A resposta é “logrolling”, um termo mais positivo para a mesmíssima prática – que sim, acontece no exterior também e até nos países anglo-saxões.
Logrolling: o termo que nos Estados Unidos designa o que aqui se chama “toma lá, dá cá” vem da política da boa vizinhança no século 19, quando moradores ajudavam uns aos outros para rolar (rolling) e empilhar troncos (logs) depois de terem derrubado as árvores em seu terreno. É algo como “você me ajuda a mover os meus troncos, depois eu lhe ajudo a mover os seus”.
Mas como este conceito entrou na política? Considere este exemplo: um deputado que representa a categoria dos contadores propõe um projeto sobre alguma questão ligada a esses profissionais. A grande maioria dos outros deputados não tem interesses em jogo e nem uma opinião formada sobre o tema. Baseando-se nas opiniões e nos valores, o projeto cairia no desinteresse geral. O deputado precisa, então, convencer os colegas. Eis que um colega que vem do movimento ambientalista pode estar à disposição. Ele talvez queira aprovar um outro projeto, que beneficie o meio ambiente e as ONGs. Cada um, então, tem uma intensidade diferente de interesse sobre assuntos diversos. Fica estabelecida a troca de favores: “você vota este meu projeto e eu voto no seu”. O logrolling é exatamente isso: uma troca de favores para a aprovação de um projeto de lei.
O logrolling pode ser aplicado a tudo: alianças, coalizões, distribuição de cargos, nomeação de gerentes da administração pública seguem a mesma lógica
James Buchanan (ganhador do Nobel de Economia), Gordon Tullock e Randall Holcombe estudaram o fenômeno desde os anos 60 e, equiparando o processo legislativo a um marketplace, conseguem fazer previsões acertadas. Eles mostram que a troca de favores pode acontecer para dois projetos votados ao mesmo tempo, ou a recompensa pode ser postergada e o favor será cobrado em uma votação futura.
O logrolling ainda pode ser explícito ou implícito. É explícito quando os dois projetos são votados separadamente, e aí o apoio recíproco fica evidente; e implícito quando se cria um pacote com vários dispositivos dentro de um mesmo projeto. É o caso, por exemplo, das leis orçamentárias e das emendas parlamentares nas quais estão diversos dispositivos legais, vários artigos e várias mudanças. Desta forma, o parlamentar poderá dizer que votou pela aprovação do pacote porque ele incluía seu projeto, e não para apoiar um colega.
No Congresso Nacional, nas Assembleias Legislativas e nas Câmaras Municipais passam cotidianamente dezenas de projetos de lei, sobre os temas mais diferentes (da carreira de corretor de imóveis à regulação de bebedouros, passando pela relação entre entes federativos); só os mais polêmicos ficam sob os holofotes. Nenhum deputado tem opinião formada, nem interesses constituídos, sobre todos estes assuntos técnicos. Cada um tem o próprio eleitorado – há quem represente empresários, sindicatos, grupos religiosos etc. – e é a ele que tem de prestar contas; é aqui que residem seus interesses específicos e sua posição definida.
Nos Estados Unidos, esta prática é mais transparente: a mídia sabe, os deputados falam abertamente sobre isso e parte da população sabe que este é o funcionamento normal da coisa. Na Bélgica, dividida entre a parte flamenga e a parte francófona, também se trocam favores, no chamado Wafelijzerpolitiek (algo como “política do waffle de ferro”). A prática é tão antiga que os romanos falavam do ut des (“eu dou para que tu me dês”) ou quid pro quo (segundo os anglo-saxões). Aqui, o “toma lá, dá cá” também é conhecido como “para rir, tem de fazer rir”.
O logrolling pode ser aplicado a tudo: alianças, coalizões, distribuição de cargos, nomeação de gerentes da administração pública seguem a mesma lógica. É por isso que quase sempre um governo recém-eleito promete cortar, mas depois cede às pressões. E é assim que se explica o desmembramento de ministérios: dos Transportes, da Aviação, do Meio Ambiente, da Agricultura, da Educação e da Cultura, do Esporte, da Economia, do Planejamento, da Indústria e Comércio Exterior, de Minas e Energia, do Desenvolvimento Social e até do Turismo! E é por isso que reverter esta lógica é tão difícil.
Esta não é uma prática ilegal e nem rara; é a normalidade. Na verdade, esta é a principal maneira com que a quase totalidade dos projetos possa obter votos. A alternativa é a paralisia legislativa.
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