançar mão de estratégias adicionais de perseguição como chantagens, calúnias, difamações, espalhar boatos, enfim, tentar “criminalizar” o cotidiano da vítima perante as outras pessoas para diminuir suas chances de defesa.

Um exemplo disso é a resposta do condenado na 3ª Vara Cível de Foz do Iguaçu, no Paraná, ao pagamento de R$ 25 mil por danos morais pelo juiz Rogério Vidal Cunha. O homem, segurança em uma casa de câmbio, atormentava a gerente de um posto de gasolina próximo com mensagens incessantes no celular e visitas ao local de trabalho dela. Quando processado, alegou que os dois tinham um relacionamento amoroso e que ela consentia com os contatos. É o que diz a quase totalidade dos stalkers quando flagrados e, infelizmente, a nossa sociedade ainda tende a ficar do lado dos criminosos.

A sentença cita a forma como o Direito italiano trata os casos de stalking que, pela periculosidade e forma de ação subreptícia do criminoso, exigem que seja levado em conta o estado psicológico da vítima – e não apenas provas da perseguição, geralmente inexistentes ou circunstanciais – a fim de punir o que, na maioria dos casos termina em crime mais grave e muito sofrimento. sobre a questão de atos persecutórios, O juiz Rogério Vidal Cunha traduziu assim a decisão do relator Caputo Angelo na Corte de Cassação da Itália, na Cass. n. 46510/20149: “A evidência do evento criminal em referência à causa na pessoa ofendida de um estado grave e persistente de ansiedade ou medo deve ser ancorada em elementos sintomáticos desse distúrbio psicológico que pode ser obtido das declarações da mesma vítima do crime, do seu comportamento resultante da conduta estabelecida pelo agente e também pelo segundo, considerando tanto a sua adequação abstrata para causar o evento, como o seu perfil concreto em referência às condições reais de lugar e tempo em que foi consumada”.

O juiz explica na sentença, aludindo ao caso concreto: “Em se tratando de conduta insidiosa, praticada geralmente sem a presença de terceiros, por meio de subterfúgios e meias palavras, deve o julgador dar maior valor à afirmação da vítima, ainda mais, como no caso dos autos, em que está em perfeita sintonia com os demais elementos de convicção.” No julgado em questão, havia fartas evidências de que o segurança da casa de câmbio ia constantemente ao posto de gasolina onde sua vítima trabalhava, mas não havia como provar as ameaças e perseguição, feitas sempre por meias palavras, subterfúgios e longe de terceiros. Inspirado no Direito italiano, o juiz analisou o dano psicológico da vítima, a necessidade de mudar sua rotina, a perda da tranquilidade diária e as evidências: o que o segurança tanto fazia no emprego dela?

Há criminosos que buscam o produto do crime, uma vantagem pessoal e, para isso, não se importam em causar sofrimento a outras pessoas. Mais perversos ainda são os que têm prazer com o crime que cometem, principalmente com o ato de subjugar a vítima e despi-la se sua condição humana, como torturadores, estupradores, serial killers e stalkers.  A sentença de Foz do Iguaçu fala assim sobre os atos de stalking: “são comportamentos insidiosos que buscam causar sofrimento às suas vítimas, são formas de constrangimento que ultrapassam qualquer senso de razoabilidade e de respeito, são, em essência, atos ilícitos que atingem o ser humano naquilo que lhe é mais caro, que é a sua tranquilidade de paz de espírito.”

AS CONSEQUÊNCIAS PARA AS VÍTIMAS

É difícil para pessoas que não são pervertidas compreender o que o stalker ganha com suas ações. Alguns deles inclusive tentam virar a mesa e processar a vítima que se queixa, é algo comum para as autoridades.

Geralmente, as pessoas tendem a enquadrá-lo em alguém que seria dissuadido de suas atitudes com uma conversa ou que apenas quer se desculpar com a vítima. Ceder a essa sensação de tratar como razoável quem tem um comportamento calculadamente maléfico só piora as coisas e provoca ainda mais o stalker. Seja pela presença indesejada constante, pelas ameaças, pela difamação e pelas necessárias mudanças na rotina, há dados objetivos de como reconhecer se realmente houve dano à vítima.

Os distúrbios psicológicos causados pelos stalkers são diversos, às vezes apresentados em conjunto e às vezes isoladamente ou de forma intermitente: sensação de perigo iminente, desconfiança, hipervigilância, medo culpa, sentimento de abandono, falta de controle, comportamentos de evitamento de outras pessoas, confusão, desânimo e, em casos mais graves, aumento do consumo de álcool, aumento do consumo de tabaco, aumento do consumo de medicação, depressão, tentativas de suicício, depressão, Stress Pós-Traumático e até Síndrome de Estocolmo.

