floppy disks and Windows 95| Foto: rik-shaw/Creative Commons
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Começo alertando que, neste artigo, sobram dúvidas e faltam certezas. Não tenho as respostas, mas tenho perguntas que precisam ser equacionadas pelo ordenamento jurídico. Este texto propõe que a tradição, a moralidade e os costumes possam limitar a liberdade contratual e impor limites à propriedade privada. Certamente muitos que me conhecem levarão um susto com essa diretiva. Afinal, sou reconhecido e me assumo um economista liberal. Contudo, mesmo defendendo a liberdade contratual e a propriedade privada, sou da opinião de que ambas devem caminhar em sintonia com a evolução da tradição, da moralidade e dos costumes numa sociedade.

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A propriedade privada é um pilar indiscutível de uma sociedade livre. Não pode haver liberdade sem a existência de propriedade privada. Se os indivíduos não ficam com parte expressiva do fruto de seu trabalho, então a coerção será uma consequência inelutável. Hayek já explorou exaustivamente esse ponto em O Caminho da Servidão. Os países que compunham a antiga “Cortina de Ferro” sabem bem disso. (Cortina de Ferro é um termo criado por Winston Churchill para se referir aos países socialistas do Leste Europeu que eram direta ou indiretamente controlados pelo antiga União Soviética. Era composto pelos seguintes países: Albânia, Alemanha Oriental, Bulgária, Checoslováquia, Hungria, Iugoslávia, Polônia, Romênia e União Soviética.) Atualmente se encontram exemplos disso na Coreia do Norte e em Cuba. Em uma sociedade sem liberdade de escolha, o Estado usa seu poder de coação para obrigar os indivíduos e suas famílias a executarem o planejamento central autoritário.

Em sociedades livres, precisamos então garantir a segurança jurídica da propriedade privada. São vários os instrumentos adotados para fortalecer o instituto da propriedade privada, sendo um deles a liberdade contratual, que é a liberdade de indivíduos e empresas firmarem pactos livremente e estes terem validade jurídica. A liberdade contratual é fundamental e deve ter um escopo amplo. Até aqui, descrevi de acordo com a cartilha de meus amigos libertários. E aqui começa a diferença: em minha opinião, a liberdade contratual precisa e deve ser circunscrita à tradição, à moralidade e aos costumes acumulados na sociedade. A liberdade contratual – e, por consequência, a propriedade privada – não podem estar acima de valores inegociáveis da sociedade. Aqui, meu lado conservador fala mais alto que meu lado liberal.

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Em minha modesta opinião, a legislação para Big Techs hoje mais engorda o contra-cheque de seus acionistas do que garante qualquer outro tipo de estímulo à inovação. Nada contra lucros, só discordo da proteção legal a monopólios.

Vou ilustrar meu ponto com exemplos: a Microsoft criou o pacote Office há mais de 30 anos. Na época, se comprava um disquete para instalar o Office e, depois, só quem quisesse seria obrigado a comprar uma nova versão. Hoje, compra-se uma licença de uso de um ano e, para manter o pacote, é obrigatório renová-lo todos os anos. Sejamos francos: alguém acredita que é necessário até hoje o Estado dar proteção legal (via copyright) para que a empresa, protegida da competição, execute essa cobrança que fica bem acima de seu custo marginal? Afinal a Microsoft há muito já amortizou seu investimento. Notem que o retorno do investimento é o argumento básico aplicado a patentes (e copyrights). No caso específico das Big Techs existe certo abuso de poder de posição dominante. Faz sentido posições dominantes de empresas, que já amortizaram seu investimento, serem garantidas por legislações de patentes e/ou copyrights? Não é o momento de revermos a legislação de patentes e copyrights que se aplicam a uma série de bens e serviços?

Em minha modesta opinião, a legislação para Big Techs hoje mais engorda o contra-cheque de seus acionistas do que garante qualquer outro tipo de estímulo à inovação. Nada contra lucros, só discordo da proteção legal a monopólios. Me referi às Big Techs, mas certamente podemos encontrar vários outros exemplos na sociedade de empresas mantendo lucros extraordinários com base num monopólio artificial criado por lei. As patentes (e o copyright) devem se limitar a garantir o retorno do investimento e a manutenção dos incentivos para a inovação. Não faz sentido aplicar tal legislação para além do tempo necessário para garantir a inovação.

