“Talvez a religião seja como a cápsula de um remédio cuja finalidade é facilitar a absorção de boas maneiras pelo nosso organismo.”
(Somerset Maugham, em Servidão Humana)
A economia de mercado não é uma invenção humana, e dificilmente consegue ser implementada a força em determinadas sociedades. A economia de mercado é o resultado de um longo processo de tentativas e erros, e evoluções lentas e incrementais que surgem e se aprimoram na história de um povo. Se não me falha a memória, os economistas austríacos denominam esse tipo de processo evolutivo de ordem espontânea. Outro exemplo de ordem espontânea é o desenvolvimento da língua falada, o idioma, de cada país. Tal como os idiomas têm similaridades e peculiaridades, a economia de mercado de um país tem similaridade com a economia de mercado de outro país, mas tem também suas peculiaridades. Por exemplo, a economia de mercado em qualquer parte do mundo tem como ponto similar a troca voluntária. Mas a maneira como essa troca se dá pode diferir em cada país.
A economia de mercado tem um conjunto de pré-requisitos para sua eficiência. Quanto menos presentes forem esses pré-requisitos menos eficiente será essa economia. A propriedade privada, a liberdade de escolha, a livre entrada de competidores no mercado são alguns exemplos desses requisitos. Mas existe outro requisito, tão importante quanto esses que geralmente é pouco comentado: a confiança na boa fé das pessoas e empresas que participam do mercado.
De fato, em uma economia de mercado as trocas voluntárias desempenham papel central. Mas tais trocas perdem muito de seu dinamismo na presença de elevados custos de transação. Isto é, se para realizar uma troca for necessário transpor uma série grande de custosas barreiras, o número de trocas irá se reduzir, e consequentemente a economia perderá eficiência. Aqui entra a questão da confiança. Numa economia onde todos desconfiam de todos, onde a trapaça é a regra, os custos de se fazer negócios nesse ambiente irão aumentar, e toda sociedade sairá perdendo em decorrência dessa mazela.
Um exemplo simples ilustra o ponto. Em maio de 2007, eu me preparava para retornar dos Estados Unidos para o Brasil. Para tanto, fui vender meu carro. O comprador me deu o dinheiro e eu escrevi num papel em branco que estava vendendo o carro (descrição do carro), pelo preço X, na data Y, para o comprador W. Assinei o papel que eu mesmo tinha escrito a mão e estava tudo resolvido. Chegando ao Brasil fui comprar um carro usado. Para minha surpresa, eu e o vendedor do carro tivemos que assinar os documentos de compra e venda do veículo de dentro de um cartório em Brasília. Notaram a diferença?
Numa economia onde todos desconfiam de todos, onde a trapaça é a regra, os custos de se fazer negócios nesse ambiente irão aumentar, e toda sociedade sairá perdendo em decorrência dessa mazela
Talvez você nunca tenha notado, mas 99,99% das transações que você faz no seu dia a dia são completamente orais, com base exclusiva na boa fé, sem documento algum de comprovação. Você compra o pão na padaria acreditando que o pão tem aquele peso da balança que você nunca checou. Você paga o ônibus sem a menor preocupação, compra a pipoca sem medo, e realiza outras mil transações todos os dias com base exclusiva na confiança. Por que o mesmo não poderia ocorrer na compra de um carro? A rigor poderia, mas não ocorre, pois, na nossa sociedade não há confiança o bastante para isso. Quanto mais desconfiamos da boa fé dos demais agentes, mais salvaguardas criamos para nos protegermos. Claro que parte expressiva dessas salvaguardas existem por bons motivos e não devem ser abandonadas.
O ponto que quero frisar é que viver numa sociedade onde a boa fé e o respeito imperam traz ganhos econômicos, além dos ganhos de boa convivência. Não acredito que seja função do Estado mandar que confiemos uns nos outros. A rigor, boa parte de nossa desconfiança tem origem justamente no comportamento por vezes pouco comprometido do Estado no que se refere ao respeito a contratos. Ressalto então que quando o Estado desrespeita contratos, ou quando cria leis dificultando o cumprimento de contratos assinados voluntariamente entre partes, isso gera dois resultados negativos a sociedade: a) o custo de transação aumenta (pois você deixa de confiar que o contrato terá validade); e b) a desconfiança na boa fé da sociedade aumenta, o que por sua vez gera novo aumento nos custos de transação.
A religião, o respeito a Deus, costuma ser importante na questão da confiança. De maneira geral, uma pessoa temente a Deus, ou que teme o inferno, tem mais restrições morais que quem não tem essa trava moral. Isso não quer dizer que um religioso não comete fraudes, quer dizer apenas que a religião costuma ajudar na questão da confiança numa sociedade. Um sistema legal que puna desonestos também costuma aumentar a punição do crime, o que beneficia o cidadão honesto. O resultado é um aumento do grau de confiança na sociedade. Por outro lado, um sistema legal que favorece a criminalidade e por vezes pune o cidadão comum terá custos elevados em termos de confiança.
Enfim, esse texto é apenas um alerta para a importância de se fortalecer os vínculos de confiança que unem uma sociedade. Punir inocentes, soltar bandidos, desrespeitar contratos, enfraquecer os vínculos familiares, sociais, culturais, espirituais e morais de uma sociedade costumam ter custos econômicos elevados. Tudo isso pode ser resumido numa frase simples e poderosa: trate os outros como você mesmo gostaria de ser tratado. Além de moralmente belo, isso tem importantes implicações para o desenvolvimento econômico de uma sociedade.
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