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Adolfo Sachsida

Adolfo Sachsida

O que é necessário para ser um bom ministro de Estado?

Entrada do monastério beneditino de Rudy, Polônia. (Foto: Piotrus/Creative Commons)

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Ora et labora. – Reze e trabalhe.

1

Não aceite um cargo para o qual não tenha se preparado.

O primeiro passo para ser um bom ministro de Estado e servir ao povo é estar preparado para o desafio. Essa preparação é feita ao longo de anos: estudar duro e trabalhar duro são chaves. Nunca aceite um cargo para o qual não esteja preparado. Ser ministro de Estado envolve muita inteligência emocional, capacidade de diálogo, experiência, maturidade, serenidade e resiliência. Capacidade técnica é importante, mas lembre-se: ser ministro é como ser um super CEO de uma multinacional, é a capacidade de gestão que irá ter impacto grande no seu desempenho.

2

Setor público tem regras próprias.

Fundamental entender que o setor público tem regras específicas, não adianta reclamar de morosidade. Leis e ritos do setor público são mais lentos, fundamental saber navegar nesse oceano (ou ter alguém ao seu lado quem saiba).

3

Chame os melhores para trabalharem contigo e dê liberdade a sua equipe.

As estruturas ministeriais são gigantes; se sua equipe for fraca ou inexperiente, você terá problemas. Trabalhar com os melhores implica também saber que sua equipe precisará de liberdade para trabalhar. Não adianta chamar os melhores e não lhes dar espaço.

4

Estabeleça seu norte. Tenha objetivos claros.

O dia a dia de um ministério é pesado. Se você não tiver objetivos claros e souber aonde quer chegar, a burocracia irá massacrar seu dia a dia e será questão de tempo para a desorganização se instalar. Nem sempre é possível atingir os objetivos estabelecidos, pois, além de todas as dificuldades inerentes a qualquer objetivo, existem também questões políticas que muitas vezes estão fora de seu controle. O importante é ir em direção ao norte desejado, tendo inteligência emocional para compreender que, às vezes, desvios serão inevitáveis. Enquanto você estiver indo no rumo desejado, está tudo bem; se for necessário um caminho mais longo, tudo bem também, mas não aceite ir no caminho oposto.

5

Exemplo vem de cima. Nunca cobre de outros o que você mesmo não entrega.

Um ministério, com o tempo, refletirá o perfil do ministro. Chegar cedo e sair tarde é fundamental. Ouvir a equipe é fundamental. Colocar o povo à frente de interesses privados é fundamental. Saber ouvir críticas é fundamental. A liderança se exerce sobretudo pelo exemplo, trabalhe duro, dê espaço para as equipes técnicas, respeite o setor privado e os representantes do setor público, tenha espaço e faça questão de ouvir deputados e senadores (afinal eles são os representantes do povo), peça ajuda a Deus, e tome as decisões colocando o povo em primeiro lugar. Garra, determinação e trabalho duro, quando provêm do líder do time, se espalham por toda equipe. Nunca abdique de sua liderança, e lidere pelo exemplo.

6

Boa parte de sua contribuição nunca será conhecida, entenda e respeite isso.

Ao contrário do que a maioria pensa, creio que apenas em torno de 30% do trabalho de um ministro vem a público. Suas ideias, suas propostas, as leis elaboradas nos ministérios e uma série grande de coisas que se materializam não devem ser mais do que 30% do trabalho. A maior parte do trabalho, diria uns 70%, é evitar que ideias ruins prosperem. Todo dia, um conjunto grande de pessoas bem-intencionadas traz ideias que podem trazer consequências negativas sérias para o povo. Evitar que ideias ruins prosperem é a maior parte do trabalho e, em muitos casos, a maior contribuição de um ministro de Estado.

Ponto 7: Mente sã, corpo são e em paz com Deus.

Não é possível fazer um bom trabalho como ministro de Estado sem estar em paz consigo mesmo. Talvez em outras profissões isso seja possível, mas não é possível liderar adequadamente um ministério se você gosta de beber e sair para baladas. Também não é possível ser Ministro de Estado e querer manter outras atividades: foco é fundamental. Ter paz de espírito, estar em paz com Deus é mais importante do que muitos supõe. Quando a pressão chega, quando tudo pelo que você lutou se vê ameaçado, não tenha dúvidas de que buscar refúgio em Deus é uma estratégia vencedora. Paz de espírito importa muito. Por fim, na esmagadora maioria dos casos, a resposta a questões tecnicamente complexas envolve consideráveis incertezas. Se você não estiver em equilíbrio físico, emocional, intelectual e espiritual, terá muita dificuldade em dar a direção correta ao seu time no ministério.

