Pode parecer uma pergunta óbvia: todo adulto sabe a diferença entre uma opinião e um fato. Mas será que, no calor do debate político, as pessoas conseguem distinguir uma coisa da outra?
O senador norte-americano Daniel Patrick Moynihan, falecido em 2003, tinha uma frase emblemática sobre o problema: “Você tem direito às suas próprias opiniões, mas você não tem direito aos seus próprios fatos”.
Uma pesquisa conduzida pelo Pew Research Center, nos Estados Unidos, mais do que indicar o percentual dos que fazem a confusão, ensina como, no calor da discussão, fatos são confundidos com opiniões. Esse movimento que tumultua o debate político também impede que ele seja voltado para a construção de soluções, é uma futebolização da política, em que se dividem os times por argumentos emocionais, sem nenhuma preocupação com o povo.
Os pesquisadores listaram frases que são fatos, geralmente incendiários no debate político, e perguntaram às pessoas se aquelas afirmações eram parte da realidade, um fato puro e simples, ou a opinião de alguém. Fatos são aqueles que podem ser comprovados ou refutados com base em evidências objetivas.
Se a pessoa classificava a informação como fato, então perguntava-se se ele estava relatado de forma correta ou incorreta. Caso errasse e a classificasse como opinião, perguntava-se sobre a concordância ou não com ela. Todos os fatos colocados foram checados e são corretos.
O mesmo valia para o caso oposto. Eram apresentadas frases opinativas sobre determinado tema e se perguntava ao entrevistado se aquilo é um fato ou uma opinião. Aos que diziam corretamente ser uma opinião, perguntava-se sobre a concordância ou discordância. Aos que erravam e diziam ser um fato, perguntava-se se estava correto ou incorreto.
Os FATOS, aqueles que podem ser verificados e corroborados ou negados por critérios e evidências objetivas, eram os seguintes (IMPORTANTE: as somas ficam abaixo de 100% porque eliminam as casas decimais e os que não souberam ou não quiseram opinar.):
– Imigrantes ilegais nos Estados Unidos têm alguns direitos, de acordo com a Constituição.
É um FATO porque basta consultar a Constituição dos Estados Unidos para saber se é verídico ou não.
44% dos entrevistados, quase a metade, classificou o fato como opinião. Desses, 27% concordam e 72% discordam.
Dos 54% que apontaram corretamente como fato, 79% dizem que está correto e 20% dizem que está incorreto.
– Gastos com seguridade social, Medicare e Medicaid (os programas de saúde de Obama) são a principal fatia do orçamento do governo dos Estados Unidos.
É um FATO porque basta consultar o orçamento norte-americano para verificar se é verídico.
41% das pessoas classificam erroneamente como uma opinião e, desses, 82% discordam e 17% concordam.
Entre os 57% que classificam acertadamente como fato, 62% dizem que está correto e 37% alegam estar errado.
– O ISIS (Estado Islâmico) perdeu uma porção significativa de seu território na Síria e Iraque no ano de 2017.
É um FATO porque basta verificar os territórios que eram controlados pelo Daesh no início e no final do ano passado para concluir se a afirmação é correta.
30% das pessoas classificam erroneamente como opinião, sendo que 33% concordam e 64% discordam.
Entre os 68% que classificam acertadamente como fato, 84% dizem que está correto e 14% dizem que está incorreto.
– Os custos de saúde por pessoa nos Estados Unidos são os mais altos do mundo desenvolvido.
É um FATO porque basta comparar o custo per capita da saúde no país com outros países do mundo desenvolvido para checar sua veracidade.
23% dos entrevistados classificaram erroneamente como opinião, sendo que 48% concordam e 49% discordam.
Dos 76% que classificaram acertadamente como fato, 91% dizem que está correto e 8% dizem que está incorreto.
– O presidente Barack Obama nasceu nos Estados Unidos.
É um FATO porque o nascimento ocorreu em determinado lugar e isso pode ser verificado por testemunhas e documentos.
22% dos entrevistados classificaram erroneamente como opinião, sendo que 25% concordam e 73% discordam.
Entre os 77% que classificam acertadamente como fato, 89% dizem que está correto e 11% dizem que está incorreto.
As OPINIÕES, afirmações decorrentes da análise individual que não têm forma de comprovação objetiva – nem devem ter porque são livre expressão, não relato científico da verdade – eram as seguintes (IMPORTANTE: as somas ficam abaixo de 100% porque eliminam as casas decimais e os que não souberam ou não quiseram opinar.):
– Imigrantes que estão nos Estados Unidos são um grande problema para o país hoje.
É uma OPINIÃO que deriva da análise individual de números, fatos e sensações envolvendo os imigrantes. Os FATOS são os que embasam o raciocínio ou a conclusão, sejam ocorrências objetivas ou dados estatísticos. O que é “grande problema” para um pode não ser para outro, é subjetivo.
31% dos entrevistados classificaram erroneamente como fato, sendo que 89% dizem que está correto e 11% dizem que está incorreto.