A patente é um monopólio temporário, concedido pelo Estado, ao inventor de determinado bem. A ideia é permitir que o inventor, caso tenha sucesso, seja remunerado por sua invenção por determinado período. É um incentivo para que todos continuem investindo em inovações. Pergunto: o pacote Office ainda precisa dessa proteção legal? Aplico a pergunta à Microsoft, mas ela poderia ser feita a uma série imensa de outras empresas (várias farmacêuticas, por exemplo) que usam indefinidamente seu direito de patente. Ora, a patente é um monopólio com base legal. Faz sentido manter essa barreira de entrada, com proteção legal, por tempo indefinido ou excessivamente longo, por meio de seguidas renovações?

E o que dizer das companhias aéreas? Hoje, paga-se para marcar o assento, para despachar bagagem e, em alguns países, até para fazer check-in no aeroporto. Nada disso era cobrado antes. O que aconteceu de diferente que justifique as novas cobranças? As companhias aéreas alegam que elas barateiam o transporte aéreo (confesso que não vi evidências robustas e significativas dessa redução de preço de passagens). É verdade que só compra passagem aérea quem quer, então muitos argumentam em favor da liberdade contratual. Afinal, a competição levaria à vitória de quem melhor atender o consumidor. Contudo, em um país com apenas três companhias aéreas, o mais provável é que estejam discriminando preços para transferir o excedente do consumidor para elas. Em palavras simples, estão aproveitando de seu poder de mercado para aumentar sua rentabilidade. Sim, concordo que, do ponto de vista econômico, isso é eficiente. Mas dizer que isso barateia as passagens ainda está por ser provado. E vou além, será justo mudar regras que disciplinam esse mercado, impondo custos dispersos (a todos os passageiros) e concentrando vantagens (nas companhias aéreas)? O argumento era de que isso iria baratear as passagens aéreas. Isso foi comprovado? Ou o que vimos foi apenas o poder de mercado de grandes companhias se apropriando do excedente do consumidor com amparo legal?

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Novas tecnologias e novos modelos de negócio exigirão novas formas de direito de propriedade

A verdade é que existe uma revolução a caminho: novas tecnologias irrompem em vários campos, criando novos produtos, serviços e modelos de negócio. Essa revolução terá de se basear em novos marcos legais de direitos à propriedade, que deem validade jurídica aos contratos livremente assinados entre partes. Acredito que o direito de propriedade dessas inovações, por mais importante que seja, deva ser limitado pela tradição e valores de uma sociedade. Apesar de desnecessário, é importante repetir: nenhum direito é absoluto; ele precisa estar conforme a tradição e valores que dão base de sustentação a qualquer sociedade livre.

A tradição, por vezes, deixa de estar de acordo com o modo de vida da sociedade. Nesses casos, há rupturas. Para evitar traumas, é fundamental que o ordenamento jurídico seja gradativamente ajustado, por incrementos pequenos e lentos, que possibilitem o ajuste social sem grandes fraturas. Esse é o cerne do pensamento conservador: nenhum ser humano é perfeito, logo toda obra humana é também imperfeita. Assim, a prudência recomenda mudanças marginais e lentas para permitir que o tecido social se ajuste à mudança. Essa cadência prudente é importante também para que seja possível reverter a mudança sem grandes custos sociais, em caso de ter ocorrido na direção errada.

Encerro lembrando que meus amigos libertários, por razões diversas, concordam com várias partes desse texto (vários deles criticam o direito de patente e de copyright). A diferença é que, enquanto este texto ressalta a importância da tradição e dos valores numa sociedade, e frisa a necessidade de um ajuste lento, os libertários ressaltam a desnecessidade de o Estado dar o monopólio legal a quem quer que seja. Os libertários são favoráveis a ajustes muito mais bruscos na sociedade.

Novas tecnologias e novos modelos de negócio exigirão novas formas de direito de propriedade. Criar uma legislação que permita e estimule a inovação e, ao mesmo tempo, esteja de acordo com a tradição e os valores de uma sociedade, não permitindo que conglomerados nacionais ou internacionais se sustentem com base em monopólios outorgados pelo Estado, é um desafio que devemos encarar, e sobre o qual devemos refletir.

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]