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Adriano Gianturco

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Paternalismo

O que amendoins, pólen e fake news têm em comum

amendoim fake news
Quanto menos uma sociedade tem de lidar com algo, menos sabe reagir a ele: vale para o amendoim e para as fake news. (Foto: Three-Shots/Pixabay)

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Nas últimas décadas, aumentaram muito os casos de pessoas – especialmente crianças – alérgicas a amendoins (e outros tipos de nozes em geral), chegando a haver casos graves e mortes. Nos EUA, apenas quatro crianças em cada 1 mil tinham alergia a amendoins nos anos 90; em 2008 essa taxa já havia mais triplicado, para 14 em 1 mil. A reação instintiva dos pais e das escolas foi proibir amendoins.

No entanto, descobriu-se posteriormente que os casos de alergia estavam aumentando exatamente porque as crianças não estavam comendo mais amendoins. Em 2015, um importante estudo chamado Learning Early About Peanut Allergy (Leap) acompanhou por cinco anos centenas de crianças de 4 até 11 meses de idade, com alto risco de desenvolver alergia devido a alguns fatores prévios. Os pesquisadores pediram que metade dos pais não desse amendoins aos filhos; a outra metade deveria providenciar comidas com base de amendoins, que dariam aos filhos pelo menos três vezes por semana. Ao fim do ciclo, 17% das crianças que foram “protegidas” desenvolveram a alergia, proporção que caiu para 3% entre as crianças que consumiram amendoim normalmente. No fim, tratava-se do mesmo princípio das vacinas: nelas, injeta-se pequenas doses do vírus (ativado ou não) para o corpo se acostumar e aprender a combatê-lo sozinho.

É por isso que a alergia ao pólen também é um fenômeno em alta, ao menos nos EUA. Tornamo-nos animais urbanos, estando cada vez menos em contato com a natureza, e por isso ficando mais sensíveis a ela. Já no Brasil há muitos alérgicos a camarões, exatamente porque aqui não se come muito peixe, moluscos e frutos do mar. Felizmente, ninguém ainda teve a ideia de proibir o consumo de camarão!

Brasileiros não sabem identificar fake news porque não estão acostumados a pensar e pesquisar por conta própria; habituaram-se a ser tutorados

A moral da história é óbvia e banal: para aprender a lidar com algo, é preciso primeiro lidar com esse algo. É o bom senso comum. Os humanos aprendem fazendo, learning by doing.

Recentemente, a ministra do STF Cármen Lúcia, também presidente do TSE, falou em “cabresto digital”. Tempos atrás, Ricardo Lewandowski apareceu com o termo “desordem informacional”. Todos conhecemos o famoso inquérito das fake news, as tentativas do Congresso de legislar contra as supostas fake news, e quantas pessoas estão sofrendo punições por supostas fake news. Por um lado, trata-se de uma disputa por poder bruto: uns querem controlar a informação, e ponto. Por outro lado, há quem genuinamente ache que as pessoas não são capazes de distinguir fake news das real news. Uma recente pesquisa da OCDE, feita em 21 países, mostrou que 62% dos brasileiros não sabem reconhecer fake news, deixando-nos na pior posição entre os países avaliados.

Aqui voltamos aos amendoins, ao pólen e à vacina. Proteger, colocar numa bolha, gera o efeito oposto. É por isso que os brasileiros foram mal na pesquisa: não estão acostumados a pensar e pesquisar por conta própria porque se habituaram a ser tutorados desde o Império, quando se proibia a imprensa porque o Estado queria controlar os livros e as ideias que circulavam.

Mesmo querendo, ninguém nunca conseguirá acabar com as tais fake news. As alternativas são 1. existência de fake news com uma população que mais ou menos sabe reconhecê-las; e 2. existência de fake news com uma população que não sabe reconhecê-las. Se o melhor é (1), como, então, se faz para uma população aprender a identificar fake news? Deixá-las circulando para que as pessoas acabem lidando com elas, e assim ganharem experiência e traquejo. Mais fake news, mais aprendizado para se saber distinguir o falso do verdadeiro. Na Finlândia, estão ensinando até as crianças a reconhecer notícias falsas; não por acaso é o país que ficou na melhor posição da pesquisa da OCDE.

É assim que uma sociedade se torna antifrágil, flexível, resiliente, que aprende com os erros, que melhora com os problemas, que se fortalece com o estresse: com o famoso aforisma de Nietzsche: “o que não me mata me fortalece”. É assim que as crianças viram adultas.

Depois das fake news, vamos proibir e criminalizar os amendoins, o pólen e os camarões também? Ou vamos nos tornar uma sociedade antifrágil e adulta?

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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