Abaixo reproduzo um texto de minha autoria.

Um dia na vida de um Ministro de Estado

“Tenha um plano, confie no plano, mantenha o plano.”
(Paul William "Bear" Bryant)

O despertador toca às cinco horas da manhã em ponto. Saio para minha caminhada de quarenta e cinco minutos na qual rezo o Rosário. Às seis tomo o meu café puro e aproveito para ler notícias e responder às mensagens recebidas durante a madrugada. Às sete em ponto é necessário tomar o banho e se vestir. Importante ressaltar que o horário mais fácil de se falar com o presidente ou com o ministro da Economia é antes das sete, então é importante aproveitar bem esse começo de dia. O carro oficial com a escolta sai do prédio às sete e meia e chego pontualmente às sete e cinquenta no ministério.

No ministério, os primeiros 5 minutos são para orações. Talvez pareça estranho ao leitor o motivo de tantas orações. A verdade é simples: o volume de trabalho é descomunal, a quantidade de decisões a tomar, a magnitude dessas decisões, os valores financeiros envolvidos, a amplitude dos temas, a quantidade de documentos a analisar e assinar, o número de pessoas e equipes a receber, as notícias nacionais e internacionais, os compromissos oficiais, tudo é de proporções que uma pessoa comum não tem como dominar. São assuntos demais, pessoas demais, decisões demais. "Ora et labora" (Reze e trabalhe), diz o tradicional lema Beneditino. Eu segui esse conselho.

A agenda interna começa às oito da manhã. Gabinete, secretaria executiva e jurídico tem prioridade nessa primeira meia hora. A agenda das oito às oito e meia é sempre mantida em aberto para o caso de urgências. A partir das oito e meia a agenda está aberta também para compromissos externos. As reuniões são sempre de quarenta e cinco minutos, mas a agenda é sempre fechada de hora em hora. Isso gera uma “folga” de quinze minutos entre reuniões. Essa “folga” é utilizada para o caso de ter que retornar ligações, encaixar outras agendas, ir ao banheiro, ou evitar que o atraso em determinada reunião acabe por atrasar toda agenda do dia. Pontualidade é fundamental, e sempre prezei e respeitei o tempo alheio. O almoço é geralmente curto e não passa de uma hora. Nunca gostei muito de agendar reuniões durante o almoço, é um horário sagrado e sempre gostei de usar essa hora almoçando sozinho. Claro que nem sempre isso é possível e várias vezes é necessário aproveitar o almoço para reuniões de trabalho. A agenda segue assim até normalmente às sete e meia da noite. Aproveito meia hora para colocar em ordem as reuniões do dia e organizar os encaminhamentos que devem ser providenciados. Às oito da noite é o momento de receber novamente o jurídico e o gabinete. São vários documentos que necessitam da assinatura de um Ministro de Estado, e no Ministério de Minas e Energia esses documentos eram geralmente assinados no final do dia. É um despacho longo e geralmente desconfortável. O jurídico explica que tudo está OK, o gabinete confirma que revisou os processos e que está tudo OK, e uma equipe de técnicos as vezes é chamada para atestar que está tudo realmente OK. Todo dia, são dezenas de processos assinados envolvendo os mais diversos tipos de assunto. Ora et labora.

O Ministério de Minas e Energia (MME) tem ligações diretas com aproximadamente 10% do PIB brasileiro. Assuntos ligados a petróleo, gás, biocombustíveis, geração, distribuição e transmissão de energia elétrica (geração eólica, solar, nuclear, térmicas, biogás, resíduos, pequenas centrais hidrelétricas, hidrelétricas, geração distribuída, hidrogênio verde, leilões etc.), planejamento energético e mineração estão todos sob a prerrogativa legal do MME. O MME conta com uma estrutura que se divide em: 1) gabinete; 2) secretaria executiva; 3) assessoria jurídica; 4) assessoria econômica; 5) assessoria internacional; 6) compliance; 7) secretaria de petróleo, gás e biocombustíveis; 8) secretaria de mineração; 9) secretaria de energia elétrica; 10) secretária de planejamento energético. Com todos eles eram realizados no mínimo uma reunião semanal para acompanhamento e despachos necessários.

