A melhor coisa de fazer a cobertura jornalística do governo FHC é que a gente podia falar mal do governo dele, até dele, da mulher dele, dos filhos dele. A gente podia xingar o FHC, se quisesse. A gente entrevistava o FHC, no estilo quebra-queixo, na padaria ao lado da casa dele, fazia pergunta difícil, tirava sarro, ele ficava bem bravo, uns tucanos de alta plumagem às vezes pediam a cabeça da gente na redação, o chefe não dava, a gente virava uma espécie de lenda-viva do jornalismo moleque e vida que segue.
No governo FHC a gente cobriu todos os mais de 50 pedidos de impeachment que o PT fez contra ele, acho que até por usar barra de calça italiana, carregando bem nas tintas para sentir na pele aquele tipo de jornalismo de democracia nova. No mesmo dia em que a gente batia no FHC, ia atrás do Mario Covas para ele bater no Maluf. Na época, o PT o chamava de “nefasto” e nós chamaríamos de louco qualquer um que previsse uma aliança malufismo e petismo no futuro.
Naqueles tempos, julgávamos uma tremenda violação da liberdade de expressão essa mania que alguns tucanos tinham de pedir nossas cabeças aos diretores de redação, ainda que raramente tivessem sucesso. Não imaginávamos o que viria em seguida, quando o PT assumisse o governo: ninguém mais poderia falar mal dos governantes, o patrulhamento seria por parte dos próprios colegas.
A coisa começou a ficar estranha quando foram eliminadas as entrevistas com o presidente da República. A cobertura de Lula era bizarra: o presidente não respondia perguntas de jornalistas, apenas discursava. Gravávamos o discurso e apresentávamos os trechos ao público, coisa que nem durante os governos dos presidentes não eleitos havia sido feita. Daí, inaugurou-se algo que nem os generais tinham tido ideia ainda: dar entrevista só para quem fosse favorável, os tais dos auto-intitulados “blogueiros sujos”.
Cenário posto, a coisa rapidamente descambou para a idolatria e o patrulhamento. O próprio Lula definiu bem em seu magistral discurso pré-cárcere: não é mais uma pessoa, mas uma ideia. Essa ideia não falha, não delinque, não é posta à prova, não deve ser investigada, não presta contas à sociedade, está acima do bem e do mal.
O simples fato de colocar em dúvida qualquer ação divina da ideia (Lula) levava a pessoa à condição de pária, de alguém tentando botar o filho da empregada para fora do avião sem pára-quedas para que ele nunca mais pudesse pisar numa universidade. Era o “nós contra eles”, cultivado com carinho, temperado pelo vocabulário politicamente correto, alimentado com requintes de crueldade, até que tivéssemos um país dividido. Dividir para governar.
Dessa forma foi criado o “efeito teflon” nos mais diversos, incríveis e bilionários escândalos de corrupção que o país foi capaz de produzir. Encantamos o mundo com as histórias de maior escala na humanidade, fartamente documentadas, incansavelmente investigadas, julgadas com cuidado e punidas com penas consideradas brandas fora das nossas fronteiras. Mas o que são fatos na política do “nós contra eles”? São meros detalhes.
No Brasil dividido, o outro é sempre a fonte de todo o mal e o grupo ao qual pertencemos, apelidado de “lado certo da história” ou “cidadãos de bem”, é dotado do monopólio da virtude, portanto pode cometer qualquer deslize ou atrocidade em nome do bem maior. No Brasil do “nós contra eles” não se diferencia o certo do errado, mas um time do outro, inevitavelmente.
O combate a esse tipo de política, que idolatra um líder e permite que ele cometa todos os males em nome da escalada de seu grupo ao poder parecia óbvio: a união dos brasileiros. O oposto do “nós contra eles” é a união. Quem disse que o Brasil desistiria de ter seu paizão, de ser este eterno depósito de adolescentes birrentos de 40 anos dispostos a esfregar na cara dos irmãos que eles estão errados e vão tomar umas chineladas e dormir chorando hoje?
Assim, surgiu mais do mesmo: o “nós contra eles” de outro viés ideológico. O mais impressionante é que veio da base de apoio do próprio Lula, que não abandonou o barco nem quando petistas históricos deram show de lágrimas na tribuna da Câmara e fundaram outro partido, que apoiou Sérgio Cabral, que discursou em favor de Hugo Chávez, que apoiou Dilma. Mas o que são fatos para o Brasil do “nós contra eles”? Um detalhe insignificante. Mesmo com esse passado e presente, aqui a pessoa pode ser tida como conservadora e direitista. Por isso me ufano do meu país das maravilhas.
A metodologia é a mesma dos lulistas. Até a terminologia é a mesma, seja nos xingamentos machistas, apelos sexuais ou quando se juntam nos famosos grupos dos moçoilos inteligentinhos em chavões como “ad hominem”, “batendo num espantalho”, “argumento de autoridade”. Recebo alguns curiosamente iguais, iguais mesmo, sem uma palavra diferente, vindos do grupo de patrulha anterior, dos lulistas e do recém-formado, dos bolsonaristas.
A metodologia não muda: só é brasileiro quem obedece o grande líder, acata cada respiração dele. Discordou, questionou, desobedeceu, opinou, está fora. E o método de tentar assassinar reputações, acusar falsamente de crimes, expor dados pessoais na internet, fazer montagens maldosas, aterrorizar, enfim, mostrar claramente que está fora do grupo e que sofrerá represália é rigorosamente o mesmo. É a política do “nós contra eles” em ação. E ela tem apenas uma utilidade, que eu saiba: amedrontar quem pode expor podres de políticos. Melhorar um país não é o objetivo.
Quantas vezes você já deixou de dizer algo por medo da reação de grupos como estes, violentos, virulentos, maldosos, inconsequentes e adoradores de políticos? Imagine esses grupos com poder. Imagine 4 ou 8 anos vivendo sob o jugo desses grupos. Que tal? É esse o país que queremos?
Durante o processo de impeachment de Dilma Rousseff, que parecia durar uma eternidade, muita gente já mostrava sinais de desgaste com a voracidade dos cavaleiros do Apocalipse, os mercadores do medo, aqueles que só saem ganhando, que só ficam no topo quando o resto do país vai mal ou vive amedrontado sem saber exatamente o que teme. Muita gente, exausta, queria saber quem tem um plano para nós, para nossa união como brasileiros, para o Brasil.
Há quem tem relevância apenas se o país fracassa, por isso não quer um Brasil unido. Não há forma de o país dar certo, o máximo que pode ocorrer é você ficar do lado certo e virar inimigo da outra metade do país, que não vale nada. Será? Que tipo de ser humano sai ganhando com esse raciocínio que põe irmão contra irmão, filho contra pai, amigo contra amigo? Quem se regozija ao ver a economia ir mal, as pessoas desempregadas, os ânimos destemperados, as pessoas desfazendo amizades e os políticos, como sempre, acomodando seus interesses no lombo do povo?
Usar o medo difuso do povo para dividir irmãos e dominar nações é arte antiga dos poderosos, que também dominam outra arte: a do mel na boca e a faca nas costas. O nosso país merece muito mais do que isso, merece um plano de futuro, um plano emergencial de saída da crise e recuperação do crescimento. Já sabemos o que não queremos – e isso qualquer criança sabe dizer.
Já sabemos quem vai rodar a baiana, quem vai tocar fogo no circo, quem vai botar um contra o outro. A pergunta é: QUEM VAI UNIR O BRASIL?
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