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Datena dá uma cadeirada em Pablo Marçal durante debate realizado pela TV Cultura, no último domingo (15).
Datena dá uma cadeirada em Pablo Marçal durante debate realizado pela TV Cultura, em 15 de setembro.| Foto: TV Cultura/via Fotos Públicas

Os jovens talvez não saibam, mas os mais velhos devem se lembrar de quando surgiram as expressões “agressão verbal”, “agressão física” e “violência verbal”. Nos Estados Unidos se fala também de “microagressão”. Nada disso existia antes; agressão sempre foi agressão, e violência sempre foi violência. Nunca foi preciso especificar nem adjetivar, pois sempre se entendeu “agressão” como algo físico.

O Google Trends mostra que só se começou a falar de “agressão física”, “agressão verbal” e “violência verbal” em meados de 2007. Desde então, o uso dos termos só aumentou até que se estabelecessem como o “novo normal” em 2011, exatamente depois de terem explodido em popularidade nos EUA, em 2010.

Antes o tema era tratado de forma binária: ou era agressão, ou não era. E sempre foi assim, desde os primórdios até ontem. A razão para isso é autoevidente, uma questão de bom senso. Desde que surgiram esses novos termos, agora temos a “não agressão”, a “agressão verbal”, a “agressão física”, com inúmeras nuances. O resultado? A distância entre a agressão (física) e outras formas diminuiu, e a verdadeira agressão, a física, acabou sendo relativizada.

Palavras podem realmente fazer mal, mas isso não significa que sejam idênticas a uma agressão. Palavras não são violência

A Geração Z dirá que isso é coisa de “boomer”. Mas não; é simples questão de objetividade contra subjetividade. No entanto, como este é um país jovem e juvenilista, são eles que mandam, definem as modas políticas, e os adultos que se alinhem. Adultos que, por 40, 60 anos, sempre falaram “agressão” no sentido certo, de repente precisam mudar sua fala, levados pela turba.

O fenômeno também envolve ideologia: o pós-modernismo, que relativiza os fatos e privilegia o discurso, critica a objetividade e considera tudo subjetivo. É assim que surgem expressões como “palavras machucam”, “speech is violence”. Palavras podem realmente fazer mal, mas isso não significa que sejam idênticas a uma agressão. Palavras não são violência.

“Mas Fulano me ofendeu” dirão alguns. Em primeiro lugar, ofensa não é agressão, e por isso existem duas palavras diferentes. Em segundo lugar, ninguém lhe ofende; somos nós que nos ofendemos, que nos sentimos ofendidos. Algo que faz uma pessoa se sentir muito ofendida pode nem afetar muitos outros. As pessoas se ofendem por coisas muito diferentes; nem sempre é previsível, nem sempre os outros têm vontade de se policiar demais o tempo inteiro. E há quem se ofenda dificilmente e quem se ofenda facilmente.

Outro problema é a diferença entre compreender e justificar. Talvez Pablo Marçal tenha provocado Datena (verbalmente), que reagiu (fisicamente). Mas Datena não foi o primeiro e nem será o último a ser provocado. E os demais não reagiram com violência. Se a moda de reagir com violência a cada provocação nas campanhas eleitorais pegar... É possível que muitos tivessem reagido da mesma forma. Alguns podem até achar essa reação humanamente compreensível, mas não é justificável. Todos os pais do mundo sabem e ensinam isso para os filhos: se o insultarem, não se importe (“apelou, perdeu”) ou, no máximo, responda com insultos, não use as mãos. Quem começa a agredir (fisicamente) está errado, e ponto. Não existe agressão justificável, só legitima defesa, proporcional. Até mesmo em alguns casos gravíssimos, nos quais um assassino mata mulher e filhos de alguém, que depois reage se vingando e matando (ou tentando matar) o assassino, poderemos considerar tal ato compreensível, mas não socialmente justificável. Quem se vingou e fez justiça com as próprias mãos será julgado e condenado por homicídio.

A diferença entre insultos, provocação, ofensa e violência não é, portanto, uma mera diferença de grau; é de gênero, de tipo, mesmo.

Em parte, a violência, o soco, a cadeirada são fenômenos por si sós vindos de gente que não consegue se controlar. A violência faz parte do ser humano e isso é normal. Mas o que estamos presenciando é, em parte, também fruto de uma grande confusão entre violência real e palavras, insultos, provocações e ofensas. Na mente de quem justifica a cadeirada, a “cadeirada do bem”, é isso. Mas, quando tudo é violência, nada é violência. Perdemos a noção da diferença, ficamos sem noção. O fato é que não existe “cadeirada do bem”.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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