A saúde física da vítima é sempre comprometida, seja pela ação do stalker que finalmente atinge seu ápice depois da desumanização e da caçada, seja por reações psicossomáticas. Entre os danos físicos mais típicos dos stalkers estão: hematomas, queimaduras, ferimentos de arma branca e ferimentos de arma de fogo. Os psicossomáticos são: insônia, pesadelos, fraqueza, cansaço, exaustão, náuseas, dores de cabeça, distúrbios digestivos, problemas de apetite. Muitas vítimas também mudam a aparência física, cortando e/ou tingindo o cabelo, engordando, emagrecendo, mudando o estilo.

Em todos os casos de stalking a vítima se vê obrigada a mudar sua rotina, em maior ou menor medida. São dados objetivos que a Justiça avalia onde essa conduta é punida como crime: alteração das rotinas diárias, mudança de emprego, mudança do número de telefone, residência, carro ou cidade, redução dos contatos sociais, evitar contatos sociais, evitar atividades sociais, redução na produtividade profissional, acadêmica ou escolar, faltas no emprego, redução dos rendimentos financeiros devido a faltas ou evitar contato com pessoas, necessidade de reforçar medidas de segurança, como mudar fechaduras, adquirir alarmes, adquirir armas, aprender a manusear armas, aprender técnicas de defesa pessoal.

A pergunta mais comum é o que a vítima fez para atrair a atenção do stalker, já que é realmente difícil de entender por que uma pessoa desenvolve uma obsessão sobre outra. Não há resposta. Às vezes o stalker jamais teve qualquer contato com sua vítima, em outras já foram íntimos, em outras há contato superficial apenas. Segundo o livro “Stalking e Cyberstalking: Obsessão, Internet, Amedrontamento” da promotora Ana Lara Camargo de Castro, o interesse do criminoso pode ser, além da frustração por um relacionamento rompido, admiração obsessiva, desejo de ter uma relação, vingança e até perversão.

É inútil tentar entender de forma objetiva e racional a semente da maldade, que foge de qualquer racionalidade possível ao ser humano.

OS 5 TIPOS DE STALKERS

Embora no Brasil se fale pouco sobre esse tipo de crime, as ciências biológicas já evoluíram bastante para catalogar esse tipo potencialmente destrutivo e certamente perverso da espécie humana. Os 5 tipos de stalkers são aceitos mundialmente, frutos de pesquisas psicológicas e observação empírica dos casos policiais: o rejeitado, o predador, o rancoroso, o carente de intimidade, e o conquistador incompetente.

O livro da promotora Ana Lara Camargo de Castro traz descrições muito simples de cada tipo de stalker, juntando suas motivações, comportamento, dano que causa à vítima e potencial de extrapolar da violência psicológica para a física. Decidi transcrevê-los por completo, tal como fez o deputado Fábio Trad em seu projeto de lei. Como ainda não se fala sobre o tema embora muitos brasileiros vivam aterrorizados por esses criminosos e vejam sua vida desmoronar com a ação deles, é importante enriquecer o debate público com o máximo possível de detalhes. Os grifos são meus:

“O rejeitado vem do contexto de ruptura relacional, usualmente erótico-afetiva, mas também familiar ou de amizade. As motivações desse tipo são reconciliação ou retaliação, que se podem apresentar de forma ambivalente, alternando desejo de reatar o relacionamento e ira. É o tipo que se utiliza da maior variedade de práticas persecutórias e emprega todos os métodos de intrusão e assédio. Vale-se de ameaças em mais de 70% dos casos e escalona para agressão em mais de 50% deles. Em classificações de outros autores, podem ser denominados como obsessivos simples, escanteados ou exparceiros. Mas, de toda forma, são os tipos mais comuns, que representam a maioria absoluta dos casos de stalking identificados e nos quais, em regra, incluem-se os stalkers em contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher.”

“O predatório surge no contexto de transtorno de preferência sexual (perversão). A motivação costuma ser a gratificação sexual, muitas vezes pelo simples voyeurismo, mas geralmente escalona para estupro, servindo o stalking como instrumento de preparação ou prelúdio para o ataque. O stalker dessa natureza tem prazer na observação sub-reptícia, diferentemente do rancoroso que deseja impor desconforto e medo, o predador muitas vezes não tem qualquer interesse em perturbar a vítima ou alertá-la. Em outras classificações aparece como sádico.”

“O rancoroso surge do sentimento de sentir-se maltratado, injustiçado ou humilhado. E a vítima pode ser completa estranha ou mera conhecida a quem ele atribui o distrato. A motivação inicial costuma ser vingança, posteriormente mantida pela sensação de controle que obtém em incutir medo na vítima. Pode também demonstrar ressentimento em relação à empresa, à autoridade ou ao sistema – forças poderosas e opressoras contra as quais acredita estar reagindo. Em classificações diversas, podem ser denominados como stalkers políticos ou de pauta específica.”

