Critério que exclui votos brancos, nulos e abstenções infla artificialmente o apoio dos candidatos entre o eleitorado.| Foto: LR Moreira/Secom/TSE
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Qual a legitimidade de um prefeito eleito com menos votos que a soma de brancos, nulos e dos que nem foram votar? Foi o que aconteceu nessas eleições municipais.

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Em muitas cidades, o abstencionismo, sozinho, superou a votação do segundo colocado, caso de Guilherme Boulos em São Paulo. Houve municípios em que a soma de abstenções, votos brancos e nulos superou até a votação do vencedor! Novamente, temos o caso de São Paulo: o eleito Ricardo Nunes recebeu 3.393.110 votos, enquanto 3.605.433 pessoas não escolheram nenhum candidato, seja votando branco, nulo ou nem indo votar. O conjunto de abstenção, brancos e nulos superou a votação do eleito em Belo Horizonte (744.873, contra os 670.574 votos de Fuad Noman), em Goiânia (393.702, contra 353.518 votos para Sandro Mabel) e Porto Alegre (436.025, contra 406.467 votos de Sebastião Melo).

Essas eleições tiveramrecordede abstencionismo, votos brancos e nulos: quase 10 milhões de pessoas, ou 29,62% de abstencionismo em nível nacional. As porcentagens em algumas capitais são ainda maiores: 34,83% em Porto Alegre; 34,2% em Goiânia; 31,95% em Belo Horizonte; 31,51% em São Paulo; 30,37% em Curitiba. Somando-se votos brancos e nulos, a porcentagem dos que não escolheram candidato nenhum chega a 40%. O índice só não foi maior nas eleições municipais de 2020, realizadas durante a pandemia, quando muitas pessoas não foram votar por razões óbvias. O TSE quer pesquisar mais a fundo o fenômeno.

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Votos brancos, nulos e abstenções são comportamentos eleitorais legítimos e importantíssimos, que sinalizam insatisfação em relação à classe política, e deveriam ser considerados

Atualmente, os votos são mostrados em proporção aos chamados “votos válidos”, que excluem a abstenção, os brancos e os nulos. Isso faz com que a porcentagem suba artificialmente e o apoio a um candidato pareça maior que o real. Mas votos brancos e nulos são perfeitamente válidos, pois são previstos no ordenamento jurídico.

Na verdade, os votos deveriam ser mostrados em proporção a quem tem o direito de voto (contando-se, então, o abstencionismo, os votos brancos e os nulos). A literatura ajuda a entender a lógica dessa ideia.

Na obra Ensaio sobre a lucidez, O Prêmio Nobel José Saramago descreve uma eleição imaginária na qual 74% das pessoas votam em branco. As autoridades anulam as eleições e repetem o pleito, mas na segunda vez os votos brancos sobem para 84%. Só então as autoridades políticas entendem que se trata de um protesto.

O abstencionismo é um comportamento eleitoral que demonstra desinteresse, insatisfação ou até protesto. Votos brancos e nulos demonstram insatisfação ou protesto. A literatura científica chama essa área de “não voto”, mas, na verdade, brancos e nulos não são “não votos”; são voto, sim, e um voto muito claro! Mesmo o abstencionismo não é a mera escolha por não participar; pode ser também uma forma de insatisfação e protesto, como são o voto branco e o voto nulo. Todos eles deveriam ser considerados. Trata-se de comportamentos eleitorais legítimos e importantíssimos, que sinalizam insatisfação em relação à classe política. Estamos acostumados a ouvir que esses são comportamento negativos, mas só porque são negativos para a elite política.

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Se queremos que as coisas mudem, é preciso incentivar os políticos a levar em consideração a insatisfação e o protesto da população. Deveria haver um quórum pelo qual só é eleito quem receber 50% mais um dos votos de todos os eleitores habilitados (contando abstencionismo, votos brancos e nulos); do contrário, a eleição se repete. Ou, então, a porcentagem de brancos e nulos poderia ser subtraída do financiamento eleitoral (por exemplo, 8% de votos brancos e nulos, significam 8% de redução nos fundos partidário e eleitoral), o que faria doer no bolso. Outra possibilidade: aos votos brancos e nulos poderiam ser destinados assentos vazios nos Legislativos municipais, estaduais e federal (por exemplo, 8% de votos brancos e nulos levariam a 8% de cadeiras vazias).

Isso faria com que os políticos tivessem interesse em tentar interceptar a demanda latente dos votantes que hoje preferem não escolher ninguém, por exemplo lançando novos candidatos e novas propostas. Enquanto abstencionismo, votos brancos e nulos não contarem nada, não haverá nenhum incentivo para os políticos ouvirem o descontentamento e o protesto da população.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]