Ouça este conteúdo
“No nível federal, eu sou liberal; no nível estadual, sou um conservador; no nível municipal/local, sou um democrata; no nível familiar, sou socialista.” É assim que Nassim Taleb se posiciona no seu livro Skin in the game. Ou seja, depende do tamanho da organização social em consideração.
Todos nós somos mais ou menos socialistas em família. Os recursos são alocados por um sistema de planejamento central, não pela mão invisível, nem segundo uma lógica de eficiência entre os entes queridos, mas segundo critérios de amor e necessidades. Tudo voluntário, claro. A família é o primeiro e o mais natural coletivo humano e existem fortes laços afetivos. Alguns acham e esperam que esta dinâmica possa ser estendida a conjuntos maiores e ao país todo. Isso é impossível: a família tem base afetiva e voluntária.
Uma comunidade hippie e um kibutz, com valores e estruturas comunistas, podem funcionar exatamente porque são pequenas; seus membros se conhecem e estabelecem laços pessoais. Platão considerava o tamanho ótimo de uma polis em 5.040 chefes de família; Aristóteles sabia que o tamanho ideal da cidade é aquele no qual todos se conhecem pessoalmente; segundo Montesquieu, “em uma república pequena, o bem comum é sentido de forma mais forte, é conhecido melhor e mais próximo do cidadão”. A mesma coisa acontece com as comunidades amish, mesmo com valores bem diferentes. Na verdade, todas funcionam exatamente porque são comunidades privadas e voluntárias. Imaginem o que aconteceria se os hippies e os amish quisessem aplicar as próprias regras a todo mundo!
Se um país grande quer ser bem administrado e rico, tem de descentralizar
Muitos olham a Escandinávia como modelo a imitar, esquecendo-se de que ela é composta por países muito pequenos e muito homogêneos. Noruega, Finlândia e Dinamarca têm cerca de 5,5 milhões de habitantes cada uma. A Suécia (que é o maior país da região) supera em pouco os 10 milhões – menos que a cidade de São Paulo! Charles Tiebout e James Buchanan mostram como é obviamente mais fácil fornecer bens públicos em sistemas menores, e como alguns deles podem ser fornecidos de forma melhor em nível local.
As empresas também enfrentam o mesmo problema. Em todas as disciplinas de Teoria da Firma se estuda a questão do tamanho da companhia. À medida que a empresa aumenta de tamanho, as relações ficam mais despersonalizadas, os interesses começam a divergir, há mais margem para ineficiências e desvios, o controle fica mais difícil e é exatamente por isso que ela se burocratiza. Algumas “áreas meio” viram fins em si mesmos, com agendas próprias. A chave é descentralizar, ou seja: ao “escalar” a empresa, as regras têm de mudar.
É por isso que existe um certo consenso sobre o fato de que em política também é preciso descentralizar, segundo os princípios da subsidiariedade (as decisões têm de ser tomadas ao nível mais próximo do cidadão possível) e do federalismo. Dos dez maiores países do mundo – China, Índia, Indonésia, Estados Unidos, Brasil, Paquistão, Nigéria, Bangladesh, Rússia e México –, só um é rico (pelo critério de renda per capita): exatamente o mais descentralizado de todos, os EUA. O mesmo país no qual conseguem conviver comunidades hippies e amish ao mesmo tempo. Não é uma mera coincidência!
Fica a dica para o Brasil: se um país grande quer ser bem administrado e rico, tem de descentralizar.
Somos animais tribais; vivemos por milhões de anos (a maior parte da nossa história) em clãs e tribos, de centenas ou no máximo de poucos milhares de pessoas. Nosso cérebro é moldado nesse contexto. Mas pensamos que o mesmo sistema de planejamento central daquelas comunidades pode ser estendido ao nível do Estado-nação. Não dá: o tamanho importa.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos