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“A única maneira de descobrir os limites do possível é ir além deles para o impossível.” (Arthur C. Clarke)
A inteligência artificial está chegando ao grande público, e as dúvidas, expectativas e receios também. Talvez seja exagero de minha parte, mas acredito que a revolução das novas tecnologias associadas à inteligência artificial, à massiva digitalização de serviços e ao trabalho remoto só encontra paralelo na Revolução Industrial.
A primeira fase da Revolução Industrial na Inglaterra ocorreu entre os anos de 1760 e 1850. Ao final desse período, o padrão de vida inglês aumentou consideravelmente. Por exemplo, entre os anos de 1700 e 1760 (antes da Revolução Industrial) o PIB inglês crescia em média 0,66% ao ano (e o PIB per capita 0,31%). Entre 1830 e 1870 (ao final da Revolução Industrial) o PIB crescia 2,49% ao ano (e o PIB per capita 1,31%). No ano de 1700 a expectativa de vida de um inglês era de 36 anos. Em 1805 subiu para 45 anos. Além disso, ao longo desse período ocorreu um vigoroso crescimento da população inglesa.
Se a Revolução Industrial foi tão boa para a Inglaterra, então por que tantos livros a criticam? Acontece que, apesar de uma comparação entre o antes e o depois mostrar a evolução no padrão de vida na Inglaterra, a transição não foi suave e certamente parte da população inglesa teve queda considerável em seu padrão de vida durante os anos de transição. Esse é o ponto que me interessa nesse texto.
Em 2035, acredito que o padrão de vida de toda sociedade terá se beneficiado razoavelmente da revolução tecnológica que se aproxima. A digitalização em massa dos serviços, a consolidação do home office e as evoluções na inteligência artificial e na biotecnologia irão beneficiar a população. Viveremos mais, teremos acesso a um conjunto maior de bens e serviços, e, caso nenhuma catástrofe ocorra, nosso bem-estar terá aumentado. O problema todo é a transição. Tal como ocorreu na industrialização, existe uma possibilidade não desprezível de determinados segmentos da sociedade arcarem com custos elevados na transição para um regime de alta tecnologia.
O primeiro grande desafio refere-se às fraudes. Numa sociedade complexa, repleta de instrumentos de trocas digitais e com indivíduos e empresas ainda acostumados com uma tecnologia analógica, não será estranho observar uma explosão de fraudes nos mais diversos mercados. Exatamente por isso é fundamental reforçar as políticas antifraude das empresas e alertar as pessoas sobre os novos riscos a que estão expostas.
A incapacidade de realocar um grande contingente de pessoas em um curto espaço de tempo foi o calcanhar de Aquiles da Revolução Industrial
O segundo grande desafio refere-se à classe média: revoluções tecnológicas costumam afetar gravemente determinadas ocupações características das classes média-baixa (porteiros, secretárias, motoristas, atendentes etc.) e média-alta (professores, advogados, economistas e profissionais liberais em geral). Não será surpresa se essas ocupações se confrontarem com dificuldades e perdas de emprego. A incapacidade de realocar um grande contingente de pessoas em um curto espaço de tempo foi o calcanhar de Aquiles da Revolução Industrial. E as consequências dessa incapacidade foram graves e deixaram marcas em um amplo segmento da população.
O terceiro grande desafio é educacional. É fundamental treinarmos a geração atual para ser capaz de lidar com inovações relacionadas à digitalização, uso intensivo de bases de dados, tecnologias de trabalho a distância e inteligência artificial. Existem certamente muitos outros desafios, mas acredito que o ponto do artigo já tenha ficado claro: existe um admirável mundo novo se aproximando. Esse mundo apresenta possibilidades incríveis, mas apresenta também um elevado custo de transição que irá punir parte da população. Elaborar políticas públicas para atenuar os custos de transição nos diversos segmentos de nossa sociedade é fundamental para evitar rupturas mais sérias, como as ocorridas durante a Revolução Industrial.
Revoluções tecnológicas aumentam o padrão de vida de uma sociedade. Lutar contra elas é não apenas inviável como também uma escolha equivocada. Contudo, os custos de transição de tais revoluções são elevados. Sendo assim, é fundamental que a sociedade se prepare para tais mudanças tomando medidas que vão desde o aprimoramento dos métodos educacionais até a melhoria nas regras de assistência social. Quando uma pessoa de 40 anos perde o emprego para uma máquina, o custo social desse efeito é elevado. Quando toda uma geração se confronta com esse risco é fundamental que políticas públicas sejam desenhadas para abordar essa questão.
Conteúdo editado por: Bruna Frascolla Bloise