“O carente busca intimidade, surge de contexto de solidão e falta de autoconfiança. A vítima costuma ser estranha ou mera conhecida com quem o stalker deseja formar vínculo. É comum que sofra de transtorno delirante de erotomania e acredite estar sendo correspondido. Nessa categoria, encontramse aqueles que, em classificações propostas por outros autores, podem ser denominados como de fixação delusória, assediadores de celebridades ou erotomaníacos.”

“O conquistador incompetente é aquele que aparece em contexto de solidão ou lascívia, com foco em vítima estranha ou mera conhecida. Diferencia-se daquele carente de intimidade porque sua motivação não é o estabelecimento de vínculo amoroso e, sim, encontro passageiro ou relação sexual. Costuma assediar por curto período de tempo e quando o comportamento é mantido isso se dá por cegueira ou indiferença ao incômodo causado.”

Embora pareçam e alguns deles realmente sejam comportamentos patológicos, os stalkers NÃO são inimputáveis, a não ser em casos absolutamente excepcionais em que acumulem outros transtornos psicológicos e psiquiátricos. Um exemplo clássico é do adolescente ou jovem dentro do espectro de autismo que tem dificuldades em entender se está abandonando uma pessoa ou invadindo sua privacidade.

Fora desses casos absolutamente específicos que, na maioria das vezes, não costumam ter a mesma reação violenta que os stalkers têm à rejeição nem a malícia de difamar a vítima para diminuir suas chances de defesa, os stalkers são plenamente conscientes do ato que cometem, sabem que é errado, têm condições de controlar os próprios impulsos mas não o fazem simplesmente porque podem: continuam até que sejam parados.

A PROPOSTA DO DEPUTADO FABIO TRAD

Já tramita na Câmara uma proposta para adicionar ao art. 147 do Código Penal, ameaça, uma tipificação do stalking. Serviria tanto para punir os stalkers que ainda não atacaram fisicamente ou causaram prejuízos de ordem moral e financeira às vítimas quanto para aumentar a pena dos que cometeram outros crimes ou causaram danos mensuráveis durante o processo de perseguição da vítima.

A diferença dessa proposta, do deputado Fabio Trad, é que ela bebe das decisões de um Congresso de Juízes no ano passado, que avaliou a necessidade de estipular claramente uma punição para esse comportamento, que escalonou absurdamente nos últimos anos devido aos avanços tecnológicos que possibilitam tanto espionar quanto perseguir alguém. A tipificação é mais precisa e as penas propostas são maiores do que já está tramitando. O projeto 1020/2019 mudaria o Código Penal com o acréscimo do seguinte:

Assédio obsessivo ou insidioso

147-A Assediar alguém, de forma reiterada, invadindo, limitando ou perturbando sua esfera de liberdade ou sua privacidade, de modo a infundir medo de morte, de lesão física ou a causar sofrimento emocional substancial.

Pena – reclusão, de dois a quatro anos e multa.

Assédio obsessivo ou insidioso qualificado

§1º Se o autor do fato foi ou é parceiro íntimo da vítima.

Pena – reclusão, de três a cinco anos e multa.

§2º Incorre na mesma pena do §1º aquele que praticar o assédio com uso de tecnologia informática para inclusão, alteração de dados ou usurpação de identidade digital da vítima.

§3º As penas previstas nesse artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência.

A legislação proposta é muito semelhante à recente mudança do Código Penal Português, que acrescentou o crime de stalking. Lá as penas são menores, mas não existe a particularidade brasileira de cumprir pena fora da cadeia com condenações até 4 anos, o criminoso condenado vai preso mesmo. Além disso, o criminoso condenado tem de frequentar programas de tratamento e não poderá nunca mais se aproximar nem da residência nem do local de trabalho da vítima.

Artigo 154.º-A Perseguição

1 – Quem, de modo reiterado, perseguir ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, direta ou indiretamente, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.

2 – A tentativa é punível.

3 – Nos casos previstos no n.º 1, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima pelo período de 6 meses a 3 anos e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção de condutas típicas da perseguição.

4 – A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.

5 – O procedimento criminal depende de queixa.

No mar de propostas sem sentido que tramitam na Câmara nessa legislatura, temos um tema urgente, que poderia até ser incluído no pacotão anti-crime de Sergio Moro. Stalking é técnica utilizada de forma perversa não só por quem apenas sente prazer no crime como também pelo crime organizado – comum ou político – contra quem pode denunciá-lo e até por criminosos comuns que temem ser denunciados ou delatados.

Embora eu seja, em geral, contra a criação de novos tipos penais, estamos diante de uma atualização jurídica necessária frente ao mundo da hiperconexão e da hiperinformação que deu mais ferramentas para delinquentes aterrorizarem suas vítimas e esconderem sua ação criminosa. Se, além disso, ainda puder ser causa de aumento de pena para outros criminosos comuns, que praticam o mesmo ato de perversidade para atingir seus objetivos, melhor ainda.

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