Dos 68% que classificam corretamente como opinião, 30% concordam e 69% discordam.
– A democracia é a melhor forma de governo.
É uma OPINIÃO, derivada da análise de fatos, da observação da história e dos valores e princípios individuais. Tendo à disposição os mesmos fatos, duas pessoas podem concluir de maneira diferente sobre o que consideram “melhor”, um critério subjetivo.
29% dos entrevistados classificaram erroneamente a afirmação como fato, sendo que 92% deles concordam e 8% discordam.
Dos 69% que classificaram acertadamente como opinião, 70% concordam e 28% discordam.
– O governo é quase sempre gastador e ineficiente.
É uma OPINIÃO, derivada de análise individual sobre investimentos, gastos, arrecadação e performance dos governos. “Quase sempre” já é um critério absolutamente subjetivo e a avaliação sobre a diferença entre gasto e investimento é uma discussão interminável, não verificável objetivamente.
28% dos entrevistados classificaram erroneamente a opinião como fato, sendo que 91% dizem que está correto e 8% dizem que está incorreto.
Entre os 71% que classificam acertadamente como opinião, 52% concordam e 46% discordam.
– Aumentar o salário mínimo em US$ 15 por hora é essencial para a saúde da economia dos Estados Unidos.
É uma OPINIÃO baseada em dados econômicos e que, para ser emitida, é analisada de acordo com critérios pessoais e ideológicos sobre as prioridades na economia e o que significa sua saúde.
26% dos entrevistados classificaram erroneamente como fato, sendo que 83% disseram que está correto e 16% dizem que está incorreto.
Dos 73% que classificam como opinião, 37% concordam e 62% discordam.
– O aborto deve ser legalizado na maioria dos casos.
É uma OPINIÃO com a qual se pode concordar ou não, levando em conta valores e visões individuais. Independe do FATO de ser legalizado ou não, que é possível verificar de forma objetiva.
18% dos entrevistados classificaram erroneamente como um fato, sendo que 85% disseram que está correto e 14% disseram que está incorreto.
Entre os 80% que acertadamente classificam como uma opinião, 49% são favoráveis e 49% contrários.
RESUMO DA ÓPERA: é comum as pessoas classificarem como FATOS as OPINIÕES com as quais elas concordam nos temas políticos mais discutidos nos Estados Unidos.
Veja que interessante o gráfico: entre as pessoas que confundem uma opinião com um fato, a gigantesca maioria, sempre mais de 80%, diz que ele está correto. Elas estão representadas na coluna vermelho escura. Ou seja, estão tão convictas da opinião que sequer imaginam que pode haver contraponto, julgam ser um FATO verificável, parte da realidade.
RESUMO DA ÓPERA 2: quando as pessoas estão descontentes com a realidade, é comum que a classifiquem como OPINIÃO e discordem dela.
O percentual de pessoas que classificam fatos como opinião é maior, mas existe entre esses um pouco mais de clareza na análise do que no campo oposto, o que julga uma opinião como fato. Veja a coluna amarelo clara: é a daqueles que ouvem uma afirmação fática, a reputam como opinião e discordam dela. Ao fugir do problema e negar os fatos, buscam no embate de opiniões soluções que jamais chegarão.
RESUMO DA ÓPERA 3: entre os que têm clareza da DIFERENÇA entre OPINIÃO e fato, pode haver dúvidas na checagem, mas há mais flexibilidade para discordar – e talvez debater de forma construtiva.
Veja como a representação gráfica das colunas é de equilíbrio quando as pessoas reconhecem que determinada afirmativa é opinativa, ou seja, pode ser contraposta por uma opinião diferente, às vezes diametralmente, sobre o mesmo tema.
Não há como debater política sem ter clareza da diferença entre uma opinião e um fato, é um pressuposto que interdita qualquer tipo de discussão construtiva. Quando os dois conceitos se confunde, não temos debate nem discussão política, temos apenas gritaria.
O final de semana está chegando, as eleições também, o debate presidencial é logo mais e eu creio que vale a dica: que tal a gente analisar as vezes em que confundiu OPINIÃO com FATO e, por isso, acabou empacando em algum debate político ou reagindo de forma inadequada, que em nada contribui para o nosso país?
Que tal, de agora em diante, ao analisar qualquer questão política, olhar primeiro o que dali é OPINIÃO e o que é FATO?
Os políticos, os cavaleiros do Apocalipse e os cicerones do caos provavelmente não vão gostar dessa ideia porque vivem da confusão, do incêndio, do bate-boca, da alta temperatura que empolga e, necessariamente, só é farta num país desesperançado como o nosso.
Se você acredita que pode contribuir para a gente mudar a cultura e construir um país melhor, faço o convite. Deixa o passado no passado e, de agora em diante, segue a regra: primeiro vamos separar o que é fato e o que é opinião para depois tomar posição sobre isso.
Em África há um provérbio curioso: “Na briga de elefantes, quem sofre é o capim”. Somos o capim. Que saibamos nos defender de quem nos pisoteia.
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