Várias empresas estatais ou de economia mista também estavam ligadas ao MME: Petrobras, PPSA, ENBpar (que inclui Eletronuclear (responsável por Angra 1 e Angra 2), Itaipu e Indústrias Nucleares do Brasil), Serviço Geológico do Brasil, NUCLEP, e Empresa de Pesquisa Energética. A Eletrobras também fazia parte desse grupo até ser privatizada. Ao MME também estão ligadas três agências reguladoras: Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), e Agência Nacional de Mineração (ANM). Também devemos incluir aqui o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). Com todos eles eram realizados ao menos uma reunião quinzenal para acompanhamento e despachos necessários.

Desnecessário dizer que o fluxo de pedidos de reuniões incluía ainda diversas associações, empresas, embaixadores, comitivas de empresários estrangeiros em visita ao país, políticos, outros ministros, e o presidente da República. Importante também ressaltar que o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) e o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) demandavam quantidade razoável de preparação para sua realização. Criei a Iniciativa Mercado Minas e Energia (IMME), fórum permanente de debates aproximando o setor público do setor privado, buscando o aprimoramento da legislação do setor. Por fim, dado o enorme volume de ações judicializadas no setor de atuação do MME também era necessário visitas ao STF, STJ e TCU.

Um dia comum na minha vida de ministro do MME começava às cinco da manhã e ia regularmente até depois das dez da noite. Claro que, quando ocorriam viagens (seja para acompanhar o presidente, seja para cumprir obrigações e compromissos fora de Brasília), a agenda ficava mais apertada ainda. Esse era o motivo de declinar de praticamente todas as viagens nacionais e internacionais para as quais fui convidado. Viajar, só quando for realmente necessário. O conselho que posso dar a quem almeja cargos desse nível é a famosa frase do mais vitorioso técnico de futebol americano universitário dos Estados Unidos: “Tenha um plano, confie no plano, mantenha o plano” (Paul William "Bear" Bryant).

Meu plano à frente do Ministério de Minas e Energia era simples: o consumidor brasileiro vem sempre em primeiro lugar. Na área de petróleo, gás e biocombustíveis o objetivo básico era aumentar a competição no setor. Na área de energia elétrica, o objetivo era energia limpa, segura e barata. Na área de planejamento energético, o objetivo era melhorar a eficiência do mecanismo de preços e não privilegiar tecnologias; a tecnologia escolhida deveria ser sempre a que melhor atendesse ao consumidor. Na área de mineração, o objetivo era termos uma mineração padrão Canadá-Austrália.

Se você chegou até aqui no texto já deu para notar que um Ministro de Minas e Energia tem muito poder. Reduzir esse poder é um norte seguro a ser perseguido. Como dizia Lorde Acton “O poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente”. Exatamente por isso sempre fui contrário que uma quarta agência reguladora (a Agência Nacional de Segurança Nuclear – ANSN) fosse colocada sob a alçada do MME. Sempre que esteve ao meu alcance tentei reduzir a influência do MME na alocação de recursos privados e na escolha de tecnologias vencedoras nos leilões. O que acontece no MME acontece em vários outros ministérios. Por isso sempre fui favorável a privatizar empresas, incrementar as concessões, aumentar a transparência na administração pública e reduzir a intervenção do Estado na economia. É poder demais para quem quer que seja.

Ter um norte é fundamental para quem quer ocupar cargos dessa envergadura. Às vezes questões conjunturais nos afastam de nossos objetivos, mas, quando se tem um norte, sempre é possível conduzir o navio, com parcimônia e sabedoria, para aquele destino. Por fim, meu conselho final: fique longe das festas, bebidas, homenagens, viagens glamourosas e paparicações. Lembre-se: “Exposição constante e por tempo prolongado sempre resulta em algum grau de contaminação” (Spock). Não dê chances para o glamour e a paparicação do cargo lhe seduzirem. Rotina de ministro é de casa para o trabalho, e do trabalho para casa. O preço de ser Ministro de Estado é alto para toda a família; mas, se seu objetivo é servir ao povo brasileiro, vale a pena. Ora et labora.

Conteúdo editado por: Bruna Frascolla Bloise

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