Desde que parte da esquerda brasileira reclamou para si o monopólio da virtude, esgotando a paciência de quem não foi criado em parquinho de areia antialérgica, virou moda até entre os jovens se dizer conservador. Óbvio que existem tanto o conservadorismo quanto os conservadores, mas também há uma fauna exótica de conversadores.
Conversadores são os que se dizem algo sem ser, sempre são um discurso vazio, da boca para fora. São conversadores os que se intitulam liberais simplesmente pelo uso do sapatênis, abstendo-se de uma obrigatória defesa intransigente das liberdades individuais. São conversadores os que se dizem conservadores mas estão a conservar o nível de respeito humano daqueles bordéis de beira de estrada que distribuem cerveja grátis.
Às vezes perdemos a noção do povo que somos. Dia desses, quando alguém comentava uma fala abjeta e inconveniente do presidente da República, alguém defendeu em um chat: "ah, mas ele não é presidente da Suíça". Ou seja, nós somos menos, somos esculhambados, somos grotescos, somos uma piada para o resto da humanidade e devemos aceitar. Eu não creio nisso nem aceito.
Não há que se pagar na mesma moeda nem que se vingar daqueles que dizem ser uma coisa sendo outra. Talvez, dentro de suas limitações e torpezas da alma, realmente acreditem que suas maiores inadequações são virtudes. Cabe aos demais dar o limite.
A Inglaterra é o berço do conservadorismo moderno de Edmund Burke, mas nem por isso todos levam essa história a sério. Óbvio que tem conversador inglês também. Só que as democracias mais antigas já sedimentaram no povo algo que o nosso servilismo histórico e o capitalismo de compadrio acabaram esfacelando: a necessidade de ter princípios e propósitos. Aqui há liberais que apoiam até paredão se a bolsa subir. E há conservadores que xingam a mulher dos outros quando se sentem contrariados. Em todo canto há, mas nos lugares decentes há também quem dê um basta.
O conservador inglês John Bercow, presidente da Câmara dos Comuns na Inglaterra, reafirmou os valores do parlamento e da democracia numa performance histórica em que anunciou seu afastamento no próximo 31 de outubro.
A saída se deu por razões pessoais. Alega ter prometido à mulher e aos filhos, em 2017, que seria sua última eleição. Eles estavam na sessão e receberam o agradecimento de viva voz pela paciência com a vida política. Mas não foi uma sessão bucólica: lá estava também Boris Johnson, primeiro-ministro do Reino Unido, do partido conservador e da turma dos conservadores que discutem num nível de envergonhar botequim.
Ocorre que lá, ao contrário daqui, ele não discursa para capachos. Os jornais europeus fizeram uma coletânea dos melhores momentos de John Bercow na condução da Câmara dos Comuns, onde seus brados de "Order! Order!" caíram na boca do povo. Um dos momentos mais marcantes é aquele em que ele reafirma os valores conservadores, ingleses e democráticos a um novo ídolo da ala rastaquera do conservadorismo internacional, o novo primeiro-ministro britânico Boris Johnson.
Temos de ser justos: nem ele, que ultrapassa todas as linhas aceitáveis do comportamento do conservador britânico, chega no nível requenguela das aparições públicas de diversas figuras brasileiras. Ainda assim, não se aceita. A passagem mais marcante é uma em que o primeiro ministro tenta utilizar um truque manjado para desprezar alguém: fingir que não sabe direito quem é, diminuir a capacidade ou representatividade e atacar a família. Fosse aqui, seria chamado de "espontâneo". Onde não sobram bajuladores, foi colocado no lugar. Transcrevo o diálogo.
Boris Johnson - referindo-se a Emily Thornberry, antiga Secretária das Relações Exteriores da Inglaterra e casada com Sir Christopher George Nugee, nobre e juiz da Suprema Corte - "Diz não a nobre e educada Lady... A baronesa... Qual é o nome dela? Nugee!!! ? Que coisa extraordinária..."
John Bercow - "Duas coisas. Primeiro: não falamos palavrões nessa câmara (havia sido dito em outra frase). Em segundo... em segundo (tentam interrompê-lo) eu estou lidando com o problema e o jovem vai se beneficiar por escutar. Em segundo, nós não nos dirigimos às pessoas pelos títulos de nobreza de seus maridos ou esposas. A antiga Secretária de Relações tem um nome e não é Lady alguma coisa. Nós sabemos qual é o nome dela e é inapropriado e francamente sexista falar nesses termos. E eu não vou permitir isso nessa Câmara. Ponto final neste assunto. Não importa o quanto seja importante o membro da câmara, este palavreado não é legítimo e não será permitido e será confrontado."
Na esculhambação que tem se tornado nossa política, certamente respeito parece algo indevido e exagerado para muita gente. Não é, principalmente para aqueles que se valem do título de "conservadores" para conseguir votos da maioria conservadora da população brasileira. Nações antigas sabem que desgraças não começam com tiros de canhão, começam com palavras. Elas é que têm o dom de fazer com que avancemos, individual e coletivamente, aos poucos, o limite do aceitável até que o inaceitável se transforme em rotina.
Entendo os que querem enaltecer bons feitos de organizações ruins, eles realmente existem. O que não existem são boas pessoas que apóiem organizações ruins. Podem até ser eficientes, bons técnicos, bons profissionais, mas não há boas pessoas sem princípios, moral, caráter e respeito pelo próximo - são coisas profundamente diferentes.
Gostamos de pensar que somos o que fazemos. Não é tão simples assim. Somos, acima de tudo, aquilo que toleramos.